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Especialistas analisam o grupo Tata

Entrevistas traçam o perfil do maior grupo industrial da Índia e de seu principal dirigente, Ratan Tata

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

Confira, a seguir, entrevistas exclusivas sobre o Ratan Tata, dono do grupo Tata, e seus negócios.

"Tata ensinou os indianos a serem empreendedores"

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EXAME - Quando o senhor conheceu Ratan Tata?

Syamal Gupta (diretor da Tata Steel) - Eu conheci o Tata quando éramos jovens em Jamshedpur. Ele tinha uns 30 anos e fiquei muito impressionado com a sua simplicidade, sua humildade, sua visão, sua paixão pela tecnologia e a forma como lidava com os seres humanos. Hoje, na condição de chairman do grupo Tata e um dos executivos mais importantes e respeitados do mundo, a humildade dele continua a mesma ou talvez tenha aumentado. Ao encontrá-lo, a pessoa não acha que existe diferença. Pessoalmente, sou muito sortudo de ter o privilégio de trabalhar com ele por tantos anos. A sua paixão por pessoas, sua visão do futuro da tecnologia, seu desejo de melhorar a qualidade de vida dos indianos são impressionantes. Já encontrei muita gente no mundo todo, mas ele se destaca como o melhor empresário que já conheci.

EXAME - Ele é uma pessoa acessível?

Gupta - Se há uma emergência, qualquer pessoa pode procurá-lo no mesmo instante. É claro que ele passa muito tempo fora da empresa, está sempre viajando. Mas ele é acessível e está sempre lá para seus funcionários.

EXAME - Quais são as outras características que o senhor destacaria dele?

Gupta - Seu conhecimento de vários assuntos. Não importa se é aço, carros, eletrônicos. É impressionante. Uma vez, trouxe um grande especialista em biotecnologia do Japão para fazer uma apresentação na empresa e nosso chairman conversou com ele durante algum tempo. Mais tarde, o japonês me disse que não sabia que o Ratan Tata era especialista em biotecnologia. Eu respondi que ele também era um biotecnologista. Noutra ocasião, os executivos de uma grande empresa no ramo de aviação estavam conversando com Ratan Tata sobre o mercado. E é claro que o nosso chairman sabe muito sobre o assunto. Mais tarde, um deles me confidenciou: meu Deus, o Tata é um grande engenheiro de aviação, hein? Isso é o que as pessoas falam sobre ele. Seu conhecimento sobre os assuntos é impressionante. Tenho certeza de que ele conversaria tranqüilamente com você sobre jornalismo. Outra coisa é que a memória dele parece estar melhorando com o passar do tempo. Isso é um problema para a gente.

EXAME - E como é trabalhar com ele?

Gupta - Ele é muito trabalhador e exige muito dos seus funcionários. Mas ele não é do tipo que perde a cabeça ou xinga seus funcionários. Quando quer marcar uma reunião ou um encontro, ele costuma mandar cartas, escreve notas ou liga para seus funcionários. Mas o curioso é que ele não pede para a secretária fazer a ligação. Ele abre a agenda, passa a mão no telefone e faz a ligação ele mesmo.

EXAME - Ele costuma acordar seus funcionários com ligações?

Gupta - Às vezes ele faz isso. Mas normalmente não.

EXAME - Por que o senhor acha que ele é tão simples?

Gupta - Eu acho que é a criação que ele teve. Seu pai já era simples. Ele era muito decente.

EXAME - O senhor já foi à casa do Tata?

Gupta - Outro dia estava comentando isso com os meus amigos. Até bem pouco tempo atrás, o Tata morava num apartamento de dois quartos alugado. Hoje ele comprou isso. Mas o meu apartamento, que é pago pela Tata Steel, é maior do que o do meu chairman.

EXAME - É verdade que ele dirige o seu carro Indica?

Gupta - Sim. Às vezes ele vai ao escritório com ele.

EXAME - Quais são as maiores obras do grupo Tata para a sociedade?

Gupta - Eles já deram tanto para a sociedade. Mas a coisa mais importante é que eles ensinaram a indústria indiana a ter coragem e empreendedorismo. Isso foi quando eles montaram a Tata Steel, numa época em que o país ainda era controlado pelos ingleses. Ele deu aos indianos a confiança de que eles podem atingir seus objetivos. Outra coisa que eles ensinaram é que muito do que vem da sociedade deve voltar para ela. Essas coisas eram pouco comuns na Índia.

EXAME - O senhor vai levar a Tata Steel para o Brasil?

Gupta - Tenho certeza de que o presidente da empresa, que é a pessoa responsável pela internacionalização hoje, está de olho no Brasil. A empresa deve ir para o Brasil. Eles estão em busca de globalização.

EXAME - Quando foi que o Tata percebeu que deveria levar a empresa para o exterior?

Gupta - Ele sempre foi um homem muito globalizado, numa época em que não se viajava muito. Ele percebeu que existe um mercado global, oportunidades no mercado global. Ele percebeu que não poderia ficar restrito à Índia. Isso é coisa do passado. Hoje, uma empresa precisa ter uma presença global. Essa é a ordem do dia.

EXAME - Se uma empresa não for para o exterior, ela está morta?

Gupta - Também. Na Índia, se uma empresa não vai para o exterior ela não tem acesso ao mercado, não tem acesso a tecnologia. Quando o Tata começou a pensar em produzir um carro, todos aconselharam que ele deveria tentar uma joint venture. Não sei se ele te disse, mas naquela época ele disse que ia fazer sozinho. Naquela época, ele perdeu todos os amigos porque foi contra o conselho de todo mundo. Quando ele mostrou que estava certo, seus amigos voltaram.

TCS quer aumentar em 150% número de funcionários no Brasil

EXAME - Qual é a importância do novo prédio da TCS no crescimento da empresa?

N. Chandrasekaran (vice-presidente da TCS) - A empresa foi fundada em 1968 em Mumbai e o nosso prédio antigo não é bem aquilo de que gostaríamos. Considerando o tamanho da empresa hoje, a gente sempre quis levar o quartel-general corporativo para um outro lugar e que ele fosse nessa parte de Mumbai. Foi aí que este prédio, que era da Rallies, uma empresa parte do grupo, ficou disponível. Decidimos ocupar esse prédio e criamos esse novo e moderno quartel-general.

EXAME - Quanto tempo demorou a obra?

Chandra - Começamos a obra há quase dois anos. Este prédio é tombado pelo patrimônio histórico. Isso significa que toda reforma que for feita aqui tem que ser aprovada pelo governo e conduzida com muito cuidado. A parte de fora do prédio teve que ser mantida. O que mudou foi o interior. O prédio foi construído em 1922 e foi remodelado em 1966. Compramos o prédio em 2004.

EXAME - A TCS também está construindo um novo centro de desenvolvimento em Chennai. O que vai ser lá?

Chandra - A TCS está crescendo muito. Hoje temos 94.900 funcionários e contratamos quase 30.000 pessoas por ano. Precisamos de novos centros de desenvolvimento. É o que vamos fazer em Chennai. Lá, ficarão lotados cerca de 20.000 associados. Também estamos construindo novos campus em Pune e diferentes partes da Índia. Até mesmo no Brasil estamos construindo um novo escritório em Campinas, no interior de São Paulo. O novo prédio deve ser inaugurado em setembro. Ele terá capacidade para mais de 1.000 pessoas.

EXAME - A TCS é a maior fabricante de software da Ásia. Qual é o plano até 2010?

Chandra - O nosso plano é ser uma empresa que fatura 10 bilhões de dólares por ano e uma das 10 maiores do mundo.

EXAME - E quando vai ser a maior do mundo?

Chandra - Nosso objetivo é oferecer o melhor serviço de TI para clientes no mundo todo. Não temos o objetivo de ser a melhor do mundo.

EXAME - Em quantos países a TCS está hoje?

Chandra - Mais de 44.

EXAME - A empresa já teve problemas de cultura em diferentes países?

Chandra - Não problemas. Cada país tem suas características. Isso é aprendizado. A partir do momento em que expandimos nossas operações para diferentes partes do mundo e começamos a trabalhar com clientes em lugares diferentes, a gente tem que aprender a cultura local e as práticas de negócios desses países.

EXAME - Isso nunca atrapalhou os negócios da TCS?

Chandra - Cada país tem suas regulamentações e leis, e a partir do momento em que a empresa entende essas diferenças, ela está apta para operar e crescer. Isso não pode ser visto como um impedimento. A Índia tem suas próprias particularidades e sua cultura.

EXAME - Qual é a importância do Brasil para a TCS?

Chandra - O Brasil é um mercado fantástico. Para começo de conversa, faz parte do que os economistas chamam de BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), os países que têm as economias que mais crescem no mundo. Essas são economias muito importantes para qualquer empresa no mundo. O Brasil também tem muitas empresas nacionais que são muito grandes e muito talentosas. Os profissionais de TI são muito bons. É um ótimo mercado para a gente. O Brasil tem três dimensões muito importantes. Para começar, é uma economia efervescente e que oferece muito potencial para a TCS. O Brasil ainda está numa posição estratégica para servir o resto da América Latina. E para terminar, o Brasil é um lugar ótimo para servir alguns dos nossos clientes globais.

EXAME - Quais são os grandes projetos da TCS no Brasil?

Chandra - O nosso maior cliente é o Banco Real. Mas também trabalhamos com a Brasil Telecom, Unibanco e vários outros.

EXAME - E qual é a importância da América Latina?

Chandra - De novo, é um mercado muito importante para nós por vários motivos. Um é que a região é casa para empresas espanholas e portuguesas. Além disso, todas as empresas globais estão investindo de alguma forma na região. Nós estamos montando operações em todos os grandes países da América Latina, como Brasil (onde temos escritórios em São Paulo, Campinas e Brasília), Chile (Santiago), México (Guadalajara), Colômbia e outros. São grandes mercados e estamos presentes em todos eles. Também temos um centro de desenvolvimento no Uruguai.

EXAME - Quais são os planos para o Brasil?

Chandra - Hoje temos 1.600 pessoas no país. Até março do ano que vem queremos ultrapassar a marca de 2.000 pessoas. Nos próximos dois anos, teremos mais de 5.000 funcionários.

EXAME - A empresa está crescendo de forma orgânica?

Chandra - Puramente orgânica.

EXAME - Mas a TCS tem planos comprar outras empresas?

Chandra - Eu acredito que o nosso crescimento na América Latina será basicamente orgânica. A menos, é claro, que a gente enxergue alguma oportunidade muito boa.

EXAME - Nos próximos anos, novas empresas do grupo Tata devem chegar ao Brasil?

Chandra - Todas as empresas do grupo Tata têm aspirações globais, então elas estão de olho em oportunidades em todos os lugares. Do ponto de vista da TCS, fazia sentido ir para o Brasil e estamos muito satisfeitos com o resultado. Já conhecíamos o mercado brasileiro e podemos dividir essa experiência com outras empresas do grupo.

EXAME - Como a sua experiência na Índia ajuda a crescer no Brasil?

Chandra - Estranhamente, Índia e Brasil são muito parecidos. As pessoas são muito apaixonadas e as economias estão crescendo muito nos dois países. Também enfrentamos os mesmos problemas, seja na infra-estrutura ou ao abrir a economia. Alguns programas encontrados na Índia também podem ser encontrados no Brasil. Na Índia, a TCS fez muito trabalho no mercado financeiro, como criar soluções para bolsas de valores e bancos, e também para muitas instituições do governo. Todas essas experiências são muito importantes para a empresa no Brasil.

EXAME - A TCS é a maior empregadora da Índia. Como é gerenciar todas essas pessoas?

Chandra - São pessoas com muito estudo. A melhor forma de gerenciá-los é criar um ambiente onde eles podem usar todo seu potencial: como você os treina; que tipo de ecossistema você cria para que eles possam desenvolver suas idéias. Essa é a melhor maneira de gerenciá-los.

EXAME - Como é contratar tantas pessoas?

Chandra - A Índia tem um sistema educacional muito bom, com mais de um milhão de estudantes deixando as universidades por ano. Ainda tem um bom número de formandos para atender as necessidades das empresas indianas. Tem muito talento nesse país. Até no Brasil, a TCS tem um programa para trabalhar com universidades e ajudar a formar pessoas que futuramente vão trabalhar na empresa. São sete instituições com as quais temos essa parceria no Brasil.

EXAME - Há quanto tempo o senhor trabalha na TCS?

Chandra - Vinte anos. Comecei na empresa como um programador em 1987. Aí assumi diferentes papéis na empresa em vários países, como Estados Unidos, Estocolmo, Inglaterra. Em 1997, voltei e comecei a gerenciar um grande centro de desenvolvimento.

EXAME - O senhor é responsável por levar a TCS para o exterior?

Chandra - Sim.

EXAME - Como é trabalhar com o senhor Tata?

Chandra - É uma grande experiência. Esse grupo é conhecido pelos seus valores éticos e práticas de negócios. O senhor Tata tem guiado o grupo nos últimos 17 anos e é um grande grupo para trabalhar.

EXAME - O que o senhor Tata ensinou ao senhor nesses anos todos?

Chandra - Trabalhei mais diretamente com o senhor Ramadaryan. Ao observar o que eles fazem, acabo aprendendo muito. O que mais salta aos olhos são os valores e os padrões éticos, mas também a busca pela excelência.

EXAME - Quais são as grandes características do Tata?

Chandra - É uma pessoa muito simples e, ao mesmo tempo, é um estrategista muito forte para a empresa. E ele foi o responsável por colocar as empresas mais próximas umas das outras por meio do modelo de negócios Tata. Ele tem liderado o crescimento e a globalização do grupo. Todas as empresas hoje do grupo estão se transformando num negócio global. Se você olhar para o grupo, os lucros vindo de fora do país mudaram dramaticamente - especialmente por causa da Corus, Tata Motors, TCS e dos hotéis. O grupo está se globalizando.

EXAME - Qual é, na sua opinião, a maior conquista do Tata à frente do grupo?

Chandra - São muitas. Eu diria que o grupo hoje é mais agressivo do que antes. Ao mesmo tempo, mantém os valores e os padrões éticos. A transformação do grupo, que se virou um negócio global com essas características, é uma coisa impressionante.

Conheça a história do Grupo Tata

EXAME - O que fez o senhor se interessar pela história da família Tata?

Russi Lala (historiador da família Tata) - Num ambiente de corrupção e de interesses políticos, os Tata sempre conduziram seus negócios de forma correta. Eu acredito que um indivíduo que tem padrões morais pode afetar positivamente a vida de uma nação. A minha fascinação por alguém que fazia as coisas de forma diferente do que a maioria das pessoas na Índia fez com que eu estudasse a família. Em três oportunidades, Jamsetji Tata levou a Índia para um país desenvolvido. Ele era um homem muito viajado numa época em que poucas pessoas viajavam. Ele sempre quis produzir aço, mesmo quando era muito jovem. Em 1869, um filósofo inglês chamado Thomas Carlyle havia dito que a nação que tivesse o aço teria o ouro. Ao descobrir isso, ele levou amostras de carvão e aço para a Alemanha, porque os ingleses não queriam que a Índia produzisse essas coisas. O aço era muito bom, mas o carvão não era lá essas coisas. Então ele desistiu da idéia. Mas ele era tão persistente que manteve a idéia na cabeça. Quando os ingleses facilitaram as regras para produção de carvão e aço, ele foi procurar o secretário de estado da Índia e disse: "a primeira vez que pensei em produzir aço eu era jovem. Eu teria feito isso por minha ambição. Aos 60 anos, estou cansado. Não preciso de uma fábrica de aço porque Deus me deu tudo que preciso e mais um pouco. Se eu montar uma fábrica, será pelo bem da Índia. O senhor vai me ajudar?" Lord Hamilton, um homem muito correto, disse que ajudaria. Depois de dois anos, ele viajou para os Estados Unidos para que fosse à Índia para começar o negócio.

EXAME - Ele teve dificuldade para montar a fábrica de aço?

Lala - Muita. Naquela época havia elefantes e tigres na selva. De vez em quando, esses animais destruíam tudo o que havia sido feito até então. Imagina encontrar em baixo da sua mesa no escritório um grande tigre. Isso era muito comum. Eles tinham que fazer chá usando água com bicarbonato de sódio porque tudo lá era muito sujo.

EXAME - Quando foi isso?

Lala - Em 1902 ou 1903. Criar a fábrica de aço foi uma grande aventura. As pessoas diziam que não havia dinheiro suficiente na Índia para uma fábrica de aço. Mas por causa do sucesso do negócio de tecidos, que já era o mais lucrativo da Índia naquela época, as pessoas já tinham uma ótima impressão da família Tata. Quando ele foi à Inglaterra para levantar dinheiro para a construção da fábrica, ele não foi bem-sucedido. Então eles tentaram levantar dinheiro na Índia. De certa forma, a Tata Steel é a origem da indústria pesada na Índia. Mas eles tiveram problemas para chegar lá. Eles tiveram que importar todo o corpo técnico que trabalharia na fábrica. Naquela época, não havia gente qualificada para a função no país. Então eles montaram um instituto para formar seus funcionários.

EXAME - Qual é a origem do grupo Tata?

Lala - Como uma trading company. A empresa do pai de Jamsetji Tata vendia chá e ópio para a China em 1850. Naquela época, ópio era legal. O problema é que esse negócio não dava dinheiro. Eles começaram a fazer dinheiro quando o governo inglês contratou a empresa para fornecer produtos para os soldados do país que lutavam na Etiópia. Eles forneciam tudo que envolvia comida e roupas, menos armas. O exército inglês fazia grandes pedidos para um ano. Foi desse dinheiro que surgiu o grupo Tata. A princípio, eles fabricavam tecidos. Jampsetji tinha em mente ele gostaria de estudar o mercado de tecidos. Para isso, viajou para Manchester e Londres, e ficou lá durante cinco anos. É isso que marca o começo do grupo Tata.

EXAME - Como foi o começo da Tata Steel?

Lala - Quando o comissário para trens do governo inglês soube que os Tata gostariam de fazer trilhos de trem, ele disse que comeria todo quilo de aço que eles produzirem. E os Tata forneceram 1.500 milhas de trilhos para os ingleses. Se o inglês tivesse mantido sua promessa, ele teria uma grande indigestão.

EXAME - Quando o grupo Tata começou a expandir seus negócios?

Lala - No final da primeira guerra mundial, quando eles fizeram muito dinheiro. Naquela época, a fábrica de tecidos também ia muito bem. Esses eram os dois grandes negócios. Aí eles começaram a petrolífera, chamada Oil Mills, e uma grande seguradora que foi nacionalizada pelo governo em 1956. A Tata recebeu uma grande ajuda do governo indiano. Pela primeira vez, o governo inglês levantou uma barreira tarifária contra os produtos importados. E prometeram que iam comprar uma certa quantidade de trilhos. Veio o subsídio. Mesmo assim, a Tata Steel não dava lucro. Durante 13 anos, eles não deram lucros. Quando veio a segunda guerra mundial, eles se deram muito bem novamente. E teriam crescido muito mais, mas o primeiro ministro Neru tinha essa idéia de Estado Socialista. O grupo Tata teve um série de benefícios negados pelo governo e a empresa começou a ir mal.

EXAME - O senhor diria que a independência foi ruim para o grupo Tata?

Lala - Não, porque eles também queriam isso. Mas eles tiveram duas empresas estatizadas pelo governo. O que o então chairman do grupo, JRD Tata, sugeriu foi uma parceria entre o governo e a iniciativa privada. A Air Índia era uma empresa do grupo Tata, foi uma idéia de JRD Tata. O governo tinha 49% das ações da empresa, com opção de comprar mais. E os Tata tinham apenas 25%, mas gerenciavam o negócio. Mas eles criaram uma companhia aérea de primeira, cujo serviço não deixava a desejar para nenhuma companhia aérea do mundo.

EXAME - Uma das frustrações de Ratan Tata é não ter a companhia aérea que ele sempre quis. Por que ele não consegue isso?

Lala - Eles tentaram criar a empresa umas três vezes no começo dos anos 90. Era um período de instabilidade política, de mudanças políticas. Eles levantaram as mãos.

EXAME - Nos anos que se passaram depois da independência e pouco antes da abertura da economia do país, a companhia parou de crescer e entrou em declínio. Quão ruim foi esse período para a empresa?

Lala - Muito. Havia pouco dinheiro disponível. Para exportar, eles teriam que ter a capacidade de importar tecnologia também. Caso contrário não conseguiriam concorrer com os produtos de fora da Índia. Esses anos foram malucos. Muita restrição por todos os lados. No começo do livro The Creation of Wealth, eu digo que há aqueles que criam a riqueza. Outros, controlam a riqueza que outros criam. Estes não têm a capacidade de criação. Graças ao preconceito de Neru em relação à iniciativa privada, a quem chamava de trapaceiros. Ele tinha muito apreço pelos Tata, mas não poderia abrir uma exceção.

EXAME - No começo dos anos 90, o grupo começou a crescer.

Lala - Claro. Havia um ambiente propício para o crescimento. E o grupo começou a crescer principalmente por causa da Tata Steel. Até então, a empresa estava à beira da falência. Não havia saída. Entre 1992 e 2001, o então presidente transformou a Tata Steel na empresa com o melhor custo/benefício do mundo. Em 1981, Ratan Tata foi promovido a presidente da Tata Industries e isso era um sinal muito importante de que ele seria o sucessor do chairman. Um dia, ele me disse que, quando a mãe dele teve câncer, ele ficou dividido. Não sabia se deveria ficar ao lado da mãe ou se deveria tocar os negócios da empresa que havia acabado de assumir. E ele pensou consigo: mas mãe é uma só. Ele decidiu ficar ao lado da mãe durante três meses, enquanto ela estava sendo tratada, até ela morrer. Ele não tinha papéis, não ia ao escritório. Mas usou o tempo que ficou ao lado da mãe para traçar um plano para que o grupo voltasse a crescer. Porque ele se sacrificou, Deus deu a ele uma visão mais ampla do grupo. Isso, apesar de ele não estar trabalhando. Ele me disse que o que ele planejou nos anos 80, ele cumpriu nos anos 90.

EXAME - Como foi a preparação para que Ratan Tata assumisse o controle do grupo todo?

Lala - Curiosamente, ele sempre assumiu as empresas mais complicadas, as que estavam em pior situação no grupo. Isso serviu como um bom desafio para ele. Acredito que JRD Tata estava treinando o Tata desde então. Se ele conseguisse lidar com as dificuldades, ele conseguiria lidar também com o sucesso.

EXAME - Qual será o maior legado de Tata quando ele deixar o cargo?

Lala - A preocupação dele com os valores, num mundo em que isso é cada vez mais raro. Mas as pessoas vão lembrá-lo mais pela expansão dos negócios, pela globalização. Os Tata tiveram muita sorte de encontrar alguém como ele.

Segredo de Tata foi se concentrar na escala dos negócios

EXAME - Qual é a importância do grupo Tata para a Índia?

Rajeev Gupta (consultor do Carlyle Group) - Eu acho que a importância mais óbvia é que o grupo Tata é o maior conglomerado da Índia e tem negócios em várias indústrias. Mais do que isso, a coisa mais importante em relação ao grupo Tata é que eles não são apenas líderes em vários mercados onde atuam, mas também são líderes em valores morais e ética. Isso é algo que todo mundo reconhece. Acho que você percebeu isso durante sua visita à Índia. O grupo Tata é muito respeitado no país, não só por parte dos empresários ou governo, mas também pelas pessoas nas ruas. Todo mundo tem um grande respeito pelo grupo Tata por causa dessa preocupação com a ética e os valores morais. Isso é algo muito pouco comum. Em países do Leste Europeu, normalmente o sucesso nos negócios está associado a métodos questionáveis. O grupo Tata é uma exceção à regra. Eles são um modelo a ser seguido pelas empresas indianas e pelos negócios em geral nos países emergentes.

EXAME - O senhor diria que a preocupação com os valores morais e éticos é uma coisa do grupo Tata ou todos os grupos indianos estão atentos a isso?

Gupta - A Índia tem apenas 60 anos de independência. O país tem vários exemplos de negócios que foram bem-sucedidos usando métodos que não são os mais corretos ou que se tenha orgulho. Mas o grupo Tata tem essa preocupação desde que foi criado, há mais de 100 anos. Eles se agarraram a uma prática de negócios e um tipo de probidade no mundo dos negócios. Isso é muito difícil de acontecer. Não apenas por causa da consistência com que eles têm preservado esses valores nos últimos anos, mas também porque mantiveram os valores em momentos muito difíceis da empresa. Não seria correto dizer que o grupo Tata é o único da Índia preocupado com essas questões. Mas acho que, além do tamanho, do sucesso e do tempo que eles estão nos negócios, diria que eles representam um conglomerado com valores morais e éticos.

EXAME - Quando Ratan Tata assumiu o grupo, no começo dos anos 90, a empresa ia mal das pernas. Qual é a importância dele para a virada nos negócios?

Gupta - Mais do que tudo, o Tata se beneficiou com a liberalização da economia indiana. Parte disso é porque, durante a era socialista que eles atravessaram, a proximidade com o governo era muito importante. A habilidade de fechar negócios com o governo era muito importante para o sucesso. E isso não é algo que os Tata são muito bons. Quando a economia começou a abrir novamente, o Tata se beneficiou disso. Além disso, o que o Tata fez foi entender que cada um dos negócios do grupo tinha que ter uma penetração muito grande no mercado, ao contrário do que acontecia antes. Quando ele assumiu, durante dez anos, ele se preocupou em fazer com que cada uma das empresas aumentasse sua participação no mercado. Ele começou a dar escala ao negócio. Esse é, na minha opinião, o fator mais importante do seu sucesso à frente do grupo Tata. Ele fez isso de uma forma e numa escala sem precedentes na Índia. Nenhuma outra pessoa ou grupo conseguiria dar a um grupo já existente essa escala que ele deu ao grupo Tata. Ele não quis diversificar os negócios, e sim aumentar a participação deles no mercado.

EXAME - É por isso que ele decidiu abandonar alguns negócios quando ele assumiu o cargo?

Gupta - De todos os grupos de negócios na Índia, o que tem a maior capacidade de redesenhar um portfólio e determinar onde investir é o grupo Tata. Eles têm sido os mais ativos em investimentos e na compra de negócios. Então é normal que eles abandonassem alguns negócios e comprassem outros. Isso fez parte de um processo para o grupo crescer e ter mais escala. Algumas das indústrias onde eles atuam são muito competitivas. Por outras vezes, eles saíram de um mercado onde não tinham chance de ir bem. Acho que ele perseguiu um modelo de negócios que criasse um portfólio de negócios que têm liderança na Índia.

EXAME - O senhor diria que o Tata já cometeu algum grande erro à frente do grupo?

Gupta - Ao contrário. Numa determinada época, dizia-se que o aço não era um bom negócio. Contra tudo e contra todos, ele seguiu os instintos e manteve a Tata Steel. E ele provou que estava certo. A Tata Steel é um dos negócios mais lucrativos do grupo. Ele também se guiava pelo fato de a empresa ser tão competitiva em preço que ele pensou que havia pouca chance de se dar mal. Eles têm o menor custo de produção de aço do mundo, no máximo têm o segundo menor preço. Hoje, a lucratividade do aço é tão grande que se tornou uma fonte importante de cash flow para o grupo. E ele tem usado esse cash flow para comprar a Corus na Europa e fazer com que a Tata Steel seja a quinta maior empresa do mundo. Acho que ele segue muito seus instintos. Mas também sei que ele analisa muito bem os mercados e por isso sabe muito bem qual é o melhor momento para vender ou comprar uma empresa. De uma coisa não tenho dúvida: ele é muito competente em definir estratégias de negócios.

EXAME - Mas o senhor diria que ele nunca cometeu um erro à frente do negócio?

Gupta - Não que eu me lembre. Pelo menos até hoje ele não cometeu nenhum erro que fosse muito óbvio. O que ele mostrou nos últimos quatro, cinco anos, é que eles estão sendo muito cuidadosos com os investimentos. Mas quando alguma oportunidade aparece e é viável para o grupo, eles são muito agressivos. A estratégia por trás dos hotéis é um bom exemplo. Há cinco anos, eles ficaram sabendo que as cadeias de hotéis internacionais conhecidas dos turistas estavam começando a investir na Índia. Em resposta a isso, eles começaram a ganhar presença em alguns lugares do mundo, ao comprar hotéis conhecidos. Diria que eles mostraram muita coragem e determinação ao perseguir suas convicções do que é o melhor para o grupo.

EXAME - Quando foi que o Tata percebeu que ele tinha de levar o grupo para o exterior?

Gupta - A razão pela qual algumas das empresas têm que se internacionalizar é porque, em muitos casos, eles têm uma participação tão grande no mercado que a única forma de crescer é no exterior. Um exemplo é o mercado de caminhões. A Tata tem dois terços do mercado de caminhões de grande porte. Se a empresa quer crescer, ela tem que comprar alguma coisa no exterior. Porque não é fácil aumentar o market share para mais de dois terços que o grupo já tem. A mesma coisa acontece no aço. A participação da Tata Steel não era muito grande como nos caminhões, mas era grande no mercado privado. Se eles quisessem crescer eles teriam que comprar alguma empresa no exterior. Eu diria que, em muitos negócios, depois que a liderança da empresa foi consolidada com a abertura dos mercados, eles tinham que comprar no exterior. Ou então, eles teriam que crescer na mesma velocidade que a economia indiana.

EXAME - É correto dizer que o mercado indiano ficou pequeno para o grupo Tata?

Gupta - Não. Ao conquistar a liderança em tantos mercados, eles não tinham outra opção a não ser ir para o exterior. Quando uma empresa tem um market share tão alto, não dá para crescer de forma significativa, só dá para crescer junto com o mercado. E isso não é o suficiente. Quando se tem um bom volume de cash flow e a liderança do mercado, é preciso buscar oportunidades no exterior.

EXAME - Empresas de países emergentes estão comprando empresas de nações desenvolvidas, como Estados Unidos e Inglaterra. O que explica esse novo fenômeno?

Gupta - É preciso lembrar que isso não está acontecendo em todas as empresas em nem com todos os grupos. Eu diria que o fato determinante que leva uma empresa ao exterior é descobrir que possui uma participação muito grande no mercado doméstico. Outro fator é quando o cash flow é estável e quando se é competitivo no mercado doméstico. A combinação desses fatores faz com que a empresa tente crescer no exterior. Uma empresa não faz isso quando esses três fatores não estão estabelecidos. As empresas indianas que estão indo para o exterior obedecem esses critérios. O mesmo acontece com as chinesas. Eu acho que esse é o critério determinante para uma empresa buscar o mercado externo. Mas isso não acontece em todos os setores da Índia. E nem todas empresas estão aptas para isso. Nem todas as empresas em todos os setores são candidatas a crescer no exterior. Isso acontece na China e na Índia.

EXAME - Quais são as empresas e os setores mais propícios a ir para o exterior?

Gupta - No setor que você encontrar empresas líderes que tenham uma grande participação no mercado. E sempre que elas são competitivas em custo no mercado e quando o retorno de equity é grande em comparação ao que o acionista espera. Essas são as candidatas que você vai encontrar procurando oportunidades no exterior.

EXAME - O senhor acredita que estamos assistindo a uma mudança no eixo econômico do mundo?

Gupta - Acho muito cedo para afirmar isso. Acho que o tamanho do Ocidente ainda é muito grande. Estamos assistindo ao começo da movimentação de algumas empresas de países emergentes. Será um longo processo. Não vai ser fácil para uma empresa de um país emergente crescer rapidamente e chegar ao tamanho e à escala de algumas multinacionais do Ocidente. Nos próximos dez anos, as empresas vão chegar nesse patamar. Mas é provavelmente errado dizer que já existe uma mudança no eixo do poder econômico. Isso é apenas o começo de um processo.

EXAME - O senhor diria que vamos ver mais aquisições como essas no futuro próximo?

Gupta - Sim. As empresas dos países emergentes são cada vez mais competitivas, o cash flow delas é cada vez maior e estável, o equity é cada vez maior. Por causa disso, a capacidade de crescimento delas é muito maior e elas vão buscar oportunidades no exterior. Esse fenômeno vai continuar crescendo nos países emergentes.

EXAME - Por que a Índia possui tantos conglomerados de empresas que atuam em diferentes mercados?

Gupta - Temos muitas empresas na Índia por causa do perfil empreendedor dos indianos. Os indianos são muito empreendedores por instinto. Eles têm essa coisa de começar um negócio e isso se reflete no setor privado, que tem um número muito grande de empresas. Se você me perguntar por que temos empresas que participam em vários mercados, o motivo é que durante muito tempo o número de empresas na iniciativa privada na Índia era muito limitado. Por isso, elas entravam em vários mercados ao mesmo tempo. Nos últimos 15 anos, aumentou o número de mercados em que a iniciativa privada pode participar. Isso levou a uma onda de fusões e aquisições e consolidação.

Mundo será comandado por EUA, China e Índia

EXAME - O que está por trás da mudança no poder econômico do mundo?

Robyn Meredith (jornalista daForbese autora do livroO Elefante e o Dragão, o crescimento da Índia e da China e o que isso significa para nós) - A longo prazo, estamos caminhando para um país tripolar. Hoje, os Estados Unidos estão tão à frente em termos econômicos e militares, que devem continuar na frente no futuro. Mas a China e a Índia estão crescendo tão rapidamente que é muito provável que, em alguns anos, teremos três superpotências no mundo: Estados Unidos, China e Índia. É claro que isso não vai acontecer da noite para o dia; vai demorar várias décadas.

EXAME - Mas o que está levando a isso?

Meredith - O crescimento econômico desses dois países é muito grande. No caso da China, isso vem acontecendo há mais de 25 anos. Em 1978, o país começou a abrir sua economia para o mundo. O que estamos vendo são dois gigantes abraçando a globalização e o capitalismo ao mesmo tempo. Cada um desses países tem mais de 1 bilhão de habitantes e isso é uma grande mudança na economia global. Na verdade, não assistimos a uma mudança tão grande como essa desde que os Estados Unidos entraram para o cenário econômico no século 19.

EXAME - Os mercados indiano e chinês ficaram pequenos para empresas como a Lenovo e a Tata?

Meredith - Muitas empresas chinesas ignoram o mercado indiano porque os mercados americano e europeu são muito maiores hoje. No caso dos indianos, muitas empresas já tentaram entrar no mercado chinês, mas encontram dificuldades. O que vejo é que as multinacionais, não importa de onde sejam, estão começando a iniciar operações na Índia e na China e depois ligam essas operações com seu país natal. E isso é muito poderoso. Hoje, porque as empresas chinesas e indianas não estão se beneficiando das sinergias, isso não quer dizer que o processo não esteja acontecendo. Um exemplo: o iPod foi inventado por uma pequena empresa em Hyderabad, na Índia. O cérebro do aparelho foi criado por uma pequena empresa chamada Portal Player. Eles venderam essa tecnologia para a Apple, que disse "uau, podemos fazer esse aparelho incrível com isso, vendê-lo para o mundo todo e revolucionar o jeito que as empresas ouvem música". Mas a Apple não tem nenhuma fábrica para fazer os seus produtos. Eles têm uma equipe de designers muito bons nos Estados Unidos, têm um ótimo departamento de marketing e uma rede muito boa de distribuição. Mas eles não inventaram o produto, os iPods são fabricados numa empresa em Taiwan e na China e são vendidos no mundo todo. Para mim, o iPod é o maior exemplo do negócio global que vivemos hoje. Ele se beneficia de uma forma muito eficiente dos recursos disponíveis no mundo todo: a capacidade intelectual da Índia, as fábricas na China que produzem o aparelho e o marketing americano, que faz com que o produto seja um tremendo sucesso. Esse é um exemplo do porquê a China e a Índia vão ser muito importantes no futuro.

EXAME - Empresas como a Lenovo e a Tata estão comprando empresas no exterior. Por que essas companhias estão se internacionalizando?

Meredith - Por razões diferentes. No caso da China, e a compra da IBM pela Lenovo é um bom exemplo, o grande diferencial é o preço da produção. O problema é que eles não são especialistas e não têm tradição em marcas. O que empresas chinesas querem comprar são marcas no exterior. Faz sentido, porque se essas empresas compram uma marca forte no exterior que podem usar em seus produtos baratos nesses mercados, de certa forma é bom para os dois lados. Os chineses não precisam aprender como criar uma marca forte. As empresas indianas compram empresas no exterior porque elas são fortes e têm muito dinheiro em caixa. Os chineses, em geral, têm uma gerência muito fraca. Já os indianos não. O problema é que, durante muitos anos, os indianos foram proibidos de comprar no exterior. Hoje eles têm essa oportunidade. Os Tata, por exemplo, são uma grande multinacional. Eles podem comprar qualquer empresa no exterior, até uma General Electric ou uma Philips da vida. Uma coisa interessante da Índia é que, neste ano fiscal, será o primeiro em que a Índia tem mais investimento saindo do que entrando no país. Outro motivo que faz com que os indianos saiam do país é que a Índia não é um lugar muito bom na hora de produzir em indústrias que não sejam a de tecnologia da informação. Mas essa área não requer um grande investimento estrangeiro na forma de fábricas e linhas de produção.

EXAME - Que tipo de investimento China e Índia recebem?

Meredith - A Índia atrai muitas empresas de serviços, como TI. Já a China tem a reputação de chão-de-fábrica do mundo. Muitas empresas estrangeiras já abriram uma fábrica na China, fizeram parcerias com empresas locais ou até contratam empresas locais para produzir seus produtos.

EXAME - Existe um setor onde essas compras são mais freqüentes ou elas acontecem onde existem oportunidades?

Meredith - Não vejo um padrão, com a exceção de petróleo. E isso não é bem aquisição. A China tem sido mais bem-sucedida em fechar negócios com petróleo na África. A China precisa muito de recursos naturais de todas as sortes, até mesmo comida. A exportação de soja para a China aumentou muito nos últimos anos.

EXAME - Esse número de aquisições deve aumentar ainda mais nos próximos anos?

Meredith - Claro. À medida em que o país onde elas estão localizadas fica mais rico, elas têm mais capacidade de fazer compras. Isso vai acontecer em todos os países emergentes, não só a China e a Índia. As empresas de países cujas economias estão crescendo, incluindo o Brasil e a Rússia, vão começar a fazer compras no exterior. O outro fator que é muito grande é o preço do petróleo. Com a alta do produto, muitos países ficam ricos e têm a oportunidade de comprar no exterior. A Rússia é um bom exemplo. Uma outra coisa que pode surgir disso são inovações. As empresas indianas, em particular, são muitos boas em atingir a base da pirâmide social. E esses produtos têm mercado em vários lugares do mundo. Até agora, os países ricos, como Estados Unidos, Europa e Japão, não são bons em desenvolver esses tipos de produtos porque eles não precisam deles no mercado interno. O resultado é que a gente vai ver uma série de inovações nos próximos anos. São oportunidades que estão baseados nesse modelo de negócio.

EXAME - É o caso do carro da Tata que vai custar 2.500 dólares?

Meredith - Acho que sim. Mas ele não é tão voltado para a base da pirâmide. É muito barato para um carro, mas ainda é um carro. Estava me referindo a exemplos para pessoas muito pobres. Os preços são muito baixos e podem ser vendidos em todos os países emergentes. Nesses lugares, existe uma grande demanda por produtos essenciais e que ainda são muito caros para a maioria das pessoas. É o caso de xampu. Parece uma coisa simples, mas muita gente não pode comprar um xampu no supermercado. Na Índia, a Procter&Gamble e alguns competidores começaram a vender pacotes pequenos de uma dose de xampu. A camada mais baixa da população pode comprar esses produtos para uma ocasião especial, como um casamento. Eles podem comprar essa quantidade pequena, mas não a garrafa toda de xampu. Nos países ricos, as empresas vendem 80% de seus produtos para 20% dos clientes.

EXAME - Quais são as principais características dessas empresas de países emergentes?

Meredith - Vejo mais diferenças entre as empresas chinesas e as indianas. Mas não sou expert em companhias de todo o mundo. Na China, elas estão mais voltadas para a produção. Na Índia elas são mais backoffice.

EXAME - E como as empresas se diferem das multinacionais de países ricos?

Meredith - No caso da China, o trabalho é tão barato que normalmente eles empregam funcionários em vez de maquinário. Uma coisa que seria feita por robôs nos Estados Unidos é feito por 50 funcionários na China. Às vezes, a mesma coisa acontece na Índia. Quando as pessoas ligam para uma empresa americana, é um sistema eletrônico que atende a ligação. Na Índia, uma pessoa ainda faz isso e por um custo muito mais baixo. A desvantagem das empresas indianas é que elas sofrem com o problema da infra-estrutura precária. E isso tem um impacto no preço final do produto. É por isso que existem mais serviços na Índia do que fábricas. As fábricas precisam de boas estradas e portos para poder funcionar. Já os serviços, com satélites e cabos de alta velocidade que atravessam os oceanos, não importa se a infra-estrutura é boa ou não.

EXAME - O fato de multinacionais de países emergentes terem sido criadas em condições adversas ajuda a se dar bem no exterior?

Meredith - As empresas indianas enfrentam uma série de obstáculos, como a regulamentação do governo e o problema com a infra-estrutura do país. Se uma empresa indiana comprar uma empresa na China, ela teria problemas de regulamentação, mas não de infra-estrutura. Se comprasse nos Estados Unidos, teria menos problemas nas duas áreas. De certa forma, se elas foram tão bem-sucedidas num mercado tão complicado como a Índia, podem ser bem-sucedidas em qualquer lugar. Não diria que o mesmo acontece na China. Lá, o ambiente não é tão difícil quanto na Índia. Os chineses têm problema para se acostumar com o funcionamento de governos não-comunistas fora do país. É claro que isso muda de um país para outro, mas o que você falou sobre a Índia é certo. Se uma empresa se dá bem no mercado indiano, ela pode se dar bem em qualquer lugar do mundo.

EXAME - Existe um lado ruim nessa mudança no eixo econômico do mundo?

Meredith - Claro. O grande problema é no mercado de trabalho. Nos países ricos, a tendência é que as pessoas percam seus empregos. É verdade que, em países emergentes, as pessoas estão ganhando empregos. Nos anos 90, 200 milhões de pessoas na Índia e na China saíram da pobreza absoluta como resultado do desenvolvimento desses países. Isso é maravilhoso. O problema é que um grande número de empregos foi perdido nos Estados Unidos e na Europa. Mas isso não quer dizer que essas mudanças têm que parar. Significa que eles precisam se ajustar ao mundo novo.

EXAME - E como eles podem se adaptar?

Meredith - Eles precisam de mais educação, precisam subir um degrau na cadeia de valor, porque os trabalhos braçais vão ser levados para os países asiáticos. Não só os Estados Unidos, mas o mundo todo viu o exemplo da Índia e da China na criação de empregos. Há 20 anos, ninguém acreditava que a China seria uma potência econômica. Mas o governo chinês usou essa combinação estranha de economia planejada e capitalismo. E eles foram capazes de fazer a economia do país crescer tão rapidamente que todo mundo deveria se perguntar o que os chineses fizeram que poderia ser usado como modelo para seus países. Existem alguns elementos do que a China fez que muitos países poderiam copiar. É o caso da criação maciça de empregos. O governo chinês é obcecado pela criação de novos empregos.

EXAME - Qual é a diferença entre os executivos indianos e chineses e seus pares ocidentais?

Meredith - Empresários chineses são respeitados quando são muito bem-sucedidos e ricos. É assim que um chinês mede o outro nos dias de hoje. Ninguém na China pergunta muito sobre como eles se tornaram ricos, já que há apenas três décadas, quase todo mundo na China era um camponês. Na Índia, os negócios eram geralmente suspeitos, devido ao passado socialista do país. Empresários estrangeiros são especialmente suspeitos devido ao colonialismo. Os indianos temem que a próxima British East India Company venha e tire vantagem deles. Isso está mudando, mas não é do dia para a noite.

EXAME - Na sua opinião, o que faz de Ratan Tata o empresário mais poderoso da Índia? E com quem é possível compará-lo no mundo ocidental?

Meredith - Como eu digo no livro, ele é um dos mais respeitados empresários da Índia -- um misto de Jack Welch e Warren Buffet em um só homem. O que eu acredito que faça dele alguém tão interessante é que ele está sempre à frente de seu tempo em uma terra que pode parecer anacrônica: ele aplicou seu benchmarking com o estilo ocidental à gestão de sua companhia, quando ninguém nunca havia ouvido falar disso na Índia, e recuperou os negócios que então estavam em um momento ruim -- como a Tata Steel, que hoje é muito forte e até comprou a antiga British Steel, a Corus. Ele representa a vanguarda das companhias indianas que se tornam globais -- Tata comprou a inglesa Tetley Teas, mais a Corus, e ainda considera comprar a Jaguar. Há outras transações menores também nos últimos cinco anos. Ele é respeitado por isso. Além disso, Tata e sua empresa gozam de uma reputação por absoluta integridade em um país que isso pode ser uma raridade, e ele é respeitado por isso também.

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