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Novas regras podem levar à criação de um cartão de débito nacional

Mudança seria negativa para Mastercard e Visa, mas poderia gerar uma nova fonte de receita para Redecard e Cielo (ex-Visanet)

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

As novas regras para a indústria de cartões devem incentivar uma maior competição, ao atrair novas empresas para o setor. O efeito mais esperado pelos especialistas é o surgimento de novos credenciadores - as companhias responsáveis por habilitar os lojistas a receber os cartões. Hoje dominado pela Redecard e pela Cielo (ex-Visanet), esse negócio deve atrair a atenção dos grandes bancos e das principais cadeias de varejo nacionais. Mas outro desdobramento das novas regras pode ajudar as duas companhias a compensar a concorrência de novos credenciadores - e a eventual perda de receitas. Trata-se da possível criação de um ou mais cartões de débito nacionais, cujos emissores - os grandes bancos de varejo - se associariam à Redecard e à Cielo para difundir seu produto.

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Assim como nas operações de crédito, o lojista paga uma taxa de desconto sempre que aceita um pagamento com cartão de débito. É verdade que, nesse caso, a mordida é menor – cerca de 1,2% do valor da transação, contra até 5% no crédito. O percentual é recolhido pela credenciadora, que repassa parte do dinheiro para os demais agentes da cadeia. A maior parte – cerca de 1% - é dividida praticamente ao meio entre o credenciador e o banco emissor do plástico. A bandeira (Visa ou Mastercard) recebe a menor porção – até 0,2%- a título de royalties. É justamente essa fatia que os bancos economizariam caso passassem a emitir um débito nacional. Parece pouco, mas os cartões de débito movimentarão quase 130 bilhões de reais neste ano – um crescimento de 21% sobre 2008. Isso significa que os bancos pagarão até 260 milhões de reais em royalties às bandeiras. E são estas contas que levam as instituições a pensar no assunto. "Há um grande interesse dos bancos em discutir essa questão", afirma Paulo Cafarelli, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).

Agora compensa

A idéia de um plástico nacional não é nova. Na verdade, ele já existe. Trata-se do Cheque Eletrônico, lançado em meados dos anos 90 por um pool de mais de 30 bancos. Mas a proposta enfrentou uma série de problemas. O primeiro era a tecnologia de processamento das transações, ainda pouco desenvolvida naquela época. O segundo foi o desembarque agressivo das bandeiras estrangeiras nesse mercado. Os grandes bancos brasileiros, ao se tornarem emissores do Visa Electron e do Maestro, passaram a investir cada vez mais na rede de credenciamento desses cartões. (Continua)


As instituições, que eram sócias da Redecard e da Cielo, começaram a abandonar a TecBan, que também atua como credenciadora do Cheque Eletrônico, à própria sorte. O resultado foi que, em 2005, a bandeira nacional deixou de ser emitida pelos bancos. Hoje, ela possui uma participação pífia de mercado - meros 0,4% do total de transações, segundo um estudo do Banco Central. Sua rede credenciada, com 9.000 estabelecimentos, perde feio para a da Cielo – 1,6 milhão de lojas - e a da Redecard - 1,2 milhão.

Mas por que os bancos brasileiros, que apoiaram as bandeiras internacionais até recentemente, mudariam de idéia? A resposta é simples: agora, o tamanho do mercado vale a pena. Em 1995, nos primórdios do Cheque Eletrônico, a indústria total de cartões (débito e crédito) movimentou 14,8 bilhões de reais. Neste ano, a Abecs estima que o setor movimente mais de 400 bilhões. "O aumento da escala viabiliza o lançamento de cartões de débito pelos bancos brasileiros", afirma o consultor Juan Ferrés, ex-economista-chefe da Secretaria de Direito Econômico, vinculado ao Ministério da Justiça.

Não é jabuticaba

Um plástico verde-amarelo de pagamento pode soar como uma patacoada nacionalista, mas há experiências bem-sucedidas em vários países. Os modelos variam desde um cartão de débito puro até plásticos co-branded, em que as funções de débito são oferecidas por um selo local e o crédito fica a cargo da Visa e da Mastercard. Há também casos de países em que um cartão de débito local domina o mercado, enquanto, em outros, vários plásticos locais concorrem. (Continua)


A França é um exemplo de país em que há um único - e predominante - cartão de débito local. É o Carte Bleue, lançado em 1967 inicialmente por seis bancos franceses. Desde 1973, a SAS, empresa responsável por administrá-lo, mantém uma parceria com a Visa para emitir cartões de crédito. Nesses plásticos co-branded, a função de débito é feita pela marca Carte Bleue, e a de crédito, pela Visa. A empresa encerrou 2008 com 23,81 milhões de plásticos emitidos, entre o Carte Bleue Nationale (débito puro) e o Carte Bleue Visa (débito e crédito). Em 2007, eram 23,74 milhões de cartões.

Parceria com Redecard e Cielo

Dentro do BC, há quem defenda a idéia de resgatar a TecBan do ostracismo como forma de viabilizar o cartão de débito brasileiro. Mas a proposta esbarra em diversos obstáculos. O mais óbvio é que ninguém quer um cartão que nenhuma loja aceita. Para que o Cheque Eletrônico renasça, será necessário um investimento milionário para ampliar a rede de lojas credenciadas da TecBan, hoje praticamente inexistente para as necessidades de um débito nacional. Segundo Álvaro Musa, ex-presidente da Credicard e diretor da Partner Conhecimento, para sair do zero e enfrentar a Redecard e a Cielo, uma empresa deve desembolsar pelo menos 100 milhões de dólares. "É um investimento muito elevado para criar apenas um sistema de pagamento de débito", diz.

Para quem acompanha o setor, há um certo consenso de que as grandes instituições de varejo teriam condições de se lançar sozinhas no mercado. Estariam nesse grupo o Banco do Brasil, Bradesco, Santander, Itaú Unibanco e Caixa Econômica Federal. "São instituições com milhões de correntistas e escala para uma bandeira própria de débito", diz uma fonte que pediu para não ser identificada.

Com o fim da exclusividade entre Visa e Visanet, muitos apostam que os grandes bancos se tornarão também credenciadores. A maior aposta é o Santander, capitalizado pelo IPO bilionário feito há alguns meses. Mas os especialistas também afirmam que haveria um outro caminho para lançar o cartão de débito nacional - uma parceria com a Redecard e a Cielo. "Antes, os emissores eram obrigados a investir em rede própria. Agora, podem aproveitar a estrutura existente", diz Ferrés. Para as atuais líderes do mercado, seria uma forma de compensar a eventual perda de receitas decorrentes do fim da exclusividade. Já para os bancos, a rede implantada seria um atalho mais barato para catapultar o cartão de débito. (Continua)


Autonomia

Mesmo assim, ainda há um desafio estratégico a ser superado. Os bancos tendem, cada vez mais, a encarar os cartões como um instrumento para aumentar a fidelidade do cliente. Por isso, querem mais autonomia para oferecer serviços diferenciados, como parcerias com programas de relacionamento, acúmulos de pontos em compras para trocar por produtos e serviços, tarifas especiais, etc. Todo esse planejamento fica mais fácil quando o banco decide sozinho - e não dentro de um consórcio de instituições que pode, muitas vezes, contar com os seus rivais diretos. "Ninguém quer deixar de se relacionar diretamente com seus clientes", diz alguém a par das conversas entre o governo e a indústria de cartões.

Um exemplo da falta de interesse dos bancos em compartilhar seus produtos é o que aconteceu com a Rede 24 Horas, a rede de terminais de auto-atendimento mantida pela TecBan. Idealizada para cortar gastos, ela foi gradualmente posta de lado pelos bancos participantes do consórcio, que decidiram investir em suas próprias máquinas. O objetivo era agregar o máximo de serviços a sua rede e, por tabela, cativar os clientes.

Peso local

Ainda não se sabe como as bandeiras internacionais reagirão ao surgimento de um plástico de débito brasileiro. Parte dos especialistas espera que elas reduzam os royalties cobrados por transação. Mas também é possível que assistamos à criação de cartões co-branded. A concordância das bandeiras com esse modelo misto mostraria o peso que o país adquiriu em suas operações. Não seria recomendável, por isso, abrir mão do mercado de cartões de crédito - em que o tíquete médio de gastos dos clientes e as margens de lucro são maiores – apenas para inibir o surgimento de um débito nacional. "Em mercados importantes, as bandeiras são mais flexíveis", diz Ferrés.

Essa flexibilidade também resolveria a última questão posta pelos observadores - a de que seria pouco prático andar com dois plásticos no bolso, um para o débito e outro para o crédito. A saída de Mário Torós da diretoria do BC, anunciada nesta semana, lança dúvidas sobre a continuidade das negociações entre a indústria de cartões e o governo. Torós era considerado o principal interlocutor do BC para tratar da nova regulamentação do setor. Mas poucos duvidam de que, nessa disputa, a vantagem estará com quem sair na frente. "No mercado de cartões, o pioneiro sempre ganha mais que os demais", afirma Ferrés. "O primeiro que lançar um cartão de débito vai causar uma corrida no setor".


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