"A pirataria ameaça o mundo do vinho"
É o que diz Ciro Lilla, dono da importadora Mistral, uma das mais prestigiadas do mercado brasileiro
Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2010 às 14h41.
A pirataria já prejudica um setor que poderia parecer ileso à pirataria. A vitivinicultura já sofre também com cópias grosseiras. Dono da importadora Mistral, uma das mais prestigiadas do mercado brasileiro, o empresário Ciro Lilla é um dos representantes da iniciativa privada junto ao governo para tornar o preço dos vinhos finos mais acessível à população brasileira. Um dos grandes obstáculos a esse objetivo, no entanto, é a pirataria. Durante uma conversa com EXAME sobre o mercado de champanhes, Lilla falou sobre o assunto.
EXAME Você distribui dois champanhes de luxo no mercado, o Pol Roger Cuvée Sir Winston Churchill e o Bollinger RD. Eles são muito vendidos?
Ciro Lilla Não. Somos uma importadora caracterizada por vender grandes vinhos, mas não os de luxo. É claro que existe uma procura, mas ela é pequena, porque o público em geral não liga muito para as cuvées de prestige. Além disso, o consumo de champanhes diminuiu nos últimos tempos por conta da ascensão dos proseccos. É uma moda que vai passar, mas ainda incomoda os champanhes.
EXAME Qual é o consumo médio de champanhe no Brasil?
Lilla Não saberia dizer exatamente, mas é muito pequeno. Para você ter uma idéia, o consumo de vinhos em geral no Brasil é de 1,8 litro por ano por habitante, sendo que 80% desse volume são vinhos de garrafão. Os vinhos finos, que consumimos à mesa, são absoluta minoria, somente 0,4 litro por ano por habitante. Os champanhes estão dentro desse universo, o que significa que temos um imenso potencial de crescimento. Para você ter uma idéia, o consumo na Argentina é de 30 litros por ano por habitante.
EXAME Esse número está estagnado ou o consumo está crescendo?
Lilla Temos a sensação de que o consumo está aumentando, mas as estatísticas oficiais não mostram isso. Por isso, acreditamos que, infelizmente, o contrabando chegou ao mundo do vinho.
EXAME Pirataria de vinhos finos?
Lilla É um fenômeno recente. No fundo, precisamos mudar a cultura que o brasileiro tem em relação ao vinho. A população média acha vinho uma coisa chique, que só pode ser consumido durante uma ocasião especial. Somente quando seu consumo for incorporado no dia-a-dia é que o consumo irá disparar. Na Argentina, os operários chegam em casa à noite e tomam vinho. Pode ser só uma taça, mas não importa. É um hábito. Só que, para termos esse cenário no Brasil, é necessário ganhar a classe média, e isso só acontece se tivermos vinhos mais baratos. É esse nicho que a pirataria está atacando.
EXAME O que pode ser feito de concreto para mudar esse quadro?
Lilla Estamos tentando, junto ao governo, mudar a legislação em relação ao vinho para importá-lo com mais facilidade. Além disso, é preciso mudar a imagem do vinho. Muitos o vêem apenas como uma bebida alcoólica, o que tornaria o estímulo ao consumo uma espécie de apologia ao consumo de álcool. Nós que vivemos o mundo do vinho, e a imensa maioria dos consumidores, sabemos que ninguém toma vinho com esse objetivo. É um alimento, e merece ser tratado como tal. Já enxergamos algumas iniciativas pontuais, como por exemplo o aumento na venda de meia garrafa, para casais consumirem à noite, porque o médico mandou. Aliás, se o vinho é algo reconhecidamente saudável e recomendado por médicos, não pode ter um tratamento tão punitivo como tem agora em termos de impostos. 25% é uma alíquota indecente. Não estamos pedindo isenção, mas uma tributação mais justa. Só assim conseguiremos combater a pirataria.