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Setor de cartões tenta esvaziar "solução política"

Na minuta apresentada ao BC, a associação das empresas de cartões se compromete com o fim dos contratos de exclusividade e a maior transparência das tarifas para evitar que o Congresso tome medidas populistas em ano eleitoral

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Dias após o Santander confirmar a parceria com a GetNet, confirmando que o banco se prepara para estrear como o terceiro credenciador de cartões do mercado brasileiro, a autorregulamentação do setor voltou aos holofotes. Quem está envolvido no assunto afirma que o interesse da indústria é elaborar, o mais rápido possível, um conjunto de princípios que regulamente os negócios a partir de julho, quando terminará o contrato de exclusividade entre a Cielo e a Visa. No fundo, o temor de bandeiras, emissores e credenciadores é que a regulamentação venha do Congresso - com todos os possíveis vieses políticos que ela possa incorporar. "Não se pode deixar que uma solução técnica seja preterida por interesses políticos", afirma uma fonte envolvida nas negociações.

Desde o primeiro semestre do ano passado, os parlamentares discutem a necessidade de criar regras para a indústria de cartões. Em uma comissão parlamentar que analisou os impactos da crise mundial sobre o Brasil, por exemplo, o ex-ministro da Fazenda e atual deputado federal Antonio Palocci defendeu uma regulamentação específica para o setor. Isto porque o sistema financeiro ainda é regido por uma lei de 1964, que já não cobre todo o desenvolvimento do setor, como o surgimento dos cartões.

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Para evitar que os políticos tomem para si a tarefa de disciplinar o setor, a Abecs se dispôs a assumir a responsabilidade de regulamentar, vigiar e, eventualmente, punir a indústria de cartões. Essa disposição consta na proposta de autorregulamentação enviada em dezembro ao Banco Central, à Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, e à Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça. O documento trata dos cinco pontos levantados pelo comunicado que o BC publicou no início de outubro: fim da exclusividade para os credenciadores; interoperabilidade dos terminais e das redes; neutralidade nas atividades de compensação e liquidação; a criação de um cartão de débito nacional; e maior transparência nas tarifas.

Conselho próprio

Na prática, a minuta da autorregulamentação propõe que a Abecs assuma três dessas responsabilidades: zelar para que não haja esquemas de exclusividade nos contratos, promover a interoperabilidade e a maior transparência das tarifas. Para tanto, a Abecs propõe o fortalecimento de seu conselho de ética e autorregulação. Criado em dezembro de 2008, o conselho dedica-se atualmente a fiscalizar as relações entre as empresas e os consumidores finais. O código de ética da entidade, um documento de 33 páginas, prioriza, sobretudo, a promoção dos direitos e deveres dos consumidores - os portadores de cartões, por exemplo, devem ter amplo acesso a serviços de atendimento, seja telefônico, por internet ou qualquer outro. (Continua)


A proposta da Abecs é que este código de conduta seja ampliado para tratar também das relações entre os elos da própria indústria. Sua aplicação continuaria a cargo do conselho de ética, hoje composto por até 13 membros, eleitos pelos associados da entidade, e com mandato de dois anos. As eventuais infrações seriam investigadas por comitês disciplinares. Atualmente, as punições previstas pela Abecs a quem desrespeita o código variam desde a determinação para que o envolvido mude suas práticas de operação até a aplicação de multas e a suspensão ou expulsão da empresa dos quadros da Abecs. Caso a autorregulamentação seja aprovada pelo governo, o espírito das penalidades previstas será o mesmo.

Propostas

Em um ano eleitoral, a indústria teme que a regulamentação dos cartões sirva de bandeira para políticos interessados em se promover. Por isso, na avaliação dos envolvidos nas conversas com as autoridades de Brasília, a Abecs acabou apresentando uma minuta mais flexível do que seria necessário.

A proposta estabelece que as bandeiras de cartão de crédito e seus emissores não poderão adotar nenhum tipo de discriminação no fechamento de contratos com os credenciadores. Na prática, isso significa que eles não poderão assinar acordos de exclusividade. O documento procura não interferir nas práticas de livre mercado, como eventuais preços e tarifas diferenciados que uma bandeira possa oferecer ao credenciador ou ao lojista.

O texto assinala ainda a disposição da indústria a tornar mais transparente os custos de cada operação. A idéia é chegar a um padrão para decompô-los e divulgá-los, a fim de que sejam comparáveis pelos lojistas e pelos demais elos do setor. O precedente foi o que ocorreu com o sistema bancário em 2008. Na época, o BC publicou a resolução Nº 3.581, padronizando as tarifas do setor e a forma de divulgação. Da mesma forma, o setor também admite que a autorregulamentação talvez não seja suficiente, e que algumas normas precisem ser editadas pelo BC ou pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). (Continua)


Royalties

O documento também apóia a criação de cartões nacionais de débito. “Não faz sentido pagar royalties para bandeiras estrangeiras em operações de débito no Brasil”, afirma uma fonte a par da autorregulamentação. O apoio da Abecs, no entanto, é apenas formal, pois a entidade não teria força - e nem seria o seu papel - para articular a criação de um plástico nacional. Caberia aos bancos brasileiros essa tarefa. Neste ponto, ainda não se sabe qual modelo será seguido. Em alguns países, como a França, existe um único cartão de débito nacional, mantido por todos os bancos. Mas os observadores acreditam que o Brasil tende a caminhar para o modelo espanhol, onde grupos de bancos de aglutinam em torno de bandeiras próprias de débito.

A minuta também aprova a idéia de que as operações de compensação e liquidação das operações sejam feitas por um organismo independente, mas não indica nenhuma proposta concreta. Uma das candidatas seria a Câmara Interbancária de Pagamento (CIP), da Febraban. Este, porém, é um ponto que ainda não está fechado. O documento apenas pede mais prazo às autoridades para que a indústria encontre a melhor solução.

A expectativa dos envolvidos é que a autorregulamentação seja debatida pelo BC, SEAE e SDE ainda no primeiro trimestre. “O setor está dando bem mais do que o BC sugeriu”, diz um dos negociadores. A esperança da indústria é de que isso aplaque o apetite dos políticos e os convença de que o setor pode andar sozinho.

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