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Guerra ao papel

Ao sair na frente com os cartões magnéticos, a Visa Vale ameaça o reinado de Ticket, VR e Sodexho no mercado de vales-refeição

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

De quanto tempo uma empresa recém-inaugurada precisa para passar de principiante a concorrente feroz, capaz de ameaçar a hegemonia de empresas veteranas num setor consolidado? A Visa Vale, a mais nova empresa de benefícios ao trabalhador, precisou de apenas quatro meses. Ela representa hoje uma ameaça concreta para os três grandes grupos responsáveis por 85% do mercado de vales de alimentação e refeição, estimado em cerca de 7,8 bilhões de reais por ano -- as francesas Ticket (do grupo Accor) e Sodexho Pass (divisão da Sodexho, líder mundial em restaurantes industriais) e a brasileira VR (do empresário Abram Szajman). Até agora, a Visa conseguiu colocar na rua cerca de 60 000 vales para 500 clientes. Sua meta é fechar o ano com 600 000 vales para 4 500 clientes. "Em quatro ou cinco anos estaremos entre os líderes desse mercado", diz Newton Martins Neiva Jr., presidente da Visa Vale.

É uma meta ambiciosa considerando-se o tamanho e a experiência dos concorrentes. (Veja as caraterísticas das quatro concorrentes no quadro desta página). A Visa Vale sonha com um lugar entre as grandes porque está muito bem acompanhada. A empresa é fruto de uma parceria entre a americana Visa, líder em meios de pagamentos eletrônicos no mundo, e três grandes bancos: Bradesco, ABN Amro Real e BB Banco de Investimentos, um braço do Banco do Brasil. Juntos, os sócios investiram 45 milhões de reais no novo negócio. O mesmo grupo controla a Visanet, dona da maior rede nacional de pagamentos eletrônicos. Os sócios têm participação ativa no negócio: os três bancos encarregaram suas 6 500 agências de vender os vales da Visa, e a Visanet fará as transações eletrônicas e a expansão da rede. Dos 100 000 restaurantes credenciados pela Visanet, 60 000 já aceitam o Visa Vale.

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A crença de Neiva Jr., da Visa Vale, de que é possível fazer o milagre da multiplicação dos vales, também está baseada no formato de seus produtos -- o vale-alimentação (para compras em supermercados) e o vale-refeição (usado em restaurantes) têm o formato de cartões magnéticos de plástico, como os cartões de banco, ou com chips embutidos, como os crachás inteligentes que liberam catracas em prédios de escritórios. A troca do papel pelo cartão de plástico é a última novidade nesse setor. Põe fim aos contravales, ao mercado negro e, principalmente, aos constantes assaltos, uma vez que o cartão é enviado pelo correio e habilitado apenas pelo destinatário. Nesse quesito, Ticket, Sodexho e VR estão em desvantagem. Elas já operam com cartões magnéticos nos supermercados, mas a versão para a hora do almoço ainda está em fase de implantação.

A briga promete -- sobretudo porque não há carência de oferta nesse mercado. As empresas dispostas a contratar o serviço de refeição-convênio se resumem às cadastradas no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que oferece incentivos fiscais em troca de garantia de alimentação aos funcionários. Embora o PAT exista há 27 anos, alcança 6 milhões de trabalhadores de 80 000 empresas, o equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro. "O mercado só deverá crescer se o governo ampliar o programa e oferecer novos benefícios para atrair mais empresas", diz Álvaro Musa, sócio da Partner Consultoria, especializada em serviços financeiros ao consumidor. O governo Lula quer mudar o PAT, mas ainda não anunciou nenhuma medida. "A única solução para a Visa Vale crescer agora é travar uma guerra de preços e tomar mercado dos concorrentes", diz Musa.

Nessa guerra, a Visanet é uma arma eficiente. Ela está levando seus equipamentos para estabelecimentos solicitados pelos clientes em potencial da Visa Vale -- mesmo que eles estejam em locais de difícil acesso. Em agosto, a Visanet aceitou, por exemplo, cadastrar dois restaurantes na cidadezinha de Farol de São Tomé, um distrito de Campos dos Goytacazes, no litoral norte do Rio de Janeiro, para ganhar um único contrato. O alvo era a BHS, empresa de transporte aéreo que tem uma base na região para prestar serviços à Petrobras. No lugarejo almoçam 50 de seus funcionários. A BHS não queria mais ter o trabalho de transportar para lá vales de papel, fornecidos pela Sodexho. "Quando a Visa Vale garantiu que podia nos servir em São Tomé, fechamos o contrato na hora", diz Ana Cláudia Galvão, sócia da BHS.

O novo concorrente conta ainda com um exército de gerentes dos bancos sócios do empreendimento, que vendem o Visa Vale como um produto financeiro. Sempre há espaço para que eles ofereçam descontos. "Não fazemos venda casada", diz Jair Scalco, diretor da área de cartões do Bradesco. "Mas na hora de fechar o preço de qualquer serviço levamos em conta o nível de relacionamento com o cliente e fazemos ofertas diferenciadas." Foi esse o trunfo utilizado para ganhar a Gol, cliente da VR. "Pesaram na nossa decisão o tamanho da rede, o relacionamento com o banco, a segurança e também o custo do produto", diz Constantino Oliveira Júnior, presidente da Gol.

Assediar os clientes da Ticket, da Sodexho e da VR oferecendo taxas até 50% menores é algo que a Visa Vale está fazendo com disposição. Todas as três já foram obrigadas a fazer contrapropostas, abaixando o valor das tarifas de seus produtos. "No caso da Gol teríamos prejuízo se cobríssemos a oferta da Visa Vale", diz Carlos César Coutinho, diretor-geral da VR. "Não dá para fazer mágica nesse negócio."

Das três grandes, a VR, vice-líder no mercado nacional, é a que parece tecnologicamente mais bem preparada. Há cinco anos, a empresa criou a Smart.Net, especializada em cartões inteligentes. O objetivo foi desenvolver um vale-refeição com chip e um novo equipamento para fazer sua leitura nos pontos-de-venda sem necessidade de conexão telefônica. A maquininha está chegando agora aos estabelecimentos de São Paulo, onde se concentram 60% dos clientes da VR. A meta é cobrir todo o estado até março de 2004 antes que a Visa Vale o faça. "Não sei quem vai ganhar essa disputa", diz Cláudio Szajman, presidente da VR. "Mas a briga será boa." Até o início de 2005, a VR quer estar no resto do país. As promoções e os descontos previstos para garantir a adesão dos clientes nessa etapa vão custar 60 milhões de reais à VR.

A Ticket, a maior do setor, adotou um discurso oficial de pouco-caso. "A Visa Vale não significa nada para nós", diz Alaôr Barra Aguirre, diretor de produtos da Ticket. "Com os sócios que tem, talvez no futuro venha a ser um concorrente." Segundo Aguirre, a Ticket, que trabalha ainda predominantemente com papel no ramo de refeições, sabe que o cartão magnético é inevitável, mas sustenta que a mudança não é para amanhã. "O papel permanecerá em grande parte do país por um bom tempo", diz Aguirre. Esse tipo de discurso pode custar caro -- literalmente -- à Ticket. Segundo o executivo de um de seus grandes clientes, que está estudando aderir à Visa Vale, a Ticket chegou a propor redução de até 70% no preço de seus vales para convencê-lo a permanecer com o papel por mais um tempo. "Só estamos aguardando os próprios bancos, donos da Visa Vale, migrarem para o cartão", diz o executivo da empresa. "Se eles se bandearem é porque o produto é bom." (A propósito, um deles, o ABN, está mudando.)

A Ticket e a Sodexho têm um parceiro respeitável: a Redecard, principal concorrente da Visanet. Mas um gargalo tecnológico as impede de usar esse trunfo com agilidade. Uma migração em massa de milhões de clientes do papel para o cartão poderia congestionar as linhas telefônicas no horário de almoço nos grandes centros urbanos. As emissoras de vales esperam uma solução da Redecard até o fim do ano. Enquanto isso, a Sodexho tenta conquistar pequenas e médias empresas com seus novos cartões. "Era inviável enviar vales de papel todos os meses apenas para atender cinco funcionários de uma pequena loja da esquina", diz Antonino Cirrincione, presidente da Sodexho Pass para a América do Sul. "Mas é fácil mandar cinco cartões pelo correio uma única vez."

A adrenalina injetada pela Visa Vale nesse mercado está deixando a clientela ligada. É o caso do mineiro Algar, um grupo de 11 empresas nas áreas de telecomunicações, agronegócios e entretenimento, dono de um faturamento anual de 1,6 bilhão de reais. Antigo cliente da Ticket, o grupo decidiu testar o cartão da Visa Vale. Cícero Penha, vice-presidente de talentos humanos do Algar, que vem conduzindo as negociações em seu escritório em Uberlândia, no interior de Minas Gerais, está procurando tirar o máximo de vantagem do acirramento da concorrência no setor. Reprovou a primeira versão do contrato da Visa Vale e pediu ajustes. Ao mesmo tempo, está tentando fazer com que a Ticket abandone o vale de papel e lhe ofereça cartões. "Não gostamos de monopólio e a tendência é fecharmos com os dois fornecedores", diz Penha. "O produto da Visa Vale é bom e os concorrentes dela vão pular miudinho daqui para a frente."

FOME LOUCA
Comparação dos principais números da Visa Vale com os
das maiores empresas do mercado
TICKET
Faturamento*: 4 bilhões de reais
Clientes: 50 000 empresas
Usuários: 4,5 milhões
Estabelecimentos conveniados: 280 000
VR
Faturamento*: 3 bilhões de reais
Clientes: 20 000 empresas
Usuários: 2 milhões
Estabelecimentos conveniados: 200 000
SODEXHO PASS
Faturamento*: 2,2 bilhões de reais
Clientes: 18 000 empresas
Usuários: 1,7 milhão
Estabelecimentos conveniados: 200 000
VALE VISA
Faturamento: ainda não tem
Clientes: 500 empresas
Usuários: 60 000
Estabelecimentos conveniados: 60 000
*Valores referentes a 2002
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