Carlos Luiz Sost, da Kappesberg: concorrência difícil e clientes fortes na negociação (Tamires Kopp / Print Maker)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2014 às 15h03.
São Paulo - Todo mundo que viajou pelo Brasil já deve ter visto aqueles moradores na estrada vendendo produtos regionais — bananinhas no litoral santista, berimbaus na Bahia, pamonhas no interior paulista. Nos anos 90, havia nas estradas gaúchas um tipo particular de artesanato de madeira: brinquedos, cinzeiros e kits para chimarrão feitos com retalhos de marcenaria.
Eram boas as chances de que tivessem saído das mãos de Carlos Luiz Sost ou de seu sócio, Celso Theisen. O artesanato originou a Kappesberg, que deverá faturar 460 milhões de reais neste ano com móveis (a empresa também produz colchões e objetos para decoração).
Os produtos da Kappesberg estão em vários países — 12% das receitas vêm de fora. Saiba como tudo aconteceu, segundo relato de Carlos Sost:
"Eu tinha uns 28 anos e um amigo, chamado Celso, era um pouco mais novo. Ambos trabalhávamos como funcionários de empresas de calçados da região da Serra Gaúcha e queríamos ganhar um dinheiro extra fora do expediente. Tivemos a ideia de fazer algum tipo de artesanato de madeira. O pai do Celso tinha feito sozinho todos os móveis da casa dele.
Foi nossa inspiração. Começamos a pegar sobras de madeira em marcenarias. Com esse material, fazíamos carrinhos, cinzeiros, saleiros, kits para tomar chimarrão.
Em 1995, já tínhamos uma microempresa. Aos poucos, conseguimos que outras pessoas vendessem as peças na beira de estradas. Logo descobrimos que, apesar de ser bacana, artesanato não gera muito volume. Ficamos pensando que poderíamos investir. Foi quando apareceu um senhor procurando emprego.
Ele sabia fazer móveis sob medida e nos ensinou o trabalho. A primeira entrega foi uma cama, construída para um amigo. Caprichamos muito, pois queríamos ser respeitados e conhecidos como bons profissionais na cidade, onde todo mundo se conhece e indica uns para os outros.
Deu tudo certo. Largamos o emprego e passamos a nos dedicar só ao negócio. Conforme a empresa se desenvolvia, tínhamos de lidar com alguns entraves ao crescimento. Um era a padronização — cada cliente é único e quer algo diferente do cliente anterior.
Outro era expandir além dos arredores, algo impossível sem um bom sistema de transporte e uma equipe de montagem competente em vários lugares. Ficou claro o enorme desafio de crescer e manter a qualidade ao mesmo tempo.
Invertemos a lógica e passamos a fabricar móveis para pronta-entrega. Com a produção em série, os problemas seriam menos complexos e daria para produzir um volume maior. Os móveis seriados fizeram a Kappesberg crescer e ser o que é hoje.
Muita gente me pergunta o que nos fez enxergar esse mercado. Digo que não foi nenhuma estratégia ou pesquisa. Foi o instinto de empreendedor, que nos fez enxergar e agarrar uma oportunidade. Acho que eu e meu sócio somos bons nisso.
Nossa região era muito voltada para produzir calçados. Várias cidades ofereciam benefícios para quem montasse uma fábrica diferente. Descobrimos que o município de Tupandi estava doando terrenos e oferecendo uma pequena ajuda para construir. Levantamos lá nosso primeiro barraco. É nossa sede até hoje.
Tínhamos algumas máquinas. Começamos a produzir suportes e estantes e a distribuir em lojas do Rio Grande do Sul. Quando passamos a vender para o Nordeste, fomos surpreendidos com um alto nível de inadimplência. Mas isso faz parte do passado. Hoje o Nordeste é a segunda região que mais compra nossos produtos. Só perde para o Sul.
Em 1998, fizemos nossa primeira venda externa, para o Uruguai. Deu certo. O passo seguinte foi a Argentina. Depois, o Chile. Trouxemos gente de Bento Gonçalves, um berço produtor de móveis, que conhece bem esses mecanismos de exportação.
A essa altura nosso portfólio já incluía dormitórios e as primeiras cozinhas. O mercado lá fora nos pedia mais produtos. Gostamos da brincadeira. Em 2002, mais da metade das receitas vinha de exportações.
O maior desafio aconteceu em torno de 2005. Nossas vendas estavam muito concentradas na Argentina — a Kappesberg era o maior fornecedor de lá. Os argentinos atravessavam uma grave crise econômica e o mercado se retraiu. Tivemos de nos voltar para o Brasil.
Foi uma segunda era para a empresa. Redesenhamos o catálogo de produtos. O gosto do brasileiro é diferente do gosto do consumidor lá fora. O estrangeiro é muito conservador.
O brasileiro quer novidades — modelos novos, cores variadas. Além disso, a sociedade aqui estava mudando, com muita gente subindo economicamente. Fizemos uma pesquisa no mercado nacional para entender esse novo cliente.
Posso dizer que somos especializados nesses consumidores que eram da classe C e migraram para o que eu chamo de nova classe média emergente. Várias coisas mudaram. Hoje em dia, há muitas famílias de classe média em que a mulher ganha mais do que o marido. É ela quem resolve quanto do orçamento vai para a compra de móveis e de que forma será o pagamento.
Por outro lado, há mais homens no fogão — seja por hobby seja para dividir o trabalho de casa com a mulher. Isso significa que temos de oferecer a opção de cozinhas que não pareçam tão femininas, que tenham predomínio de cores neutras, como cinza e bege. Também ampliamos o espaço de circulação para que o casal possa cozinhar junto.
Essas transformações foram possíveis porque tivemos bastante apoio de clientes fiéis entre os magazines que revendem nossos móveis. Trocamos muitas ideias para entender o que o consumidor final procurava nas lojas, mas não encontrava.
Sentávamos com esses lojistas e, muitas vezes, reprojetávamos o produto. Atualmente, produzimos móveis para vários ambientes, colchões, utensílios domésticos feitos de plástico — tudo para diferentes faixas de consumo.
O faturamento da Kappesberg é de cerca de 460 milhões de reais — quase quatro vezes o de sete anos atrás. Esse crescimento aconteceu porque, além de desenvolver novos modelos, investimos em modernização tecnológica. Nosso sistema de acabamento estava defasado em relação às exigências do mercado.
Atuamos num setor em que nossos concorrentes são fortes, financeiramente muito bem estabilizados, e não é fácil competir com eles. Além disso, o relacionamento com grandes clientes também é difícil. É dura a negociação com uma grande cadeia, como a Marabraz. Quem já se sentou para fazer negócio com a Casas Bahia ou o Ponto Frio sabe do que estou falando.
Os paulistas, sobretudo, dão o maior trabalho. O paulista se acostumou a ganhar as coisas de graça. A gente não concorda com isso, né? Queremos vender e deixar um pouco de margem no produto.
Neste momento, rentabilidade é prioritário para nós. Por isso, estamos procurando exportar para mercados que nos permitam ter maiores margens do que internamente. Acreditamos muito no potencial da África.
Aumentamos a presença na Europa e estamos nos fortalecendo na América Central e no México. Uma coisa que está dando certo é nossa rede de lojas, que opera com o sistema de franquias.
Já recebemos muitas propostas para vender a empresa ou parte dela. No futuro, acho que poderemos até abrir o capital. Estamos nos preparando para isso há algum tempo. A companhia hoje já é toda auditada e temos um conselho de administração.
Celso é meu sócio há mais de 20 anos. Ele é o homem dos números, apaixonado por controle de custos. Nós dois nos revezamos anualmente no cargo de comando da empresa. Existem momentos em que ter sócio é complicado mesmo, não tem jeito. Há discussões, há divergências. Isso é normal. No fim do dia a gente sempre chega a um consenso."