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Os herdeiros vão à escola

Parentes que não querem ser serpentes de suas empresas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Formada em administração de empresas, a mineira Angela Gutierrez, filha de um dos três fundadores da construtora Andrade Gutierrez, preferiu enveredar pela área das artes. Ex-secretária da Cultura de Minas Gerais, Angela, uma colecionadora de peças barrocas, fundou o Museu do Oratório e o Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte. Também criou e preside o Instituto Cultural Flávio Gutierrez, batizado com o nome de seu pai. Sem planos de trabalhar na empresa da família, Angela e outros sete herdeiros da Andrade Gutierrez participaram do programa Parceria para o Desenvolvimento de Acionistas (PDA), da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. É um programa de dois anos, estendido a pedido dos participantes. "Foi importante para que os filhos e os netos dos fundadores percebessem que há vários caminhos para o acionista fora da empresa", diz Angela. "Também nos conscientizamos da necessidade de uma estrutura familiar coesa para que possamos manter e ampliar o capital."

São conclusões que podem parecer acacianas -- mas, na prática, exigem esforço e disciplina dos acionistas para ser aplicadas às empresas familiares, lugares onde razão e emoção raramente convivem em harmonia. "Fazer a separação entre família, propriedade e empresa é a base de sustentação dessas empresas", afirma Elismar Álvares da Silva Campos, gerente de projetos e professora da Fundação Dom Cabral. O programa, que vem sendo conduzido desde 1999, foi estendido a São Paulo neste ano, sob a coordenação do empresário Roberto Faldini. Conhecedor dos pontos nevrálgicos das empresas familiares, Faldini é ex-acionista da Metal Leve, onde trabalhou por 20 anos, vivenciando os impasses societários da empresa que, até ser vendida à alemã Mahle, em 1996, era controlada por representantes de seis famílias de fundadores. Segundo Faldini, para se preparar para ser um acionista relevante, não basta ao herdeiro assistir a palestras e seminários esporádicos. O programa da Fundação Dom Cabral reúne especialistas brasileiros e internacionais nas áreas de relações humanas, tributária, governança corporativa, liderança e gestão. Durante dois anos, os alunos também são convidados a ouvir depoimentos de empresários que enfrentaram o momento crucial da passagem de bastão de seus negócios. Outra peculiaridade do PDA é abrigar, simultaneamente, herdeiros de diferentes famílias. "À primeira vista, pode soar como quebra de confidencialidade", diz Faldini. "Mas, na realidade, isso representa um enriquecimento, uma vez que as questões que se apresentam às famílias são muito semelhantes." Problemas específicos são trabalhados fora das sessões coletivas. Doze integrantes das famílias Amato e Sacca, principais controladores da Springer S.A. (holding com participações em empresas como Springer Carrier, Metalúrgica Liess e Plastwal), formam a primeira turma paulistana do PDA -- entre eles Walter Sacca, presidente da Springer S.A. Bastaram seis meses de aulas para que, segundo Sacca, se tornassem visíveis as mudanças de ponto de vista. "Passa-se a encarar os questionamentos dos acionistas não mais como críticas ou agressões", afirma Sacca. "Silêncios desagregadores se transformam em um diálogo valioso." Os temas abordados em cursos como o da Dom Cabral são diversificados. Vão da responsabilidade social e governança corporativa a tópicos técnicos, como direito societário, formação de conselhos, fontes de financiamento e planejamento tributário.

O empresário Eduardo Capobianco, vice-presidente da Construcap Engenharia, participou no ano passado do seminário de Formação do Acionista da Empresa Nacional, promovido pela Bernhoeft Consultoria e a Bovespa. O consultor Renato Bernhoeft, que desde 1993 organiza cursos voltados para herdeiros e nos últimos três anos passou a promovê-los em parceria com a Bovespa, ressalta que nem sempre os herdeiros têm consciência de suas obrigações e deveres. "Herdeiro não vai ser dono, mas sócio", afirma Bernhoeft. "Quem tem sócio tem patrão e deve saber prestar contas." No caso de Capobianco, a decisão de freqüentar o curso deveu-se ao processo de sucessão, que não é recente. Há dez anos, ele, o pai, Júlio Capobianco, fundador da empresa, e outros dois irmãos, Roberto e Júlio, que ocupam cargos de direção e também participaram do curso no ano passado, começaram a fazer terapia em grupo, justamente para discutir a relação família-trabalho. Algum tempo depois, os outros irmãos e irmãs (são sete herdeiros no total) também se juntaram à análise. Os encontros, promovidos durante cinco anos, eram semanais, com quase 4 horas de duração. "O sangue rolava", conta Eduardo. Segundo ele, a terapia permitiu que vários temas espinhosos fossem discutidos nessas sessões, evitando-se assim que contaminassem o ambiente de trabalho. Ainda neste semestre, alguns dos temas vistos no curso, como formação de conselhos e acordos de acionistas, devem ser analisados com mais atenção pelo executivo. "Vou me dedicar à criação de um regime societário para nossa empresa", diz Capobianco.

Os cursos voltados para herdeiros também são uma oportunidade para que os acionistas se conheçam melhor. Isso é válido especialmente para herdeiros de empresas centenárias, como a companhia têxtil Cedro Cachoeira. Com cinco fábricas em Minas Gerais, fundada por três irmãos há 130 anos, a Cedro Cachoeira está sob o comando da sexta geração da família. Hoje são sete grupos familiares compostos de cerca de 200 pessoas. "Com tanta gente, chega a ser natural haver fortes divergências", afirma Estevan Magalhães, um dos herdeiros que, desde 1997, representa um dos grupos familiares no acordo de acionistas. Desde o ano passado, 17 herdeiros da empresa (seis atuais acionistas e 11 da futura geração) estão participando do curso da Fundação Dom Cabral. A faixa etária varia de 25 a 70 anos. Segundo Magalhães, está sendo uma oportunidade de os atuais executivos manterem contato com possíveis sucessores. O contato com membros de outras empresas familiares também é apontado por Magalhães como enriquecedor.

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