Na blindada CCR, a ordem é investir
Letícia Toledo Os planos do governo para tirar o país do buraco envolvem 89 projetos de concessões em rodovias, portos e aeroportos. Oportunidade, portanto, não falta. O problema é encontrar investidores dispostos, já que uma enorme quantidade de companhias brasileiras estão super endividadas ou envolvidas nos mais variados escândalos de corrupção. Neste contexto, a CCR, […]
Letícia Toledo
Publicado em 11 de março de 2017 às 08h02.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.
Letícia Toledo
Os planos do governo para tirar o país do buraco envolvem 89 projetos de concessões em rodovias, portos e aeroportos. Oportunidade, portanto, não falta. O problema é encontrar investidores dispostos, já que uma enorme quantidade de companhias brasileiras estão super endividadas ou envolvidas nos mais variados escândalos de corrupção. Neste contexto, a CCR, maior empresa brasileira de concessões de infraestrutura de transportes, parece ser a empresa certa, na hora certa.
Segundo relatório do banco BTG Pactual, a CCR é “a candidata natural para obter parte desses projetos”. O motivo é financeiro. No início de fevereiro a companhia captou mais de 4 bilhões de reais no mercado com uma oferta restrita de ações que teve uma procura 3,3 vezes maior. O BTG calcula que a companhia poderá ter entre 6 e 7 bilhões de reais para investir em novos projetos no fim deste ano. A redução da taxa Selic ajuda em duas frentes. Primeiro, reduz o peso do serviço da dívida (só este ano vencem 5 bilhões de reais).
Além disso, analistas calculam que a CCR tem uma economia anual de 120 milhões de reais em impostos a cada corte de um ponto percentual na taxa Selic. O Banco Central cortou 1,5 ponto percentual dos juros este ano, atualmente em 12,25% ao ano. Economistas consultados pelo Boletim Focus projetam a Selic em 9,25% no fim de 2017 – seriam, no total, 540 milhões de reais a mais para a CCR.
Outro mérito da CCR foi ter conseguido se blindar do caos de seus controladores. Dois de seus três principais acionistas estão metidas até o pescoço na lama da Lava-Jato: a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa (o grupo Soares Penido completa o bloco de controle). No auge do envolvimento das suas controladoras com a Lava-Jato, em 2015, chegaram a circular relatórios no mercado de que a CCR poderia enfrentar dificuldades para conseguir crédito nos bancos e precisaria vender ativos para liberar dinheiro para Andrade e Camargo – o que nunca se concretizou.
No ano passado, a concessão da qual a CCR faz parte no Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte, foi citada na Operação Lava-Jato. Segundo informações da revista VEJA, o ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo, condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Lava-Jato, e o ex-ministro da Secretaria de Aviação Civil Moreira Franco (hoje ministro da Secretaria-Geral da presidência da República) trocaram uma série de mensagens para tratar do leilão ao Aeroporto Internacional de Confins. A concessão do aeroporto aconteceu em 2013. De acordo com a Polícia Federal, Azevedo e o Vice-Presidente de Relações Institucionais da CCR, Ricardo Mello Castanheira, citaram o ministro em troca de mensagens, no dia do leilão. Castanheira teria “as boas notícias de Confins” e disse precisar “ligar para o nosso amigo”. “Você me passa o celular dele?” O amigo era Moreira Franco, segundo a PF.
Mesmo assim, analistas dizem estar tranquilos quanto à idoneidade da CCR e sua consequente capacidade de investir. “O esquema de corrupção parece ter sido entre as construtoras. Ninguém achou nada concreto contra a CCR e não foi por falta de investigação”, diz Bruna Pezzin, analista da XP Investimentos. A analista relembra que a CCR sempre foi modelo de governança e foi a primeira empresa a entrar no Novo Mercado, o nicho mais exigente da Bovespa.
Na recente emissão de ações da construtora, os controladores tiveram capital reduzido de 51% para 44,7% das ações ordinárias. Mesmo com a diminuição de capital, os três grupos já disseram que não pretendem se desfazer das ações da CCR. Os negócios envolvendo concessões tendem a se tornar cada vez mais importantes diante dos problemas enfrentados na área de construção por esses grupos. De 2006 até o fim do ano passado, a CCR pagou 8,5 bilhões de reais em dividendos (o que representa 81% do lucro de 10,4 bi do período). É tudo que Andrade e Camargo precisam neste momento.
Os problemas no caminho
No campo operacional, a CCR tem uma série de desafios no caminho. As duas principais fontes de receita da companhia, as concessões da Nova Dutra e a AutoBAN (Anhanguera-Bandeirantes), podem sair das mãos da CCR em breve. Juntas, as duas concessões geraram quase 46% de toda a receita operacional bruta da companhia, totalizando 3,2 bilhões de reais. Na última terça-feira, o governo federal anunciou que decidiu relicitar a concessão da Rodovia Presidente Dutra, principal ligação terrestre entre Rio de Janeiro e São Paulo, jogando um balde de água fria na expectativa da CCR de alongar o contrato atual. A concessão atual da CCR vai até 2021 e a companhia negociava há pelo menos dois anos um aditivo de16 anos com o governo. Em contrapartida, a CCR propôs investir quase 3,5 bilhões de reais em obras, principalmente em uma nova pista na congestionada Serra das Araras, entre Piraí e Paracambi, no estado do Rio.
A principal justificativa para a não prorrogação, segundo o governo, foi a ausência de cláusula de prorrogação no contrato original, firmado em 1996. Cláusula de prorrogação é uma das exigências feitas pela medida provisória 752, em tramitação no Congresso Nacional. “O governo vem adotando uma política de relicitar os contratos para aumentar investimentos. A não renovação da Nova Dutra traz um grande impacto para a CCR”, diz Phillip Soares, analista da Ativa Investimentos.
“Primeiramente a CCR vai continuar a administrar a concessão até 2021 e depois ela poderá participar da nova licitação. Pode ser uma vantagem o fato de já ter administrado a via”, afirma César Borges, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias.
A sua subsidiária CCR Autoban trava uma briga bilionária com o estado de São Paulo pela administração da Rodovia Anhanguera-Bandeirantes, no estado de São Paulo. A CCR possui um aditivo contratual que lhe dá mais oito anos de concessão na rodovia, a partir de março de 2018. Em 2015, o governo do estado conseguiu cancelar o efeito do aditivo em um julgamento em primeira instância de um projeto dizendo que o documento trazia prejuízo aos cofres públicos devido aos erros cometidos pela CCR durante a administração. A companhia recorreu da decisão e desde então o julgamento da apelação foi suspenso diversas vezes. A concessão rende quase 2 bilhões de reais de receita bruta por ano e equivale a 28% do lucro operacional do grupo CCR. O processo continua se arrastando sem data para julgamento da apelação.
Novas concessões
Além das concessões rodoviárias e da participação nos aeroportos de Belo Horizonte, Quito, Costa Rica e Curaçao a companhia também tem participações na ViaQuatro (Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo), Metrô Bahia (Metrô de Salvador – Lauro de Freitas) e VLT Carioca (transporte de passageiros através de veículos leves sobre trilhos), para citar algumas.
Na próxima semana, no dia 16, está previsto o leilão dos aeroportos de Florianópolis, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador. O investimento mínimo projetado pelo governo, para os quatro aeroportos juntos, é de 6,61 bilhões de reais durante o prazo de concessão, de até 30 anos. Para participar do leilão, um consórcio terá que ter entre os sócios, com no mínimo 15% de participação, uma empresa com experiência na operação de aeroportos. A CCR já disse em entrevistas que está analisando os projetos. Procurada por EXAME Hoje, a companhia não concedeu entrevista.
Os aeroportos fazem parte do chamado Projeto Crescer, do governo federal que, ao todo já anunciou 89 projetos entre rodovias, linhas de transmissão e distribuidoras de energia, terminais portuários, ferrovias e companhias de saneamento. “O governo tem feito roadshows e estimulado empresas estrangeiras a investir no país. Ao mesmo tempo, há companhias de porte médio se organizando também para participar de licitações”, diz Borges, da ABCR.