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O que querem os portugueses

Qual o significado da entrada da TAP na interminável novela do salvamento da Varig

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Depois das soluções milagrosas e das especulações estapafúrdias que cercaram as negociações para tentar salvar a Varig nas últimas semanas, a Fundação Rubem Berta, controladora da empresa, apresentou, em maio, um fato concreto. Trata-se de um memorando de intenções de investimento assinado com a empresa aérea portuguesa TAP, presidida pelo brasileiro Fernando Pinto, ex-presidente da Varig. De acordo com o que foi divulgado, a TAP se dispõe a adquirir 20% do capital da companhia brasileira desde que a Fundação Rubem Berta abra mão de seu controle. O anúncio veio dias depois de uma radical mudança no comando da Varig. Os controladores demitiram o presidente, Carlos Luiz Martins, e contrataram no mercado uma lista de executivos, liderados por David Zylbersztajn, que assumiu a presidência do conselho de administração. Entre os novos executivos estão Henrique Neves, Omar Carneiro da Cunha e Eleazar de Carvalho. A posse do novo grupo tem uma explicação simples. Há tempos a fundação já tinha perdido os últimos vestígios de credibilidade com o governo -- principal credor da Varig e fiador necessário de qualquer plano de salvação da empresa. O descrédito era tão grande que a instância máxima da fundação, o Colé gio Deliberante, vinha sendo chamada no mercado de "Colégio Delirante". "Ou se consegue dar um choque de credibilidade na empresa, ou então nada vai dar certo", diz Zylbersztajn, que foi presidente da Agência Nacional do Petróleo no governo Fernando Henrique Cardoso.

Mesmo sendo considerado um avanço num cenário antes marcado pela ausência absoluta de fatos palpáveis, a assinatura do acordo com a TAP é vista por especialistas, concorrentes e representantes do governo com indisfarçado ceticismo. "Esse é apenas mais um factóide da Varig, uma cortina de fumaça para ganhar tempo e esconder seus problemas imediatos", diz o executivo de uma concorrente. Nas últimas semanas, a situação da empresa tem se deteriorado em ritmo acelerado. Em abril, a Varig foi ultrapassada pela Gol no mercado de vôos domésticos. Está hoje na terceira posição, atrás ainda da TAM. A situação do caixa é tão ruim que a ILFC, uma das maiores empresas de leasing do mundo, ameaçou recentemente tomar de volta 12 aviões por falta de pagamento. Com dificuldades graves no curto prazo, o anúncio do acordo com a TAP é considerado uma cartada da nova administração para mostrar seriedade, conseguir alguma boa vontade dos credores -- que se traduziria em prazos amigáveis para pagamento das dívidas com as estatais BR Distribuidora e Infraero -- e, com isso, manter a empresa operando enquanto a solução definitiva não é encontrada. A margem de manobra, no entanto, é pequena. As estatais não podem protelar indefinidamente os pagamentos da Varig, sob risco de sofrer sanções do Tribunal de Contas da União. O sucesso da operação dependerá, em resumo, da vontade do governo de atender às demandas de seus novos executivos.

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A Tap depois da reforma
A evolução dos números da empresa sob o comando do brasileiro
Fernando Pinto (em euros)
2000
2004
Faturamento
1,1 bilhão
1,4 bilhão
Resultado
-122 milhões
8,7 milhões
Dívida
947 milhões
648 milhões
Funcionários
8 828
5 683

Não se discute que o nível das negociações mudou substantivamente com a oficialização do interesse da TAP. "Quem está olhando para a Varig hoje sabe que há pessoas confiáveis por trás do negócio", diz Zylbersztajn. Antes da TAP, o português que mais se destacava na lista de interlocutores da Fundação Rubem Berta era o dono de um cibercafé no Panamá que afirmava representar investidores supostamente dispostos a enterrar 1 bilhão de reais na Varig. Agora que o interesse da TAP se concretizou, resta a pergunta: o que levaria uma estatal portuguesa, prestes a ser privatizada, a investir numa empresa com tantos problemas financeiros e operacionais? De acordo com especialistas em aviação, um dos principais motivos é a importância que o mercado brasileiro ganhou para a companhia nos últimos anos. Em 2004, 22% das receitas da TAP vieram dos 39 vôos semanais que a empresa opera para o Brasil. "Se esse acordo for concretizado, é muito provável que a Varig deixe de voar para Lisboa, e talvez para Madri, deixando espaço livre para a TAP em seus mercados principais", afirma um consultor especializado no setor. "Isso traria grandes benefícios para os portugueses."

O brasileiro Fernando Pinto, executivo da TAP que lidera as negociações, vive uma situação curiosa: negocia a entrada no bloco de controle da empresa que o demitiu, cinco anos atrás, depois de desentendimentos com os conselheiros da fundação. "Ele é muito vaidoso, e voltar a mandar na Varig lhe faria muito bem", diz um exe cutivo do setor. No mesmo ano em que deixou o comando da Varig, Fernando Pinto foi convidado para liderar a TAP. E ganhou fama de bom administrador ao conduzir uma reviravolta na gestão da empresa. Quando assumiu, a situação das finanças da companhia portuguesa era crítica. Ela operava no vermelho havia três décadas e estava para ser vendida para a Swissair, mas a companhia suíça quebrou pouco antes da concretização do negócio. Em 2000, com dívidas de quase 1 bilhão de euros, prejuízos de 122 milhões, 15 sindicatos raivosos no seu encalço e uma greve em andamento, a TAP estava à beira da falência. Em quatro anos, Fernando Pinto operou uma virada nos números da companhia. O quadro de funcionários foi enxugado em 35%, a dívida diminuiu para 648 milhões de euros e a empresa voltou ao lucro em 2003 e no ano seguinte o resultado foi de 8,7 milhões de euros. Mesmo com os bons resultados, ele não viveu um período de calmaria no comando da TAP. Disputas políticas quase fizeram com que perdes se o cargo. Seu contrato expira no próximo mês de junho, o que levou muitos a especular que a investida na Varig é uma tentativa de consolidar um novo destino profissional. Procurado por EXAME, Fernando Pinto não deu entrevista.

Em abril, a fatia da Varig no mercado doméstico baixou para 27,6% colocando-a
em terceiro lugar, atrás de Gol e Tam
Fonte: DAC

É unanimidade, mesmo entre os novos conselheiros da Varig, que o memorando preliminar assinado com a TAP não é a tábua de salvação da maior empresa brasileira de aviação. As dívidas são estimadas em até 9,5 bilhões de reais. A TAP, que faturou 1,4 bilhão de euros em 2004, tem metade do tamanho da empresa brasileira. E não há sinais de que o governo português esteja disposto a investir grandes somas na associação com a Varig. Uma mostra de que a TAP não tem dinheiro sobrando é o prejuízo de 29,4 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano. O desafio à frente dos executivos da Varig, portanto, continua igualmente complexo. Calcula-se que são precisos 800 milhões de reais para começar a remodelar a estrutura arcaica da empresa. Mais de 100 funcionários têm autorização para emitir bilhetes gratuitos, a seu bel-prazer. Uma reestruturação da Varig passa, necessariamente, por um choque de gestão. "Esperamos ter convencido o governo a nos conceder condições mais favoráveis para o pagamento das dívidas", diz Zylbersztajn. "Ninguém nos prometeu nada, mas essa é a nossa expectativa."

Com reportagem de Suzana Naiditch e Gustavo Paul

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