O que a Siemens faz para (tentar) evitar fraudes na empresa
Depois de precisar trocar seu comando global devido a casos de corrupção, a empresa decidiu investir em um programa compliance. Foi aí que o cartel veio à tona
Luísa Melo
Publicado em 6 de setembro de 2016 às 17h42.
São Paulo - Ainda amargando as consequências de o envolvimento de seus executivos na formação de um cartel e fraude na licitação de metrôs e trens de São Paulo ter se tornado público, a Siemens do Brasil diz confiar que não há outros casos de corrupção encobertos na empresa.
"A Siemens tem meio milhão de funcionários no mundo. Não dá pra saber tudo que acontece, mas tendo em vista a extensão e profundidade das investigações que o pessoal já fez, podemos dizer que não houve mais nada", disse Fábio Selhorst, vice-presidente da companhia, durante o Fórum de Departamentos Jurídicos, promovido pela Gestão Jurídica Empresarial (Gejur), na terça-feira.
As averiguações a que Selhorst se refere fazem parte do robusto programa de compliance adotado pela Siemens depois que escândalos levaram à queda de seu então CEO global, Klaus Kleinfeld, em 2007. As irregularidades eram referentes a pagamentos de propina por parte de executivos da empresa em diversos países. Na época, mais de 200 pessoas foram demitidas.
Na subsidiária brasileira da companhia, o sistema entrou em vigor, com a estrutura que tem atualmente, em março de 2008. Desde então, aproximadamente 300 investigações foram conduzidas pela equipe de compliance (que não aborda questões referentes a departamentos que têm governanças próprias, como o de recursos humanos).
Desse total, cerca de 30% a 40% eram procedentes, de acordo com Wagner Giovanini, diretor de Compliance da Siemens para a América do Sul. O caso do cartel é um deles e foi delatado pela própria empresa às autoridades brasileiras. Na segunda-feira, o Ministério Público estadual de São Paulo denunciou 30 executivos de 12 empresas por envolvimento no esquema. Doze deles eram da Siemens.
Tolerância zero
Depois de definidas novas políticas, procedimentos e mecanismos de controle a possíveis atitudes ilícitas, a Siemens instituiu o seu sistema de compliance. Dos esforços dedicados ao programa, aproximadamente 90% referem-se à prevenção dos atos de corrupção, segundo Giovanini. Para tal, as diretrizes e regras da empresa são informadas aos funcionários já na chegada. "Não tem chance de alguém não cumprir 100% (do que é determinado). Ou cumpre, ou sai", disse.
A comunicação interna é feita por meio de gibis, e-mail semanais com simulações de casos e uma gincana de compliance online que teve uma adesão voluntária de 2,4 mil funcionários da companhia. Ao todo, eles são cerca de 10 mil. Já os treinamentos, que abragem toda a equipe da empresa, contam com provas para certificar se o conhecimento foi absorvido e está sendo colocado em prática.
Se nada disso funcionar, a Siemens conta com algumas ferramentas para identificar suspeitas de irregularidades. O "coração" desse "sitema de detecção" é o canal de denúncia. Para que ele seja eficiente, a empresa diz que é preciso mais do que manter um e-mail e número de telefone para relatos anônimos. Assim, ela diz ter construído uma ponte com os funcionários para que eles se sintam confiantes em procurar o time de compliance pessoalmente.
Feitas as denúncias, começam as investigações. Dependendo de alguns fatores, como o índice de risco que o ato ilícito traz para a companhia e o nível na hierarquia dos funcionários envolvidos, a averiguação é local (feita pela subsidiária brasileira) ou central (feita globalmente, em especial na Alemanha). "Problemas com licitação pública, corrupção de agentes públicos ou que envolvem pessoas da diretoria para cima, são tratados como centrais para que não haja conflito de interesses", explica Giovanini.
Segundo Fábio Selhorst, o grupo de profissionais que comanda as investigações globais é linha dura. Ele é composto de cerca de 35 pessoas com experiência anterior em órgãos como o FBI, a Interpol, o serviço de inteligência australiano e a polícia alemã. "Um deles tem 26 anos de FBI. Ele sabe quando a pessoa está mentindo", assegura.
Comprovada a irregularidade, a Siemens aplica aos responsáveis punições que podem ir de medidas disciplinares a demissão e denúncia à polícia. Tudo depende da gravidade do problema e da posição dos infratores na hierarquia da empresa—quanto mais alta ela for, mais fortes são as consequências.
Investigações que envolvem outras companhias e dependem de dados sigilosos como os bancários e de telefonia, por exemplo, são repassadas pela empresa aos órgãos competentes. Foi o que aconteceu com o cartel.
Sem arrependimentos
Apesar de a revelação do caso ter manchado a reputação da Siemens e ter provocado um jejum de cinco anos sem disputar licitações públicas, determinado pela Justiça Federal, Fábio Selhorst garante que a companhia não está arrependida da atitude que tomou.
"Não esperávamos o vazamento do acordo de leniência (firmado com o Cade). Mas faríamos (a denúncia) de novo", disse. O executivo também afirmou que a tendência é que outras organizações sigam o mesmo caminho, chamando a atenção para a Lei Anticorrupção —criada em resposta às manistações de junho de 2013 e em vigor desde janeiro.
"A Siemens hoje, apesar de ter um legado de que a gente não se orgulha, entende que a sociedade não está mais disposta a tolerar irregularidades. A empresa que daqui para frente não for íntegra, não for ética, não vai ficar no mercado".
São Paulo - Ainda amargando as consequências de o envolvimento de seus executivos na formação de um cartel e fraude na licitação de metrôs e trens de São Paulo ter se tornado público, a Siemens do Brasil diz confiar que não há outros casos de corrupção encobertos na empresa.
"A Siemens tem meio milhão de funcionários no mundo. Não dá pra saber tudo que acontece, mas tendo em vista a extensão e profundidade das investigações que o pessoal já fez, podemos dizer que não houve mais nada", disse Fábio Selhorst, vice-presidente da companhia, durante o Fórum de Departamentos Jurídicos, promovido pela Gestão Jurídica Empresarial (Gejur), na terça-feira.
As averiguações a que Selhorst se refere fazem parte do robusto programa de compliance adotado pela Siemens depois que escândalos levaram à queda de seu então CEO global, Klaus Kleinfeld, em 2007. As irregularidades eram referentes a pagamentos de propina por parte de executivos da empresa em diversos países. Na época, mais de 200 pessoas foram demitidas.
Na subsidiária brasileira da companhia, o sistema entrou em vigor, com a estrutura que tem atualmente, em março de 2008. Desde então, aproximadamente 300 investigações foram conduzidas pela equipe de compliance (que não aborda questões referentes a departamentos que têm governanças próprias, como o de recursos humanos).
Desse total, cerca de 30% a 40% eram procedentes, de acordo com Wagner Giovanini, diretor de Compliance da Siemens para a América do Sul. O caso do cartel é um deles e foi delatado pela própria empresa às autoridades brasileiras. Na segunda-feira, o Ministério Público estadual de São Paulo denunciou 30 executivos de 12 empresas por envolvimento no esquema. Doze deles eram da Siemens.
Tolerância zero
Depois de definidas novas políticas, procedimentos e mecanismos de controle a possíveis atitudes ilícitas, a Siemens instituiu o seu sistema de compliance. Dos esforços dedicados ao programa, aproximadamente 90% referem-se à prevenção dos atos de corrupção, segundo Giovanini. Para tal, as diretrizes e regras da empresa são informadas aos funcionários já na chegada. "Não tem chance de alguém não cumprir 100% (do que é determinado). Ou cumpre, ou sai", disse.
A comunicação interna é feita por meio de gibis, e-mail semanais com simulações de casos e uma gincana de compliance online que teve uma adesão voluntária de 2,4 mil funcionários da companhia. Ao todo, eles são cerca de 10 mil. Já os treinamentos, que abragem toda a equipe da empresa, contam com provas para certificar se o conhecimento foi absorvido e está sendo colocado em prática.
Se nada disso funcionar, a Siemens conta com algumas ferramentas para identificar suspeitas de irregularidades. O "coração" desse "sitema de detecção" é o canal de denúncia. Para que ele seja eficiente, a empresa diz que é preciso mais do que manter um e-mail e número de telefone para relatos anônimos. Assim, ela diz ter construído uma ponte com os funcionários para que eles se sintam confiantes em procurar o time de compliance pessoalmente.
Feitas as denúncias, começam as investigações. Dependendo de alguns fatores, como o índice de risco que o ato ilícito traz para a companhia e o nível na hierarquia dos funcionários envolvidos, a averiguação é local (feita pela subsidiária brasileira) ou central (feita globalmente, em especial na Alemanha). "Problemas com licitação pública, corrupção de agentes públicos ou que envolvem pessoas da diretoria para cima, são tratados como centrais para que não haja conflito de interesses", explica Giovanini.
Segundo Fábio Selhorst, o grupo de profissionais que comanda as investigações globais é linha dura. Ele é composto de cerca de 35 pessoas com experiência anterior em órgãos como o FBI, a Interpol, o serviço de inteligência australiano e a polícia alemã. "Um deles tem 26 anos de FBI. Ele sabe quando a pessoa está mentindo", assegura.
Comprovada a irregularidade, a Siemens aplica aos responsáveis punições que podem ir de medidas disciplinares a demissão e denúncia à polícia. Tudo depende da gravidade do problema e da posição dos infratores na hierarquia da empresa—quanto mais alta ela for, mais fortes são as consequências.
Investigações que envolvem outras companhias e dependem de dados sigilosos como os bancários e de telefonia, por exemplo, são repassadas pela empresa aos órgãos competentes. Foi o que aconteceu com o cartel.
Sem arrependimentos
Apesar de a revelação do caso ter manchado a reputação da Siemens e ter provocado um jejum de cinco anos sem disputar licitações públicas, determinado pela Justiça Federal, Fábio Selhorst garante que a companhia não está arrependida da atitude que tomou.
"Não esperávamos o vazamento do acordo de leniência (firmado com o Cade). Mas faríamos (a denúncia) de novo", disse. O executivo também afirmou que a tendência é que outras organizações sigam o mesmo caminho, chamando a atenção para a Lei Anticorrupção —criada em resposta às manistações de junho de 2013 e em vigor desde janeiro.
"A Siemens hoje, apesar de ter um legado de que a gente não se orgulha, entende que a sociedade não está mais disposta a tolerar irregularidades. A empresa que daqui para frente não for íntegra, não for ética, não vai ficar no mercado".