BRF: a empresa ressaltou, ainda, que segue as normas e regulamentos relativos à produção e comercialização de seus produtos no Brasil e no exterior (Paulo Whitaker/Reuters)
Reuters
Publicado em 5 de março de 2018 às 16h06.
Última atualização em 5 de março de 2018 às 16h44.
Brasília — O ex-presidente da BRF Pedro de Andrade Faria atuou para impedir que o andamento de denúncias de fraude em exames laboratoriais feitas em ação trabalhista aberta pela ex-funcionária do grupo Adriana Marques de Carvalho, afirma o despacho do juiz André Wasilewski Duszczak que deu origem à nova fase da operação Carne Fraca deflagrada nesta segunda-feira.
Segundo representação feita pela Polícia Federal com base em informações de investigações e trocas de emails, Pedro Faria, após ter sido alertado pela advogada Rose Míriam Pelcanani das acusações feitas por Adriana, recomendou ao ex-vice-presidente da BRF Hélio Rubens dos Santos que tomasse medidas drásticas para proteger a empresa de possível apuração dos fatos reportados pela ex-funcionária.
Faria e Santos tiveram prisões temporárias decretadas pela Justiça na operação desta segunda-feira, que envolveu outras nove pessoas. Adriana teve mandado de condução coercitiva decretado.
A responsável pela garantia de qualidade da BRF, Fabianne Baldo, uma das pessoas que tiveram prisão temporária decretada, enviou em junho de 2014 um email para Adriana, que supervisionava o laboratório da BRF, com o assunto "Laudo Rússia" em que solicitava a ela que alterasse a geração de laudos de análises referentes a coxas e sobrecoxas.
Adriana respondeu a ela que foram feitas duas alterações em rastreabilidades e que iria modificar as demais. A supervisora, entretanto, também questiona a quantidade de laudos que estão sendo adulterados para esconder a contaminação de alimentos e para simular a rastreabilidade de produtos. "Está acontecendo MUITO esses pedidos de alteração de resultados", escreveu Adriana em e-mail interceptado no qual ela dizia haver o risco de serem "pegos na mentira".
A responsável pela área de qualidade da BRF então, responde assumindo implicitamente se tratar de uma prática corriqueira na empresa, e que vão tomar mais cuidado.
"A demonstração de que se trata de algo corriqueiro é o fato de os pedidos de adulteração serem feitos de forma coloquial, sem qualquer necessidade de explicação para a alteração, por exemplo: 'Meninas, podemos alterar para gerar laudo nas análises abaixo?'", descreveu o juiz, no despacho.
"Pedro, André (Luís Baldissera, diretor de operações da BRF em MG, GO e MT, que também teve prisão temporária decretada) e Helio ostentam posição privilegiada no organograma hierárquico da empresa, o que lhes permite, por sua ascendência aos demais funcionários, intimidar estes últimos, além de terem pleno acesso às provas, o que poderia ocasionar sua ocultação/destruição. Todos os três são superiores de Adriana, que relata ter sido pressionada por superiores para alterar resultados de análises laboratoriais", afirmou o magistrado, em um trecho das 136 páginas do documento que justificou a operação desta segunda-feira.
A ação da PF cumpriu 91 mandados judiciais em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás.
Ainda segundo o magistrado, Pedro Faria comentou com Santos que "sempre levamos bucha dos mesmos lugares", demonstrando, segundo a PF, lamento por histórico de problemas semelhantes na empresa.
Faria então recomendou, segundo o juiz, que a denúncia fosse estancada de qualquer maneira. "Por favor avalie algo drástico por lá", disse o ex-presidente da BRF, em comunicação interceptada pelas autoridades.
O então presidente da BRF também jamais questionou as condutas de Fabianne ou tomou qualquer atitude no sentido de informar os fiscais do Ministério da Agricultura sobre as alterações ocorridas nos laudos laboratoriais, segundo o juiz.
A BRF afirmou, em comunicado ao mercado, que "está se inteirando dos detalhes" da nova fase da operação Carne Fraca deflagrada nesta segunda-feira e que colabora com as investigações para esclarecer os fatos.
A empresa ressaltou, ainda, que segue as normas e regulamentos relativos à produção e comercialização de seus produtos no Brasil e no exterior.
Outra parte da operação deflagrada nesta segunda-feira identificou a ocultação da ocorrência da bactéria Salmonella pullorum em matrizes (animais reprodutores) da BRF, que é de notificação compulsórias às autoridades sanitárias. Essa prática, segundo a PF, levou ao abate irregular de aves contaminadas e sua ilegal destinação ao consumo, segundo as autoridades.
Essa descoberta partiu do depoimento da granjeira Cristianne Liberti que, em depoimento à polícia, acusou Délcio Luiz Goldoni, gerente agropecuário da BRF, de ter conhecimento da bactéria e não ter cumprido a legislação que determinava a notificação compulsória bem como nada fez para deter a comunicação, segundo o despacho do juiz. Goldoni também teve expedido mandado de prisão temporária.
Cristianne também acusou o gerente industrial da empresa, Luiz Augusto Fossati, responsável pela fábrica da BRF em Carambeí (PR), que recebeu aves contaminadas por Salmonella e permitiu seu abate para consumo. Fossati, segundo a investigação, também permitiu a reembalagem para venda de cortes de frango com porcentagem de água superior ao índice legalmente permitido e, movido pelo intuito de represália, articulou tentativa de tirar do trabalho um fiscal agropecuário federal que vinha autuando frequentemente a BRF em Carambeí por irregularidades. Fossati também foi alvo de mandado de prisão temporária na operação desta segunda-feira.