O inevitável pedágio na hora de pico
Conor Dougherty © 2017 New York Times News Service É fácil ficar tonto com as notícias sobre os carros autônomos. Os mais velhos e os pré-adolescentes terão mais independência e mobilidade. O flagelo dos motoristas alcoolizados vai desaparecer. As pessoas poderão jogar videogames com segurança enquanto pegam o caminho para o trabalho. Mas há um […]
Da Redação
Publicado em 22 de março de 2017 às 13h14.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
Conor Dougherty
© 2017 New York Times News Service
É fácil ficar tonto com as notícias sobre os carros autônomos. Os mais velhos e os pré-adolescentes terão mais independência e mobilidade. O flagelo dos motoristas alcoolizados vai desaparecer. As pessoas poderão jogar videogames com segurança enquanto pegam o caminho para o trabalho.
Mas há um problema que a condução autônoma não deve resolver: as colunas de engarrafamentos nas horas de pico que entopem as ruas das cidades e as estradas. Se décadas de planejamento urbano e pesquisas econômicas servirem de guia, a solução não deve vir da tecnologia, mas de algo parecido com os preços dinâmicos do Uber: cobrar mais das pessoas para usarem carros autônomos nas horas mais movimentadas.
Não que as empresas de tecnologia não estejam tentando encontrar outras soluções para os congestionamentos. O tráfico é um dos poucos problemas do qual pessoas muito ricas não conseguem se livrar com dinheiro. Isso ajuda a explicar por que Elon Musk, fundador da Tesla e do SpaceX, quer abrir vias subterrâneas sob Los Angeles e implantar trens de alta velocidade em metade do comprimento da Califórnia. Ou o motivo pelo qual Larry Page, um dos fundadores do Google, está interessado em carros voadores.
Isso somado a outros esforços menos revolucionários de companhias como a Sidewalk Labs, da empresa dona do Google que tem como objetivo diminuir os congestionamentos ajudando as cidades a usar melhor seus dados. E claro há o carro autônomo que, além de tornar as estradas mais seguras, deve ajudar a gerenciar os caminhos amenizando as falhas humanas – como a tendência a frear de modo impaciente e a mudar de pista de repente – que pioram o tráfego.
Essas tecnologias variadas compartilham um tema comum. De uma maneira ou de outra, prometem expandir as vias do país – literalmente no caso dos túneis de Musk, figurativamente, no caso dos carros voadores, e de modo eficiente, no caso dos autônomos. Apesar de ser possível que uma ou todas essas tecnologias aumentem a capacidade das vias a um ponto em que a quantidade de tráfego não as lote, a história nos dá motivos para o ceticismo.
Décadas de estudos mostram que sempre que as cidades constroem vias, os motoristas simplesmente as lotam. Não é por causa de novas construções ou crescimento populacional – embora ambos contribuam –, mas por causa de um círculo vicioso em que novas ruas e estradas trazem uma demanda adicional que nenhuma quantidade de vias extras pode satisfazer.
Isso já foi estudado durante a hora de pico, em projetos individuais de rodovias e com grandes quantidades de dados que abrangem quase todas as estradas americanas. Com uma consistência incrível, a pesquisa dá o mesmo resultado: sempre que uma via é construída ou aumentada, mais pessoas decidem dirigir mais. Construa ainda mais, ou aumente mais, e mais gente vai dirigir. Esse padrão pode se repetir até o infinito.
Os economistas chamam o fenômeno de demanda latente, o que é uma maneira chique de dizer que há sempre mais gente querendo dirigir para algum lugar do que há espaço para que consigam. Até agora, nada dos que as cidades fizeram para aumentar a capacidade melhorou o tráfego.
A extensão desse fracasso foi o assunto de um artigo de 2011 chamado “The Fundamental Law of Road Congestion” (A lei fundamental do congestionamento), dos economistas Gilles Duranton, da Escola Wharton da Universidade da Pensilvânia, e Matthew Turner, da Universidade Brown.
Os dois foram além da construção de vias para mostrar que o aumento da oferta de transporte público e as mudanças no uso de terras – basicamente construir moradias perto de prédios de escritório para que as pessoas possam ir andando ou de bicicleta para o trabalho – também não funcionam para diminuir o tráfego (ou funcionam apenas um pouco)
Isso não significa que transporte público e planejamento urbano sejam ruins, ou que aumentar as vias seja má ideia. Quando as ruas são maiores, mais pessoas podem circular. Mais pessoas veem suas famílias; mais pacotes são entregues; e mais bebês são embalados para dormir. Significa apenas que nenhuma dessas medidas conseguiu diminuir muito o tempo de deslocamento e que parece improvável que os carros autônomos resolvam o problema.
É aí que entra a cobrança de pedágio durante as horas mais movimentadas. “Talvez os carros sem motorista sejam diferentes de outras expansões de capacidade”, diz Matthew Turner. “Mas, pelo que observamos até agora, a única coisa que realmente diminui as viagens é precificá-las.”
Isso acontece porque a pessoa comum prefere a privacidade e a conveniência de dirigir um carro. Apenas quando a distância é grande ou o tráfego muito ruim – ou o táxi caro – é que mais gente vai escolher andar de bicicleta, pegar carona, subir em um trem ou deixar a viagem para outra hora. Esse padrão acontece em todos os lugares. É possível percebê-lo em cidades centradas em carros como Los Angeles e Houston, onde projetos de longa duração e de muitos bilhões de dólares para aumentar as pistas pouco fizeram para aumentar a velocidade dos usuários.
Mas também é possível ver a mesma coisa em Nova York – de longe a cidade mais amigável ao tráfego dos Estados Unidos. Serviços de carona paga como o Lyft e o Uber aumentaram o trânsito de carros, segundo um estudo de fevereiro da Schaller Consulting no Brooklyn, enquanto as viagens de metrô diminuíram um pouco em 2016 por causa da queda do uso durante o final de semana.
Bruce Schaller, diretor da Schaller Consulting, diz que se o crescimento dos serviços de caronas pagas continuar, será inevitável para a cidade assumir algum tipo de sistema de pedágios para as horas de congestionamento, uma ideia que já circulou por Nova York e foi rejeitada.
“Haverá muitos carros nas ruas, veículos de entregas e ônibus, e a circulação vai ficar tão lenta que as pessoas vão se cansar e exigir uma solução. E temos uma solução com a cobrança de pedágio.”
Coisas como matinês de cinema, passagens aéreas noturnas e drinques na happy hour acostumaram os americanos com a ideia de que as variações de preços dependem da hora. Mas cobrar mais pelas vias é complicado, pelo menos nos Estados Unidos.
O prefeito Michael Bloomberg se viu diante de um fracasso absoluto quando tentou cobrar pedágio nas horas de congestionamento em Nova York. No entanto, Londres, Cingapura e Estocolmo instituíram esse tipo de sistema de forma eficaz.
Nos Estados Unidos, a objeção mais comum é que o preço é retrógrado: as pessoas ricas vão dirigir seus carros sozinhas enquanto a massa vai se espremer em um ônibus. Além disso, as pessoas não gostam de pagar por coisas que estão acostumadas a ter de graça.
Os economistas esperam que isso mude. Vários Estados, entre eles a Califórnia, o Texas e Minnesota, instituíram pistas para carros com mais ocupantes com preços de pedágio diferentes durante as horas de pico.
“Esta ideia de pedágio nas horas de congestionamento não está mais sendo completamente descartada como já foi um dia”, avisa Clifford Winston, economista da Brookings Institution.
Winston diz que a eventual introdução dos carros autônomos provavelmente diminuiria a oposição do consumidor a pagar mais pelo uso das vias durante os períodos de pico. Os aplicativos de caronas pagas ensinaram os consumidores a aceitar o preço dinâmico, e as pessoas geralmente são menos resistentes a pagar por algo novo.
Se isso acontecer, um dos benefícios ocultos dessa nova tecnologia revolucionária será fazer com que as pessoas aceitem a ideia que os economistas começaram a disseminar pelo menos um século atrás. E isso fará com que elas cheguem em casa meia hora mais cedo.