Vacas falantes? Startup que dá voz a rebanhos capta mais de R$ 5 milhões com recorde no crowdfunding
A gaúcha Cowmed concluiu captação de R$ 5,9 milhões para levar sua tecnologia que "traduz" o sentimento das vacas leiteiras mundo afora
Maria Clara Dias
Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 13h33.
Última atualização em 13 de dezembro de 2022 às 14h59.
Uma máxima na agropecuária, a necessidade de lidar com intempéries e imprevistos acaba moldando o modo de operar dessa indústria como um todo, influenciando de grandes operações a pequenos fazendeiros. Olhar para uma série de fatores que podem influenciar o bom desempenho de uma lavoura ou de um rebanho é uma tarefa árdua e que pode ser simplificada com a ajuda de tecnologia. Esse é o racional que motivou Leonardo Guedes e Thiago Martins a empreender. Os dois irmãos juntos decidiram criar uma tecnologia capaz de fazer "vacas falarem" e que promete ser o braço direito de pacuaristas Brasil adentro.
Juntos, eles fundaram, em 2021, a Cowmed, uma startup que desenvolveu uma tecnologia capaz de "traduzir" os desejos dos animais a partir da coleta de informações relacionadas ao bem-estar e comportamento. Dedicada à pecuária leiteira, a proposta da Cowmed é ajudar produtores e criadores a tomarem melhores decisões e melhorarem suas produções.
Por trás da ideia está a percepção de que a lida no campo não é uma ciência exata, principalmente devido a incapacidade dos produtores rurais e agropecuaristas de identificarem as reais necessidades de seus rebanhos. "Muitas vezes, trabalham com suposições sobre o que acreditam ser melhor para seus animais, e isso nem sempre expressa o que eles realmente precisam", explica Martins.
A ideia da empresa
A Cowmed é resultado de um projeto acadêmico que nasceu dentro da universidade federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A provocação veio do pai de Guedes e Martins, um engenheiro elétrico, acadêmico e pesquisador da área de microeletrônica. Durante viagens internacionais em busca de parcerias público-privadas para o desenvolvimento de tecnologias vistas apenas nos campus universitários, ele percebeu a possibilidade de melhoria produtiva a partir da adoção de tecnologia em uma cadeia em específico: a produção leiteira.
Com a ideia de criar algo para esse nicho, ele voltou ao Brasil com a provocação aos dois filhos, também engenheiros. "Sempre tivemos esse desejo de construir algo capaz de mudar o mundo”, diz Martins. "Quando a ideia surgiu, vimos que essa era a nossa oportunidade de criar impacto".
Para o fundador, o impacto estava claro pelos números. A produção de leite é estratégica para economia global, e o Brasil, detentor do maior rebanho comercial do mundo e quinto maior produtor de leite global, poderia ser o melhor receptor da ideia.
A Cowmed foi fundada em 2010, mas levou seis anos para desenvolver a tecnologia proprietária. No início de 2017, um aporte veio para finalizar o roadmap tecnológico e para colocar o projeto na rua.
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Como funciona a tecnologia
Para "traduzir" esses pensamentos bovinos, a Cowmed criou um colar que monitora variáveis comportamentais, como tempo de descanso e de atividade física a variáveis ligadas À saúde, como ritmo de respiração, batimentos cardíacos e tempo ruminando — todas elas informações vitais para a compreensão do que pode ser feito para melhor atender os animais e, assim, aumentar o nível produtivo.
Com inteligência artificial, o colar "interpreta" o que a vaca quer dizer, e com isso gera uma série de recomendações para o produtor. Entre as ações sanitárias estão:
- identificar com até cinco dias de antecedência quando a vaca pode ficar doente;
- tempo de cio com recomendações para melhorar ciclo reprodutivo das vacas;
Já do lado nutritivo, o colar também avalia os hábitos alimentares e preferências das vacas para que produtor possa definir, entre outras coisas:
- Melhores horários para alimentar o rebanho;
- Frequência para alimentação
Com tudo isso — e apenas atendendo aos "pedidos" das vacas — a produção pode crescer até 20 vezes, segundo o fundador.
Onde está a empresa
Hoje a startup já monitora mais de 35.000 vacas em mais de 400 fazendas, espalhadas em seis países. Além do Brasil, a agritech atua também no Paraguai, Uruguai, Bolívia, Canadá e Estados Unidos.
Recorde de captação
Segundo Martins, a empresa vem dobrando de tamanho nos últimos três anos. E, para acompanhar essa crescente, demanda capital.
A Cowmed acaba de encerrar uma captação via equity crowdfunding, modalidade de investimentos coletivos que funciona como uma pequena "abertura de capital". Pela plataforma Captable, a startup levantou R$ 5,9 milhões, configurando o maior aporte já feito em uma startup nesta modalidade de captação no Brasil.
A escolha por financiar a empresa por meio do crowdfunding ao invés de recorrer a investimentos privados, segundo Martins, esteve baseada em dois pilares principais. O primeiro deles, a ausência de fundos especializados em agronegócio. O segundo, pedidos cada vez mais numerosos de clientes por tornarem-se acionistas da empresa. "Os clientes, os fazendeiros, são apaixonados pela tecnologia e pelo propósito, e muitos deles já haviam dito que viraram acionistas se abríssemos capital. Isso nos incentivou", conta. "Pela fidelização, somos quase uma Apple das vacas".
A rodada teve, ao todo, 547 investidores, entre clientes da Cowmed, apoiadores e também a Cotribá, cooperativa agrícola mais antiga do Brasil. Dos R$ 5,9 milhões aportados na Cowmed, a Cotribá foi responsável por R$ 3 milhões, marcando um novo momento do equity crowdfunding que permite a entrada incisiva de investidores pessoa jurídica em rodadas — até a mudança da regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em julho deste ano, apenas pessoas físicas poderiam ser investidoras.
SegundoMarcelo Felipe Debortoldi, gerente de negócios da Cotribá, o investimento na Cowmed traduz a busca da coopeartiva centenária e com 8.000 associados por mais inovação. Atualmente, a cooperativa já monitora 19 fazendas que utilizam a tecnologia — todos associados. “Ouvir de um produtor que não é possível mais viver sem esse sistema, é algo que nos traz uma diferenciação e que nos aproxima das soluções para melhorar a vida dos associados”, diz.
Na Cotribá, essa busca pela inovação começou ainda em 2019, com a ida de representantes para o Vale do Silício. Dessas excursões, foi criada uma chamada aberta para startups com soluções ligadas ao agro, em workshops que pretendem conectar empreendedores a outros agentes do ecossistema de inovação agrocupecuário — e também da cooperativa.
A Cowmed, no entanto, é o primeiro investimento direto feito em alguma dessas empresas, mas não deve ser o último. “Somos uma empresa centenária, mas sabemos que nos trouxe até aqui podem não nos levar ao futuro", dizDebortoldi.
Agora capitalizada, a Cowmed quer expandir geograficamente. Hoje, a startup monitora cerca de 35.000 vacas, e pretende chegar a 100.000 nos próximos dois anos, também em países onde ainda não atua. “Nosso objetivo é consolidar a Cowmed como a grande empresa de monitoramento de bovinos no mercado brasileiro”, diz Martins.
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