Quanto vale a visão de longo prazo?
David Cohen Um dos debates mais persistentes na gestão de empresas é do investimento de curto prazo contra o de longo prazo. Com exceção da famosa frase do economista John Maynard Keynes (“no longo prazo estaremos todos mortos”), nossa tendência é olhar com melhores olhos as ações de longo prazo. Elas carregam a noção de […]
Da Redação
Publicado em 13 de fevereiro de 2017 às 11h48.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.
David Cohen
Um dos debates mais persistentes na gestão de empresas é do investimento de curto prazo contra o de longo prazo. Com exceção da famosa frase do economista John Maynard Keynes (“no longo prazo estaremos todos mortos”), nossa tendência é olhar com melhores olhos as ações de longo prazo. Elas carregam a noção de sustentabilidade, temperança, visão de futuro – em oposição à pressa e à ganância mais associadas à visão de curto prazo.
(A própria frase de Keynes é frequentemente mal interpretada. Em sua citação original, em 1923, ele não queria dizer que não devemos nos preocupar com o futuro, e sim que não devemos acreditar que tudo vai se resolver pelos ciclos naturais da economia: era preciso agir no curto prazo contra a crise.)
Pois agora um estudo afirma ter conseguido demonstrar que, efetivamente, administrar com vistas ao longo prazo dá mais lucro, mais receita, mais empregos, mais tudo. Seria o primeiro golpe acadêmico no “curto-prazismo”, ou o que se convencionou chamar de miopia dos investidores.
O estudo, divulgado no dia 7 de fevereiro na Harvard Business Review, foi feito pela McKinsey Global Institute, o braço de pesquisas da consultoria de mesmo nome, em conjunto com a Focusing Capital on the Long Term (FCLT), uma organização criada no ano passado pela McKinsey, pelo conselho do fundo de pensões do Canadá e alguns outros investidores e companhias para promover o que seu nome diz, focar o capital no longo prazo.
Os pesquisadores – Dominic Barton e James Manyika, da McKinsey, e Sarah Keohane Williamson, da FCLT – afirmam que os resultados são acachapantes. Entre 2001 e 2014, datas analisadas por eles, a receita das empresas identificadas como “de pensamento de longo prazo”cresceu em média 47% a mais do que nas outras companhias. Os lucros foram 36% maiores. Elas acrescentaram ao mercado quase 12.000 empregos a mais, em média. E o preço de suas ações subiu em média 7 bilhões de dólares a mais que no outro grupo.
As conclusões lembram o “teste do marshmallow”, um dos estudos mais famosos das ciências sociais. Na década de 1970, pesquisadores ofereceram o doce a crianças de quatro anos e disseram que, se aguentassem ficar sem comê-lo até que o entrevistador voltasse à sala, ganhariam mais um. Anos mais tarde, verificaram que as crianças que demonstraram maior auto-controle (um equivalente psicológico da visão de longo prazo) tiveram notas melhores e menos problemas sociais.
Para os adeptos da crítica ao “curto-prazismo” das empresas, os resultados são apenas a consequência lógica do que pregam: pressionadas pelas exigências de apresentar resultados trimestrais ao mercado financeiro, muitas empresas adiam investimentos ou despesas operacionais, sacrificando o desempenho futuro em prol dos resultados imediatos.
Esta seria uma das principais razões para a economia não ir tão bem quanto deveria. A McKinsey deu até um número. Se todas as companhias que operam nos Estados Unidos tivessem seguido o exemplo (e o desempenho) das empresas com visão de longo prazo de sua amostra, o PIB americano da última década teria crescido 1 trilhão de dólares a mais, e gerado mais de 5 milhões de empregos adicionais.
No longo prazo estaremos todos ricos?
O problema é que o estudo não é assim tão convincente. A dificuldade inicial – e o principal motivo pelo qual não há muitos estudos sobre o tema – é que “pensamento de curto prazo” é um atributo difícil de medir. Os pesquisadores criaram então uma metodologia para aferir se uma companhia é mais ou menos voltada para resultados de longo prazo.
As premissas fazem sentido: que as empresas de longo prazo investem mais e mais consistentemente na construção de ativos (os gastos de capital, ou capex); que seu lucros têm mais correlação com o fluxo de caixa do que com decisões contábeis; que suas margens de lucro crescem na medida de suas receitas (sem “espremer” a empresa); que elas têm mais foco no aumento do lucro real do que no aumento do lucro por ação (este pode ser influenciado por iniciativas como a recompra de ações, que diminui o número de ações no mercado e portanto aumenta o valor de cada uma); que elas têm mais probabilidade de não atingir as previsões trimestrais por pouco (indicando que não forçaram a barra para fazer o número) e menos probabilidade de bater as previsões trimestrais por pouco.
Com essas premissas, os pesquisadores encontraram um grupo de “longo termo” de 164 companhias (27% do total da amostra), que sempre tiveram essa visão ou a adquiriram ao longo do período considerado, e um grupo de comparação de 451 empresas (73% da amostra).
O método soa científico, mas não é. Ele inclui uma espécie de raciocínio circular: se as premissas separam, por exemplo, empresas que focam mais nos lucros reais do que nos lucros por ação, é de se esperar que, ao final da análise, elas tenham lucros reais maiores (os “truques” contábeis, no longo prazo, tendem a ter efeito arrefecido).
Para o jornalista econômico Robert Samuelson, colunista do The Washington Post, “a maior falha do estudo é que ele confunde diferenças entre as indústrias, especialmente se são novas e crescem rapidamente ou maduras e crescem devagar, com diferenças na gestão”. Por isso, o estudo conclui que as indústrias de capital intelectual intensivo, como a de software ou biotecnologia, estão entre as de mais longo prazo, enquanto as químicas e de automóveis estão entre as de mais curto prazo.
O economista Larry Summers, ex-secretário do Tesouro do governo Clinton, escreveu em seu blog no Financial Times que a metodologia do estudo faz sentido. Mas nota que correlação não é causalidade. “Algumas companhias têm grandes ideias, equipes ótimas e estratégias convincentes. Elas investem pesadamente, buscam o crescimento, não fazem muitas compras de ações. São os critérios que a McKinsey usa para medir o ‘longo-prazismo’.”
Segundo Summers, não é surpresa que as empresas do grupo de longo prazo se deem melhor. Mas isso pode ser por causa de sua visão e sua capacidade de realização, não por seu foco no longo prazo. Ou seja, a relação pode ser inversa: elas apostam no longo prazo porque têm projetos bons e equipes capazes. Companhias medíocres que tentarem imitá-las não vão se dar bem. “Não vejo nenhuma base nos resultados da McKinsey para dizer que as companhias deveriam estender seus horizontes.”
As vantagens do curto prazo
Pois é exatamente isso que os pesquisadores da McKinsey propõem: alongar o escopo dos investimentos, repensar as relações com investidores, remodelar os conselhos de administração. A prova de que isso funciona, dizem eles, é que 14% das empresas não começaram com visão de longo prazo, mas entraram no grupo ao longo do período estudado.
A grande questão é: se os resultados das estratégias de longo prazo são assim tão fulgurantes, por que tão poucas empresas adotam essa visão? Claro, pode-se dizer – como disseram os autores do estudo da McKinsey – que não havia “até agora” dados suficientes para quantificar as vantagens de uma gestão que pensa no longo prazo.
Mas os argumentos estão aí há anos, e também os exemplos bem-sucedidos de companhias que se comprometem com uma visão de futuro. É quase tautológico, aliás, que planejar e agir de acordo com os planos de longo prazo dê melhores resultados no longo prazo.
E, no entanto, a tendência que se percebe é quase a oposta. Segundo pesquisas da FCLT, 61% dos executivos e diretores dizem que cortariam gastos discricionários para evitar o risco de não atingir as previsões de lucro do mercado; 47% dizem que nessas condições adiariam o início de um novo projeto, mesmo se isso representasse uma potencial diminuição no valor da companhia.
Ainda segundo a FCLT, 65% dos executivos de grandes empresas abertas dizem que a pressão por resultados de curto prazo que eles sofrem aumentou nos últimos cinco anos. O “curto-prazismo” é visível, diz o artigo da McKinsey, nos níveis recordes de recompra de ações e nos pífios montantes de novos investimentos que se vê hoje. A explicação dos “longo-prazistas” é que a pressão é grande demais, que a tentação de colher resultados agora, ainda que menores, é também grande demais. E isso provoca a tal miopia do mercado.
Mas muita gente não aceita essa argumentação. Um estudo de Richard Thakor, professor assistente de finanças da Carlson School, da Universidade de Minnesota, cria um modelo com base na teoria dos jogos para concluir que o curto-prazismo é uma estratégia racional, ante o problema de agência existente entre acionistas e executivos.
Simplificando: gestores tendem a preferir projetos de longo prazo, porque a) prometem retorno melhor, e b) eles não têm de prestar contas aos acionistas tão amiúde. Já os acionistas querem ganhos maiores, é claro, mas não sabem se podem confiar na competência do executivo. Por isso tendem a exigir prazos menores para mostrar resultados.
Essa perspectiva explica por que a evolução da governança corporativa está ligada ao “curto-prazismo”. Para vigiar de forma eficiente a administração, as metas devem ser de prazo mais curto. Por isso também o “curto-prazismo” é mais comum entre os escalões com menos autonomia dentro de uma empresa.
De acordo com Thakor, encurtar os prazos tem uma dupla vantagem para os acionistas. Primeiro, limita a gastança dos executivos. Projetos ruins são revelados e podem ser cortados mais rapidamente. Em segundo lugar, projetos com prazos menores permitem aprender mais rapidamente sobre a qualidade de seus gestores.
Nesses dois sentidos, o “curto-prazismo” pode ser uma estratégia que preserva valor, em vez de destruí-lo. Trata-se da “segunda melhor opção” dos acionistas, preferível quando a primeira – conhecer a capacidade e os interesses de seu agente – não está disponível. Ele não argumenta que a prática seja recomendável sempre, mas considera que em algum nível ela reduz os custos de agência (o potencial conflito de interesses entre o dono e seu preposto) e beneficia os acionistas.
Como diz Larry Summers, há muitas histórias sugerindo que as pressões para entregar lucros trimestrais prejudicam os investimentos. “Por outro lado, parte do que é feito em nome do longo prazo pode ser lixo não monitorado.”