O lado sombrio do Vale do Silício, segundo a cofundadora do Nubank
"Há uma visão de glamour sobre o empreendedorismo e sobre o Vale do Silício, mas há consequências para a região", disse
Karin Salomão
Publicado em 10 de setembro de 2019 às 10h00.
Última atualização em 10 de setembro de 2019 às 14h34.
O Vale do Silício, região ao sul da Baía de São Francisco, na Califórnia, atrai empresários e empreendedores de todo o mundo, seja pela proximidade com grandes empresas de tecnologia, como Google, Apple e Facebook, seja pela concentração de startups, tecnologia e inovação. Mas há um lado pouco atraente do crescimento do mercado de startups e da chegada de fundos de investimento.
"Há uma visão de glamour sobre o empreendedorismo e sobre o Vale do Silício. É importante que as empresas tenham condições de se desenvolver e de crescer, mas há consequências importantes para a região", afirma Cristina Junqueira, cofundadora e vice-presidente do Nubank .
Ela participou do EXAME Fórum , em São Paulo, que aconteceu ontem, 9, ao lado de Cristina Palmaka, presidente da SAP Brasil e Fabio Coelho, presidente do Google Brasil.
A injeção intensa de capital nas startups transformou fundadores e funcionários de startups em bilionários e milionários. Uma das consequências da inundação de dinheiro é a forte alta no preço do aluguel e dos imóveis na região do Vale, em cidades como San Francisco, Menlo Park e Palo Alto.
O impacto não é só no mercado imobiliário - o custo de vida na região disparou e afeta moradores tradicionais dessas cidades, que acabam tendo dificuldades de manter as casas. O custo de alugar um apartamento com um quarto, em São Francisco, atingiu o recorde de 3.700 dólares e a população em situação de rua cresceu 17% entre 2017 e 2019.
Empresas como o Google e Facebook investem em moradias acessíveis para seus funcionários e existem até startups criadas para tentar contornar o problema.
Outro impacto é a escalada do valor das startups. "Há empresas que levantam capital e investimentos com pouca base, sem plano de negócios e sem clientes. Isso gera uma crise para a indústria", afirma Junqueira.
Mesmo assim, há regiões brasileiras que buscam simular a concentração de inovação e de startups do Vale do Silício, sem trazer as consequências negativas para as cidades.
Segundo Fábio Coelho, entre os exemplos de centros de inovação estão Florianópolis, SC, e o Porto Digital em Recife, PE, além de São Paulo. "Temos o Google Campus em São Paulo, mas nosso desejo é que existam outros 15 espaços de inovação, não apenas do Google, por todo o país", afirmou ele no evento de EXAME.
Lucro ou crescimento
Com o último aporte de 400 milhões de reais, em julho, o Nubank passou a valer 10 bilhões de dólares. O valor é semelhante ao de empresas grandes e bem estabelecidas no mercado brasileiro, como a Renner.
O grande produto da fintech é a sua conta digital, a NuConta. Recentemente, a empresa anunciou que o número de clientes da conta superou 10 milhões de usuários e ultrapassou o cartão de crédito, seu primeiro produto."Para nós, a NuConta foi um divisor de águas", diz a executiva em entrevista a EXAME. "Fez uma diferença muito grande no nosso crescimento e no número de clientes que conseguimos atender", afirma.
Por natureza, diz, um produto de crédito não pode ser aprovado para todos os clientes que fazem um pedido. Mas, como para abrir a NuConta e pedir o cartão de débito não é necessário fazer uma análise de crédito, os produtos são mais inclusivos, diz.
Apesar disso, a companhia ainda não dá lucro e não tem perspectivas de fechar o balanço no azul. No primeiro semestre do ano, a fintech apresentou prejuízo de 139,5 milhões de reais, 174% maior do que o mesmo período do ano passado.
"Nunca teve controvérsia sobre o nosso valor de mercado e o modelo de negócios sempre foi claro", diz. Segundo ela, a empresa sabe como monetizar seu serviço, gera caixa e os investidores estão alinhados com essa estratégia.“Crescer de forma sustentável e, portanto, não gerar lucro nesse momento, é uma escolha do Nubank", diz a empresa em sua divulgação de resultados.
"A discussão é quanto custa o nosso crescimento", afirma Junqueira.