O funcionário que virou o dono do varejo
Ele vendeu um jipe velho para comprar uma loja de móveis no Paraná, da qual era funcionário. Acabou construindo uma rede que hoje fatura quase 2 bilhões de reais por ano
Da Redação
Publicado em 1 de março de 2012 às 18h00.
São Paulo - Sempre que recebe um convidado na empresa, o paranaense Mário Gazin abre uma gaveta da escrivaninha, de onde pega duas moedas de 25 centavos. É o valor exato para dois cafezinhos da máquina do escritório, que compartilha com mais de 100 funcionários em Douradina, cidade de pouco mais de 7 000 habitantes no Paraná.
É dali que Gazin, de 62 anos, comanda a Móveis Gazin, rede que vende móveis e eletrodomésticos numa faixa que vai do Paraná ao Acre, na fronteira oeste do Brasil. "Cada café é pago, até mesmo o meu, porque senão o pessoal abusa", diz ele. Pequenos custos e grandes metas são obsessões que Gazin cultiva com métodos fora do comum - logo após o réveillon, ele distribui aos funcionários cuecas e calcinhas bordadas com os objetivos do ano.
Nos últimos cinco anos, a Móveis Gazin quase triplicou as receitas, que chegaram a 1,9 bilhão de reais em 2008. Gazin, que fez apenas o 1o ano primário, virou empreendedor quando, aos 17 anos, vendeu um jipe da família para comprar uma loja de móveis. Nesta conversa com Exame PME, ele conta como construiu a empresa e suas ambições para o futuro.
Meu pai era lavrador nas fazendas de café do Paraná nos anos 60. Trabalhei com ele quando menino. Aos 11 anos, arrumei dois empregos e deixei a enxada. Durante o dia, era sapateiro.
À noite, era empregado na padaria da família da diretora do colégio. Ela gostava de mim. Eu contei que tomaria uma surra em casa se fosse reprovado. A diretora trocou as notas no meu boletim e me deixou ir para o 2o ano primário, que não completei porque o trabalho tomava muito tempo.
Meses depois, fui trabalhar com o filho dela, que era dono de lojas de móveis. Quando eu estava com quase 17 anos, ele decidiu fechar a filial de Douradina, município vizinho de Cidade Gaúcha, onde eu morava. Achei que seria bom se eu pudesse comprar a loja. Então eu e meu pai vendemos um jipe da família para o pagamento.
Com seis anos de vida, a Móveis Gazin já vendia eletrodomésticos e bicicletas. Em 1975, aconteceu um geadão forte que acabou com o café no Paraná. Os agricultores, em busca de alternativas, começaram a cultivar muito cereal. Eu e meus irmãos tivemos a ideia de trocar móveis por produtos agrícolas — arroz, feijão, vaca, porco.Quando viajávamos a São Paulo para buscar móveis, levávamos os grãos para negociar e fazer dinheiro.
O pessoal começou a migrar para o Centro-Oeste e para o Norte para fugir das geadas. Essas pessoas eram nossos clientes. Então, fomos atrás delas, abrindo lojas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Depois inauguramos em Rondônia, no Acre e num pedacinho do Amazonas. Até a nossa décima loja fomos crescendo assim, correndo atrás dos clientes.
Depois, fomos ocupando os espaços nas cidades que ficavam pelo caminho. Nesse grande Oeste brasileiro encontramos nossa vocação como varejistas.
Embora tenha aprendido a ler, escrever e fazer contas, eu me achava um analfabeto. Por isso, tinha um medo danado de quebrar a empresa, e me forçava a aprender. Em 1977, ouvi falar de um seminário para empreendedores em Londrina. Os palestrantes falaram que era preciso investir na marca.
Era uma ideia totalmente nova para mim. Achei bom aquilo e até melhorei umas coisinhas no jeito como tratávamos a marca nas lojas. No ano seguinte fui a um seminário no Chile. Fui de ônibus, numa viagem de sete dias. Lá havia americanos, japoneses, gente do mundo todo falando de negócios. Assisti a uma palestra de um tal de Peter Drucker. Não fazia ideia de quem era aquele velhinho. Só depois me disseram que era um professor famoso.
Nos anos 90, tentei me matricular num MBA na PUC, em São Paulo. Cheguei lá e pediram meu diploma de faculdade. Fiz um acordo para participar como ouvinte. Achei que fui muito bem nas primeiras aulas, sobre logística e marketing de vendas. Na época, pensei que devia ser um cara bom mesmo, porque já fazia mais ou menos o que estava sendo ensinado.
Um dia, o professor falou para levarmos uma HP. "O que é essa HP?", perguntei aos colegas. Disseram-me que era uma calculadora. Comprei uma antes de embarcar no ônibus de volta para Douradina, pensando que podia aprender a usar no caminho. Só quando estava na estrada vi que o manual era em inglês. Aprendi a usar com o tempo, com as pessoas me ensinando.
Sempre tive vontade de trazer coisas novas para a Gazin. Quando ouvi falar de computador, fui a Curitiba comprar um. Aproveitei para visitar o Hermes Macedo, então dono de uma poderosa rede de varejo. Ele me disse para esquecer essa história de computador e usar o dinheiro para comprar máquinas de costura para pôr no estoque. Comprei um computador com impressora mesmo assim. Eram máquinas enormes e caras, que usávamos para o controle do estoque e das contas a pagar e a receber.
Fiquei muito amigo do Hermes, de quem comprava móveis para revender, antes de ter minhas fábricas. Ele costumava dar bons conselhos, apesar de não acreditar em computador. Lembro que eu costumava reclamar de uns concorrentes que vendiam muito barato. Ele me disse para não esquentar a cabeça, porque quem vendia barato demais estava condenado a quebrar. Pena que a Hermes quebrou, mas não por culpa dele. Ao morrer, ele havia deixado um belo patrimônio.
As grandes redes de varejo hoje, como Casas Bahia e Magazine Luiza, são farinha do mesmo saco. Todas facilitam o crédito, mas têm pavor de queimar as margens. Por isso, sou obsessivo com metas de vendas, de lucratividade e de combate à inadimplência. Na década de 90, não vendíamos tanto quanto queríamos.
Fui conversar com um professor de administração. Ele me assustou de verdade. Disse que as empresas familiares tinham um limite para crescer. E que o destino de negócios como a Gazin era bater no teto e depois cair até quebrar.
Fiquei dois meses sem dormir direito. Precisava fazer algo para mudar aquele destino horrível. Chamei os gerentes e disse que devíamos atingir a meta de todo jeito e que daria prêmios a quem ajudasse. Eles lutaram mais para fechar cada venda e no mesmo ano voltamos a crescer. Desde então, não abandonamos as metas e recompensas. Em 2008 demos 12 Corolla, vários carros pequenos e quase 50 motos.
Onde quer que você olhe aqui na empresa, verá cartazes e faixas com as metas — até nos banheiros. Todo começo de ano eu mando bordar roupas íntimas com os números que queremos atingir e distribuo para os funcionários. Em 2009, por exemplo, o bordado dizia 103 = 3% = 16% = 1,7%. Quer dizer: 103 milhões de reais de vendas ao mês, 3% de crescimento no patrimônio líquido, 16% de lucro e um máximo de 1,7% de inadimplência.
Hoje, a Gazin pertence a dez sócios — eu, meus irmãos e meus cunhados e cunhadas. Em 2000, criamos uma holding para reunir os sócios e salvar a empresa da família, como costumo dizer. Não dá para evitar conflitos, mas a holding permite discutir as coisas antes que os problemas cresçam. Administrado do jeito certo, um negócio familiar é a melhor coisa do mundo.
Daqui a uma década, queremos estar entre as 300 maiores empresas do país. Vai ser extremamente importante prestar atenção nos concorrentes, ver onde eles deixam brechas. Mas nada de comprar lojas em dificuldades. Fiz isso uma vez e me arrependi até o último fio de cabelo. Tudo que estava errado na outra empresa quase acabou contaminando a nossa.
São Paulo - Sempre que recebe um convidado na empresa, o paranaense Mário Gazin abre uma gaveta da escrivaninha, de onde pega duas moedas de 25 centavos. É o valor exato para dois cafezinhos da máquina do escritório, que compartilha com mais de 100 funcionários em Douradina, cidade de pouco mais de 7 000 habitantes no Paraná.
É dali que Gazin, de 62 anos, comanda a Móveis Gazin, rede que vende móveis e eletrodomésticos numa faixa que vai do Paraná ao Acre, na fronteira oeste do Brasil. "Cada café é pago, até mesmo o meu, porque senão o pessoal abusa", diz ele. Pequenos custos e grandes metas são obsessões que Gazin cultiva com métodos fora do comum - logo após o réveillon, ele distribui aos funcionários cuecas e calcinhas bordadas com os objetivos do ano.
Nos últimos cinco anos, a Móveis Gazin quase triplicou as receitas, que chegaram a 1,9 bilhão de reais em 2008. Gazin, que fez apenas o 1o ano primário, virou empreendedor quando, aos 17 anos, vendeu um jipe da família para comprar uma loja de móveis. Nesta conversa com Exame PME, ele conta como construiu a empresa e suas ambições para o futuro.
Meu pai era lavrador nas fazendas de café do Paraná nos anos 60. Trabalhei com ele quando menino. Aos 11 anos, arrumei dois empregos e deixei a enxada. Durante o dia, era sapateiro.
À noite, era empregado na padaria da família da diretora do colégio. Ela gostava de mim. Eu contei que tomaria uma surra em casa se fosse reprovado. A diretora trocou as notas no meu boletim e me deixou ir para o 2o ano primário, que não completei porque o trabalho tomava muito tempo.
Meses depois, fui trabalhar com o filho dela, que era dono de lojas de móveis. Quando eu estava com quase 17 anos, ele decidiu fechar a filial de Douradina, município vizinho de Cidade Gaúcha, onde eu morava. Achei que seria bom se eu pudesse comprar a loja. Então eu e meu pai vendemos um jipe da família para o pagamento.
Com seis anos de vida, a Móveis Gazin já vendia eletrodomésticos e bicicletas. Em 1975, aconteceu um geadão forte que acabou com o café no Paraná. Os agricultores, em busca de alternativas, começaram a cultivar muito cereal. Eu e meus irmãos tivemos a ideia de trocar móveis por produtos agrícolas — arroz, feijão, vaca, porco.Quando viajávamos a São Paulo para buscar móveis, levávamos os grãos para negociar e fazer dinheiro.
O pessoal começou a migrar para o Centro-Oeste e para o Norte para fugir das geadas. Essas pessoas eram nossos clientes. Então, fomos atrás delas, abrindo lojas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Depois inauguramos em Rondônia, no Acre e num pedacinho do Amazonas. Até a nossa décima loja fomos crescendo assim, correndo atrás dos clientes.
Depois, fomos ocupando os espaços nas cidades que ficavam pelo caminho. Nesse grande Oeste brasileiro encontramos nossa vocação como varejistas.
Embora tenha aprendido a ler, escrever e fazer contas, eu me achava um analfabeto. Por isso, tinha um medo danado de quebrar a empresa, e me forçava a aprender. Em 1977, ouvi falar de um seminário para empreendedores em Londrina. Os palestrantes falaram que era preciso investir na marca.
Era uma ideia totalmente nova para mim. Achei bom aquilo e até melhorei umas coisinhas no jeito como tratávamos a marca nas lojas. No ano seguinte fui a um seminário no Chile. Fui de ônibus, numa viagem de sete dias. Lá havia americanos, japoneses, gente do mundo todo falando de negócios. Assisti a uma palestra de um tal de Peter Drucker. Não fazia ideia de quem era aquele velhinho. Só depois me disseram que era um professor famoso.
Nos anos 90, tentei me matricular num MBA na PUC, em São Paulo. Cheguei lá e pediram meu diploma de faculdade. Fiz um acordo para participar como ouvinte. Achei que fui muito bem nas primeiras aulas, sobre logística e marketing de vendas. Na época, pensei que devia ser um cara bom mesmo, porque já fazia mais ou menos o que estava sendo ensinado.
Um dia, o professor falou para levarmos uma HP. "O que é essa HP?", perguntei aos colegas. Disseram-me que era uma calculadora. Comprei uma antes de embarcar no ônibus de volta para Douradina, pensando que podia aprender a usar no caminho. Só quando estava na estrada vi que o manual era em inglês. Aprendi a usar com o tempo, com as pessoas me ensinando.
Sempre tive vontade de trazer coisas novas para a Gazin. Quando ouvi falar de computador, fui a Curitiba comprar um. Aproveitei para visitar o Hermes Macedo, então dono de uma poderosa rede de varejo. Ele me disse para esquecer essa história de computador e usar o dinheiro para comprar máquinas de costura para pôr no estoque. Comprei um computador com impressora mesmo assim. Eram máquinas enormes e caras, que usávamos para o controle do estoque e das contas a pagar e a receber.
Fiquei muito amigo do Hermes, de quem comprava móveis para revender, antes de ter minhas fábricas. Ele costumava dar bons conselhos, apesar de não acreditar em computador. Lembro que eu costumava reclamar de uns concorrentes que vendiam muito barato. Ele me disse para não esquentar a cabeça, porque quem vendia barato demais estava condenado a quebrar. Pena que a Hermes quebrou, mas não por culpa dele. Ao morrer, ele havia deixado um belo patrimônio.
As grandes redes de varejo hoje, como Casas Bahia e Magazine Luiza, são farinha do mesmo saco. Todas facilitam o crédito, mas têm pavor de queimar as margens. Por isso, sou obsessivo com metas de vendas, de lucratividade e de combate à inadimplência. Na década de 90, não vendíamos tanto quanto queríamos.
Fui conversar com um professor de administração. Ele me assustou de verdade. Disse que as empresas familiares tinham um limite para crescer. E que o destino de negócios como a Gazin era bater no teto e depois cair até quebrar.
Fiquei dois meses sem dormir direito. Precisava fazer algo para mudar aquele destino horrível. Chamei os gerentes e disse que devíamos atingir a meta de todo jeito e que daria prêmios a quem ajudasse. Eles lutaram mais para fechar cada venda e no mesmo ano voltamos a crescer. Desde então, não abandonamos as metas e recompensas. Em 2008 demos 12 Corolla, vários carros pequenos e quase 50 motos.
Onde quer que você olhe aqui na empresa, verá cartazes e faixas com as metas — até nos banheiros. Todo começo de ano eu mando bordar roupas íntimas com os números que queremos atingir e distribuo para os funcionários. Em 2009, por exemplo, o bordado dizia 103 = 3% = 16% = 1,7%. Quer dizer: 103 milhões de reais de vendas ao mês, 3% de crescimento no patrimônio líquido, 16% de lucro e um máximo de 1,7% de inadimplência.
Hoje, a Gazin pertence a dez sócios — eu, meus irmãos e meus cunhados e cunhadas. Em 2000, criamos uma holding para reunir os sócios e salvar a empresa da família, como costumo dizer. Não dá para evitar conflitos, mas a holding permite discutir as coisas antes que os problemas cresçam. Administrado do jeito certo, um negócio familiar é a melhor coisa do mundo.
Daqui a uma década, queremos estar entre as 300 maiores empresas do país. Vai ser extremamente importante prestar atenção nos concorrentes, ver onde eles deixam brechas. Mas nada de comprar lojas em dificuldades. Fiz isso uma vez e me arrependi até o último fio de cabelo. Tudo que estava errado na outra empresa quase acabou contaminando a nossa.