Latam desiste de acordo coletivo de redução permanente de salários
Companhia aérea envia a sindicato proposta de queda temporária de remuneração fixa e variável, mas quer poder contratar novos tripulantes por salário menor
Agência O Globo
Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 20h38.
Última atualização em 2 de fevereiro de 2021 às 10h26.
A companhia aérea Latam Brasil desistiu de tentar emplacar um acordo coletivo com redução permanente de salários aos seus funcionários.A proposta estava em mediação no Tribunal Superior do Trabalho ( TST ) e, se fosse aprovada, seria o primeiro caso do tipo no país. Segundo advogados, ela contrariava o preceito da irredutibilidade dos salários, previsto na Constituição.
A empresa submeteu uma nova minuta ao Sindicato Nacional dos Aeronautas ( SNA ), que representa os tripulantes, no dia 28 de janeiro, na tentativa de obter um acordo que reduza seus custos com mão de obra temporariamente em meio à crise econômica desencadeada pela pandemia. O sindicato admite que o novo texto é melhor, mas ainda o vê como inviável.
A nova proposta prevê a redução temporária de vencimentos sem queda de carga horária para os pilotos, copilotos e comissários atuais da Latam Brasil por um ano, com garantia de estabilidade em caso de aprovação da proposta. Também prevê, no entanto, a possibilidade de contratação, por 24 meses, de tripulantes por salário menor que o atualmente praticado pela empresa, o que o SNA considera inegociável e ilegal.
A diminuição de salário manteria os percentuais da proposta anterior, que previa redução definitiva dos vencimentos fixos e variáveis. Pelas normas da categoria, os profissionais recebem, além do salário, uma remuneração variável de acordo com os voos realizados no mês. Esta última parcela, segundo o sindicato, pode representar mais de 50% dos vencimentos dos trabalhadores do segmento.
Caso a nova tentativa de acordo da Latam Brasil seja aplicada, pilotos teriam corte de 12% nas remunerações fixa e variável e os copilotos, de 15%. A redução temporária seria de 8% para comissários, segundo a Latam.
Além disso, a minuta autoriza que a empresa contrate, no período de 24 meses, novos tripulantes com salários inferiores aos praticados atualmente.
Sindicato vai debater proposta
Para Ondino Dutra, presidente do SNA, um acordo nesses termos incentivaria a Latam a substituir a mão de obra atual da empresa pela nova logo após o período de estabilidade.
— A proposta agora é legal, porque não reduz permanentemente os salários. Diz que a redução seria temporária, mas permite contratação por valores inferiores, o que é inviável — disse Dutra.
O texto, segundo o sindicato, será analisado e debatido novamente com a Latam Brasil. Entre as reivindicações da entidade, está a garantia de recontratação de tripulantes demitidos em cortes recentes feitos pela Latam conforme a empresa abrir vagas.
Procurada, a Latam Brasil afirmou que a nova proposta “traz coerência e equilibra os custos diante do enorme desafio imposto pela crise sem precedentes causada pela Covid-19”.
"Após várias flexibilizações por parte da Latam, a proposta final prevê redução temporária de aproximadamente 12% para pilotos e 8% para comissários e estabilidade pelo mesmo período da redução. Como contrapartida flexibilizamos 20 novas cláusulas sociais que beneficiam os nossos tripulantes", diz a empresa em nota.
A companhia diz ser a filial brasileira é a única do Grupo Latam a não ter assinado acordo com o sindicato que representa seus tripulantes.
Segundo o advogado trabalhista Rodrigo Nunes, sócio do escritório Cascione, a proposta anterior contrariava o preceito da irredutibilidade dos salários, previsto na Constituição.
— O setor aéreo de fato está em uma crise grande, mas o texto constitucional é claro ao não permitir a redução permanente de salários. Como regra, acordos e convenções coletivas podem aumentar direitos em relação ao que e lei prevê, mas não reduzí-los — disse ele.
A nova proposta de acordo, segundo Nunes, também deve enfrentar um obstáculo jurídico para burlar a obrigação de equiparar salários de funcionários que exercem as mesmas funções.
— A lei estabelece critérios para definir se dois funcionários exercem a mesma função. Se sim, determina que haja a equiparação social. Acordos coletivos teriam de se submeter a isso — afirmou.
Segundo Nunes, é possível que o TST tenha que se manifestar caso não haja acordo entre Latam Brasil e sindicato.
Maior dependência internacional
A Latam Brasil passa por um processo de reestruturação nos Estados Unidos similar ao da recuperação judicial brasileira. A empresa tem argumentado nas negociações com o SNA e também publicamente que não tem condições de arcar com salários mais altos que os pagos por Gol e Azul em meio à crise do setor de aviação.
A aérea é, entre as três que operam no país, a que tem maior dependência de rotas internacionais, cuja retomada tem sido mais lenta devido ao repique de casos de coronavírus pelo mundo e ao fechamento de fronteiras.
As negociações de acordos coletivos entre Latam e SNA começaram já no início da pandemia. Em março, os funcionários aprovaram condições que, na prática, reduziram seus salários em 80% por três meses.
Em seguida, com a continuidade da pandemia e da crise do setor aéreo, a companhia tentou aprovar planos de demissão voluntária e um acordo permanente de redução de salários. Sem chegar a um acordo, a empresa demitiu cerca de 2.700 tripulantes a partir de agosto.
Em outubro, os funcionários da empresa autorizaram o SNA a negociar reduções permanentes de salário, mas não houve acordo entre a entidade e a empresa.
O assunto foi parar no TST, e era acompanhado de perto por advogados trabalhistas e empresas por envolver a controversa proposta de redução permanente de salários, algo que alguns advogados e juristas consideram ilegal mesmo após a reforma trabalhista.
Para o advogado trabalhista Rodrigo Nunes, sócio do escritório Cascione, a proposta anterior contrariava o preceito da irredutibilidade dos salários, previsto na Constituição.
— O setor aéreo de fato está em uma crise grande, mas o texto constitucional é claro ao não permitir a redução permanente de salários. Como regra, acordos e convenções coletivas podem aumentar direitos em relação ao que e lei prevê, mas não reduzí-los — diz ele.
A nova proposta de acordo, segundo Nunes, também deve enfrentar um obstáculo jurídico para burlar a obrigação de equiparar salários de funcionários que exercem as mesmas funções.
— A lei estabelece critérios para definir se dois funcionários exercem a mesma função. Se sim, determina que haja a equiparação social. Acordos coletivos teriam de se submeter a isso — afirma.
Segundo Nunes, é possível que o TST tenha que se manifestar caso não haja acordo entre Latam Brasil e sindicato.