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Apple cede ao criticado cartão de crédito para devolver brilho ao iPhone

Apple Card era aguardado por investidores e representa mais uma entrada das gigantes de tecnologia nos serviços financeiros

Tim Cook, CEO da Apple, na apresentação do cartão de crédito da gigante em Cupertino (Califórnia): Apple havia apostado em carteiras digitais cinco anos antes (Michael Short/Getty Images)

Tim Cook, CEO da Apple, na apresentação do cartão de crédito da gigante em Cupertino (Califórnia): Apple havia apostado em carteiras digitais cinco anos antes (Michael Short/Getty Images)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 27 de março de 2019 às 06h00.

Última atualização em 27 de março de 2019 às 09h23.

A Apple, mais conhecida pelos seus iPhones, não pode mais sobreviver apenas dos celulares inteligentes -- e investiu em um produto do qual zombou faz alguns anos. A empresa anunciou o Apple Card, solução de cartão de crédito físico e virtual que promete matar os plásticos tradicionais pela facilidade de uso, taxas atrativas e segurança de dados.

Em curto prazo, a novidade fortalece a oferta de serviços atrelados ao uso dos celulares inteligentes da marca. Se a Apple decidir investir mais em sua vertical bancária, poderá comer a participação das fintechs, startups que pretendem revolucionar serviços financeiros e que, até pouco tempo, pareciam nadar em um oceano azul.

Para cravar essa vitória de adoção sobre as empresas especializadas nos serviços financeiros, porém, a gigante de tecnologia dependerá da retomada das vendas dos produtos que a levaram aos holofotes: os iPhones.

O que o Apple Card tem?

Por enquanto, o Apple Card estará disponível apenas nos Estados Unidos e chegará no meio deste ano. O cartão de crédito estará virtualmente presente no aplicativo Wallet e também como um plástico.

Como diferenciais financeiros, a gigante afirma que usará aprendizado de máquinas e informações do Apple Maps para categorizar gastos, com relatórios semanais e mensais de gastos e sugestões de pagamentos com os menores juros possíveis. As compras terão 2% de valor devolvido em compras, porcentagem que sobe para 3% na aquisição de produtos Apple. Não haverá taxas em anualidade, transações internacionais e atraso de pagamentos.

Já nos diferenciais de segurança, as transações precisarão de confirmações por escaneamento facial (FaceID) ou impressão biométrica (TouchID). A gigante afirma que os dados serão armazenados de forma anonimizada. Os cartões físicos não terão impressas informações como o código de segurança, dados que ficarão no aplicativo Wallet.

Para Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação Spiralem e diretor do comitê de fintechs na Associação Brasileira de Startup, o movimento é “um passo para o lado” e demonstra atraso para uma empresa tão vanguardista quanto a Apple se propõe a ser. A gigante do comércio eletrônico Amazon lançou há dois anos um cartão de crédito com recompensas em parceria com o banco JPMorgan Chase. Alibaba e Tencent lançaram cartões virtuais de crédito ainda mais cedo, em 2014, mas abandonaram as iniciativas diante da pressão do governo chinês.

A gigante dos iPhones já havia lançado o Apple Pay, sua própria carteira digital, há cinco anos. As e-wallets salvam informações dos usuários e permitem pagamentos instantâneos por meio do uso do smartphone, seja por aplicativos ou por aproximação. Sete a cada dez negócios nos Estados Unidos aceitam o Apple Pay e o serviço chegará a 10 bilhões de transações neste ano. Em países mais adeptos das e-wallets, a taxa sobe para 99%. Mesmo assim, apenas 29,4% dos usuários de iPhone usaram alguma vez o Apple Pay, de acordo com um estudo do site especializado PYMNTS.com.

Oferecer o plástico é uma forma de atrair usuários que ainda não se acostumaram às carteiras digitais. Integrado com o Wallet, o uso frequente do aplicativo para acompanhar gastos poderá promover uma digitalização frequente dos pagamentos dos usuários do iPhone.

“O cartão tira obstáculos de uso e cria mais motivos para as pessoas continuarem a usar o celular, uma preocupação crescente da Apple”, afirma Fabrício Pettená, sócio para a América Latina do Global Founders Capital, fundo que investiu em fintechs como Funding Circle e Revolut e em empresas de tecnologia como Facebook e LinkedIn.

Crise de identidade

Por mais inovador que o cartão de crédito seja, especialmente em suas medidas de proteção de dados, é incomum a Apple se curvar à falta de adaptação dos seus consumidores.

O discurso para anunciar o novo cartão é diferente do visto no lançamento do Apple Pay, quando o presidente Tim Cook afirmou que as pessoas “sonham em substituir há anos” os cartões de crédito. Ele citou problemas como a fricção de uso e a facilidade de perder os plásticos, e a novidade parece resolver apenas o primeiro obstáculo.

Para o site especializado Cult of Mac, o novo cartão de crédito reflete valores de Cook, como acessibilidade, educação e privacidade. Mas, para especialistas, reflete também a pressão de investidores diante das vendas em queda dos seus smartphones. Somente no quarto trimestre de 2018, a Apple registrou uma baixa de 15% nas vendas de seu principal produto, o iPhone, no comparativo com o mesmo período do ano anterior.

"Os investidores olham para competidores de tecnologia, como a Amazon, espalhando serviços. Há uma pressão para que a Apple aproveite sua base de usuários e siga o mesmo movimento. Ela não pode mais viver apenas das vendas do iPhone e precisa lançar novidades para se manter dominante”, diz Diniz.

É inevitável a comparação entre o posicionamento do presidente Tim Cook e o do cofundador Steve Jobs, conhecido por antecipar tendências e falecido em 2011. Para os especialistas, é difícil dizer o que Jobs faria diante deste novo cenário para os celulares inteligentes -- mas faltou a agressividade vista no lançamento do iPhone, em 2007.

Amiga dos bancos, inimiga das fintechs

O Apple Card possui como parceiros o banco Goldman Sachs e a adquirente Mastercard. Por ora, a Apple não quer mergulhar nos aspectos regulatórios do sistema financeiro e permanecerá apenas como provedora da tecnologia, tendo bancos como parceiros. O posicionamento é similar ao da gigante chinesa Alibaba. No lançamento da carteira digital Alipay, o fundador Jack Ma descreveu a empresa como uma "techfin", e não uma fintech.

Por mais que os benefícios financeiros estejam em linha com as ofertas de empresas relevantes no segmento, tanto o tamanho da base de usuários quanto a forma de envelopar e vender o produto pode significar um trunfo da empresa do logo em forma de maçã.

Quem mais pode ser atingido pelo movimento da criadora dos iPhones são as fintechs, que se diferenciam dos grandes bancos e atraem capital e usuários justamente pela usabilidade de suas soluções e pelo investimento em posicionamento inovador de marca. No Brasil, o maior expoente é o Nubank, banco digital avaliado em quatro bilhões de dólares.

Se o Apple Card chegar ao Brasil, pode tornar-se um concorrente do cartão de crédito roxinho. Mas vale lembrar que há um desafio de penetração dos iPhones no Brasil. O sistema operacional iOS está presente em apenas 4,3% dos celulares inteligentes, segundo um estudo da empresa de pesquisas Kantar WorldPanel.

“A Apple precisaria realmente focar no seu cartão para competir. A entrada de uma gigante não significa automaticamente a eliminação da concorrência. Hoje, vejo o Apple Card mais como uma estratégia de experiência complementar ao Apple Pay”, diz Pettená. Por mais expansivo que o anúncio de cartão de crédito pareça, a Apple continua mais tech do que fin.

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