Uma noite no cabaré
Os organizadores da Love Cabaret se agitam ao fim do intervalo. “Por favor, sentem-se, o espetáculo vai começar”, passam dizendo, ajudando todos a se acomodarem nas mesas em volta do palco e em bancos acolchoados encostados nas paredes.
Sinal de que os shows são o centro da atenção na nova casa de shows no centro de São Paulo, que teve ontem, 15, um pré-lançamento para convidados, do qual a Casual EXAME participou. Então começa uma apresentação de bondage, em que uma mulher é inteiramente e lentamente amarrada, começando pelas mãos e terminando pelos pés, ao som de uma harpa.
Assim é a Love Cabaret, “a casa de todos os corpos”. O aposto é uma variação do slogan da Love Story, icônica casa que ocupava antes o local, “a casa de todas as casas”. A Love Story foi uma boate no tempo em que ainda se falava boate, entre os anos 1990 e 2000. Começava a encher às três da manhã e reunia de garotas de programa a mauricinhos e patricinhas, no tempo em que ainda se falava mauricinhos e patricinhas.
Após processo judicial de falência, em 2021, com uma dívida de R$ 1,7 milhão, o espaço foi à leilão. “Nos interessamos pelo projeto sem saber o que fazer no lugar. Independentemente do que acontecia de ruim no lugar, a Love Story teve uma importância na história da noite de São Paulo”, diz Cairê Aoas, um dos sócios do espaço ao lado de Facundo Guerra, que se especializou em ressignificar lugares significativos de São Paulo, dar visibilidade ao que está esquecido, trazer para o centro o periférico e o periférico para o centro e Lily Scott.
Com um investimento de 5 milhões de reais, o espaço instalado no bairro da República será reinaugurado no próximo dia 23 de junho. Prevê apresentações que amplificam o conceito do público sobre o corpo, o desejo e os fetiches, e promete ser um novo ícone da noite paulistana.
A ideia foi resgatar a essência de lugares icônicos de São Paulo no final da década de 1970 e começo dos anos 1980, quando o centro da cidade chegou a ter mais de 20 cabarés. A casa é decorada com a estética excêntrica e maximalista da época.
“Este projeto foi divisor de águas. Encontramos poucos lugares no mundo que fazem algo parecido com o que teremos no Cabaret”, diz Aoas. Segundo os sócios, uma noite no Love Cabaret será uma celebração aos corpos e narrativas que não se encaixam no padrão.
“Quisemos dar uma visibilidade diferente para o campo do desejo e da sexualidade, e trazer os corpos diversos como protagonistas dessa história, apesar de serem do campo do fetiche e do desejo”, diz Aoas. “Falar sobre fetiches no sexo ainda é um tabu, e pudemos colocar artistas talentosíssimos que vivem dessa arte para se apresentarem no palco”.
Estão previstas apresentações entre cinco e sete apresentações por noite, cada uma com 15 minutos de duração. “Seremos uma plataforma de educação deste universo”, diz o empresário sobre as apresentações de pole dance, BDSM, voguing, burlesco, drag, tango aéreo, performance musical, ASMR, entre outras que acontecerão no espaço.
Dentre os curadores artísticos da boate estão Ikaro Kadoshi, artista e uma das apresentadoras do reality “Drag Me As a Queen”, do canal E! e da Caravana das Drags, no Prime Video e Mayumi Sato, CMO do Sexlog, rede social de sexo do Brasil com mais de 10 milhões de pessoas inscritas. Além de Indra Haretrava, que é coordenadora artística do Love Cabaret e também fará apresentações na casa.
A programação não será divulgada. Quem quiser poderá comprar ingressos antecipadamente. Depois disso, as pessoas entrarão de acordo com a ordem de chegada. Cabem lá 320 pessoas, todas sentadas. Afinal, elas estão lá para assistir aos shows.
O projeto é assinado por Maurício Arruda. Os antigos tons de preto e vermelho originais da Love Story foram substituídos por uma paleta mais jovem e diversa. Os espelhos clássicos da antiga Love Story, na entrada, bastante instagramáveis, foram preservados.
Tudo gira em volta das performances, mas a gastronomia recebeu boa atenção. O menu tem a assinatura do chef Matheus Zanchini, do restaurante Borgo. Provei lá um ótimo bolinho de arroz e um fish and chips no ponto. Entre os dez drinques autoriais, criados por Michelly Rossi, destaque para o Safo, com Bulleit Bourbon, xarope de caramelo salgado, bitter, solução salina e spray de Talisker.
Alternativo, sim. Mas com muito conforto.
A fábrica por trás dos bares
Bar Brahma, Hotel Marabá, Riviera Bar, Bar dos Arcos e agora o Love Cabaret. Por trás desses nomes antigos na cidade está a Fábrica de Bares, fundada em 2014 e com Aoas como um dos sócios.
O primeiro negócio do empresário foi o Bar Brahma. Mas, grande parte da reestruturação do espaço se deve a Álvaro Aoas, pai de Cairê, que foi convidado a assumir o bar localizado entre as avenidas Ipiranga e São João. À época, Cairê ainda era adolescente, mas acabou tomando gosto pelo trabalho. “Eu já trabalhava no restaurante do meu pai, na Santa Cecília. Depois da escola costumava ficar na balança do quilo ou tirando cafés”, lembra. “O centro da cidade é muito afetivo para mim. Tenho muitas memórias do centro, e resgatar lugares antigos começou com o Bar Brahma”.
“Já havia um problema social muito grande há 25 anos no centro de São Paulo, e com a decadência do centro, o bar também entrou em um processo de declínio e acabou fechando as portas”. O convite surgiu em 2001, quando um dos clientes do bar fez a ponte entre os Aoas e os antigos donos. Para atrair mais clientes, decidiram incluir uma programação de shows com grandes nomes da música brasileira como Cauby Peixoto e Demônios da Garoa. “Meu pai pôs na cabeça dele que sua missão seria resgatar o centro”.
Atualmente são 16 estabelecimentos geridos pela Fábrica de Bares, sendo 7 fincados no centro da cidade. Os próximos planos da empresa é dar dois irmãos mais novos ao restaurante Orfeu e ao Bar Brahma. “O Orfeuzinho, como estamos chamando carinhosamente, terá cafés da manhã, sucos e lanches”, diz. Já o Brahminha será um bar dedicado à coquetelaria clássica.
Ocupar o centro da cidade também se tornou um desejo de Cairê. “Não gosto de usar o termo ‘revitalizar’ pois parece que não tem vida no centro. Pelo contrário, há muita vida, mas é necessária uma melhor ocupação urbanística e segurança no centro”, diz. “Com novos empreendimentos, como o Love Cabaret, por exemplo, teremos ações de melhora a curto prazo, como policiamento, iluminação, limpeza das ruas. Mas, ainda falta um pouco para ser o suficiente para encorajar mais as pessoas não só frequentarem o centro, mas também que empresários voltem a abrir mais coisas na região. Ao ocupar espaços abandonados, aos poucos conseguimos transformar o lugar”.
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Créditos
Ivan Padilla
Editor de Casual e Especiais
Graduado em jornalismo pela PUC e pós-graduado em relações internacionais pela Universitat Autonòoma de Barcelona. Foi repórter especial da Época, editor executivo da Época Negócios, redator chefe da GQ Brasil e diretor de redação da VIP.
Júlia Storch
Repórter de Casual
Formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduada em Culturas Digitais pela Universidade de Maastricht. Escreve sobre cultura e lifestyle desde 2015, na EXAME desde 2020. Foi repórter na revista ELLE Brasil.