UNIDADE DA THE BODY SHOP EM LONDRES: brasileira Natura comprou a rede de comésticos da francesa L’Oreal por um bilhão de dólares / Scott Barbour/ Getty Images (Scott Barbour/ Getty Images/Getty Images)
Letícia Toledo
Publicado em 13 de junho de 2017 às 19h27.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
Letícia Toledo
A Natura, maior fabricante de cosméticos do Brasil, costuma ser criticada pela lentidão. Com 48 anos de uma história pra lá de vitoriosa, a empresa está há mais de uma década ensaiando mudanças em seu canal de vendas, excessivamente dependente das consultoras, num nicho de mercado cada vez mais disputado e menos rentável. A primeira loja física da empresa só veio em abril do ano passado — de lá pra cá, vieram mais 13. Desde a sexta-feira 9, no entanto, a recatada Natura vem recebendo críticas, veja só, pelo excesso de ousadia. A empresa anunciou que chegou a um acordo com a rede francesa L’Oreal para comprar sua controlada The Body Shop. A negociação não era nenhum segredo, já veio a público no fim de abril. Mas, disputando com fundos como o americano Advent, o europeu CVC e o brasileiro GP Investimentos, a Natura era o mais improvável dos vencedores. Acabou levando a melhor ao oferecer um bilhão de dólares – uma quantia considerada alta demais para uma empresa que os concorrentes consideram “velha e cansada”. As ações da Natura caíram 12% nos três primeiros dias após a notícia, corroendo 1,68 bilhão de reais do valor de mercado da companhia. “Se eu tivesse ações da Natura, estaria muito preocupado. A empresa ainda não conseguiu entrar nos trilhos e está adquirindo outra companhia problemática”, diz um consultor.
Na conta dos fundos não entrou uma qualidade intangível e destacada pelo presidente da Natura, João Paulo Ferreira: o foco da The Body Shop em sustentabilidade. “As empresas sempre foram irmãs gêmeas e viraram almas gêmeas. Estava escrito que ficariam juntas”, disse Ferreira em teleconferência com analistas para explicar a compra no último dia 12. Fundada pela britânica Anita Roddick em 1976, a The Body Shop vendia cremes corporais à base de coco e shampoo de banana quando ninguém mais ousava fazer o mesmo. Roddick levou a companhia a importantes cruzadas: a empresa foi uma das primeiras a não testar seus produtos em animais e, mais tarde, a lutar contra exploração da mão de obra de países subdesenvolvidos. A Natura, fundada sete anos antes da britânica, como se sabe, elabora cosméticos a partir de produtos naturais extraídos em 12 estados brasileiros e se destaca com procedimentos ecologicamente sustentáveis.
A compra precisa ser aprovada pelo conselho de empregados da L’Oreal, seguindo a legislação francesa. Depois, a venda estará condicionada à aprovação das autoridades regulatórias no Brasil e nos Estados Unidos. A expectativa da Natura é que o negócio seja concluído ainda este ano. Com a aquisição, a empresa brasileira se torna uma companhia com presença em 70 países, ante os 20 atuais. Metade da receita virá do exterior e um terço das vendas virá das marcas que não são a Natura — a The Body Shop e a australiana Aesop, adquirida em 2012. A receita do grupo deve crescer 45% e chegar a 11,5 bilhões de reais.
Apesar dos números grandes, a visão de analistas é que a companhia, que já enfrentava um grande problema no mercado interno, arranjou mais um. Na The Body Shop, o que era um diferencial há 40 anos, foi se tornando algo mais comum. A União Europeia baniu cosméticos testados em animais há quatro anos. Marcas mais novas e com preços mais acessíveis roubaram parte dos consumidores preocupados com sustentabilidade. A companhia, que foi comprada pela L’Oreal em 2006, nunca decolou dentro da pesada estrutura da multinacional francesa, que fatura 25,8 bilhões de euros. No ano passado, o faturamento da The Body Shop caiu 5%, para 920 milhões de euros, e o lucro encolheu 38%, para 33,8 milhões. A margem de lucro vem diminuindo a cada ano e chegou a 8,4% em 2016. A margem de lucro da Natura, por sua vez, foi de 3,7% em 2016, em queda livre em relação a 2011, quando era de 14,9%. Seu valor de mercado caiu 37,5% no período.
Outro grande problema da aquisição é que a Natura pode acabar perdendo o foco, já que precisa resolver seus problemas e, ao mesmo tempo, encontrar uma solução para uma rede gigante. “Nós acreditamos que esta proposta de aquisição apresentaria um desafio de execução significativo para o gerenciamento da Natura, que teria que executar simultaneamente a reviravolta da Natura no Brasil e revitalizar a marca The Body Shop globalmente”, dizem analistas do Goldman Sachs em relatório. Em teleconferência, os executivos da Natura apresentaram múltiplas soluções para melhorar o desempenho da empresa, que vão desde aumentar a venda no comércio eletrônico e na América Latina até levar a marca à mais de 40 cidades na China. Nenhuma das propostas foi detalhada.
O escasso histórico de aquisição e fusão da Natura também pode ser um grande problema. “Eles não têm experiência em integração e a The Body Shop é uma companhia muito grande. O foco do Ferreira é o mercado nacional, ele é um ótimo executivo; mas a Natura não tem equipe suficiente para gerenciar uma integração desse tamanho”, diz um consultor.
A Natura com mais problemas
A favor da Natura sobra, portanto, o argumento de comunhão de almas entre as duas empresas. É bonito. Mas o argumento da sustentabilidade não foi suficiente para salvar a própria Natura nos últimos anos. A concorrência aumentou e o modelo de negócios focado apenas em vendas diretas se mostrou ultrapassado. A companhia tem 1,8 milhão de vendedoras e lidera com folga esse segmento no Brasil. O problema é que está cada dia mais difícil aumentar a produtividade das vendedoras, e a concorrência só faz crescer. Há cerca de 300 empresas de venda direta de produtos de higiene e beleza no Brasil, e a atenção das vendedoras da Natura vem sendo cada vez mais dividida com outras marcas. A participação de mercado da companhia vem caindo a cada ano, passou de 14,9% em 2010 para 10,8% em 2016, segundo dados da consultoria Euromonitor. O lucro da empresa caiu estrondosos 42% em 2016, para 269,7 milhões de reais.
Para tentar diversificar os negócios, a Natura inaugurou em abril do ano passado a sua primeira loja física. A companhia tem 14 lojas, e o plano é chegar até 30 no fim deste ano. Comprar a The Body Shop certamente encurta o caminho. Juntas, as 133 lojas da rede no Brasil faturam mais de 280 milhões de reais, ou cerca de 3,5% do faturamento total do Natura, de 7,9 bilhões de reais. Em março, a britânica havia anunciado planos de chegar a 230 lojas no Brasil até 2023, numa meta agressiva que poderia, aí sim, ajudar a Natura a cumprir seus próprios objetivos. O problema é saber se os planos continuarão os mesmos após a compra da Natura.
Por conta da aquisição, a agência de classificação de risco S&P Global Ratings colocou os ratings da Natura em perspectiva negativa. Segundo o S&P, a nota de crédito da empresa poderá cair dois graus por conta do aumento da dívida da companhia. Para a aquisição, a empresa afirma que pegará crédito com bancos nacionais e internacionais, mas não detalhou quanto virá em moeda estrangeira. Com isso, analistas afirmam que a alavancagem da Natura deve passar dos atuais 1,3 vez para algo entre 3 e 4 vezes a sua geração de caixa – patamar muito acima da média de 0,7 vezes observada nos últimos 10 anos da empresa. “A aquisição da The Body Shop provavelmente aumentará fortemente a alavancagem da Natura e poderá resultar em desafios para a integração, visto que o modelo de negócios da Natura e sua cobertura geográfica são diferentes da The Body Shop”, diz o comunicado da S&P. Em teleconferência realizada com analistas, o vice-presidente de finanças e relações com investidores José Roberto Lettiere afirmou que a companhia levará quatro anos para voltar ao nível de endividamento atual. A vantagem: até lá, os problemas que a Natura tinha até a sexta-feira 9 de junho viraram apenas um detalhe.