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CSN, Camargo ou Votorantim. Quem leva a Cimpor?

Veja o que muda no setor de cimentos caso uma das empresas brasileiras feche negócio com a companhia portuguesa

Desde 2007, setor de cimento cresceu cerca de 40%. A expectativa é que, com novas consolidações, o mercado se desenvolva ainda mais nos próximos anos (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Desde quando o matemático húngaro John von Neumann conheceu a lógica do jogo de pôquer, ele notou certa semelhança com o mundo dos negócios. Os óculos de sol e o boné, para esconder qualquer expressão reveladora, indicam que o resultado de qualquer jogador depende não só do que ele faz mas também de como os adversários reagem. Essa sacada de Neumann provocou uma revolução nas ciências econômicas. Vira e mexe, a chamada Teoria dos Jogos está presente em produções de Hollywood, na hora de pagar a conta do bar e, vá lá, em operações de fusões e aquisições.

No começo de 2010, o setor de cimento no Brasil protagonizou um jogo disputadíssimo, do qual três dos maiores grupos empresariais brasileiros resolveram participar. Quem deu as cartas na primeira rodada de negociações foi a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que ofereceu 3,68 bilhões de euros pela cimenteira portuguesa Cimpor. A décima maior empresa do mundo recusou a proposta hostil de Benjamin Steinbruch. "Tendo analisado cuidadosamente aqueles documentos, o Conselho entende que a oferta subavalia significativamente a empresa e não representa o melhor interesse dos seus acionistas", diz o comunicado da companhia de Portugal.

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Diante desse tabuleiro de negociações, surgem algumas dúvidas. O que mudará no mercado de cimento no Brasil? Se a Cimpor vender parte de suas ações para uma das empresas brasileiras, há possibilidades de nascer um novo líder? Quais serão as restrições impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)? E o que o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) tem a ver com isso? (Continua)

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CSN + Cimpor

Pode ser hostil ou arrojada demais, mas a oferta de compra total da Cimpor confirma o interesse de Benjamin Steinbruch de internacionalizar a CSN. Em 2007, a companhia disputou a anglo-holandesa Corus, na tentativa de se tornar a quinta maior empresa mundial no setor. Porém, perdeu o leilão para a indiana Tata Steel. O mesmo ocorreu quando tentou incorporar a colombiana Acerías Paz Del Rio, que ficou nas mãos da Votorantim. "Dessa vez, a CSN não deixará a Votorantim vencer essa disputa. Steinbruch tem perfil agressivo. Ele não vai querer ficar com uma imagem de péssimo articulador. Isso pode até prejudicá-lo em negociações futuras", diz um analista do setor.

Tradicional no ramo de siderurgia e minério, a companhia estreou no setor de cimento no ano passado. No momento, a empresa está fora do G4 do mercado, sendo classificada nas estatísticas junto ao grupo dos "outros fabricantes". A expectativa de Steinbruch é de que até 2011 sejam produzidas 3,5 milhões de toneladas de cimento - o que ainda seria insuficiente para torná-la umas das grandes do setor. No entanto, caso a Cimpor seja incorporada pela CSN, a companhia brasileira passaria a Camargo Corrêa e assumiria a terceira posição no mercado, com quase 9,7% de participação, permanecendo atrás da João Santos e da Votorantim, segundo estimativas de especialistas. "Comprar a Cimpor com uma oferta tão elevada não seria benéfico para a CSN porque falta experiência para a companhia brasileira no setor de cimento", afirma o analista Marcelo Varejão, da corretora Socopa.

O que pode ser favorável à CSN é a briga travada entre os sócios da Cimpor. Uma fonte de Portugal conta que o conselho da cimenteira dificilmente chega a um consenso nas decisões ligadas à companhia. Nos últimos meses, a Lafarge, dona de 17,3% das ações, e o grupo Teixeira Duarte, com 22,9%, têm trocado diversas farpas em público. A empresa francesa tentou se aliar a outro sócio, Manuel Filho (Investifino), que tem 10,7% da fatia total, para tentar assumir a gestão da empresa. A manobra foi vetada pelo sócio Teixeira Duarte. "Essa instabilidade na governança permite que Steinbruch negocie com as insatisfeitas Lafarge e Investifino, com a intenção de encurralar a Cimpor", diz um executivo de Lisboa. O maior desafio de fechar esse negócio será convencer o ufanismo português da capacidade de gestão brasileira - e, é claro, aumentar o valor da oferta.

Camargo + Cimpor

Do ponto de vista nacionalista, a Cimpor prefere muito mais um sócio minoritário para fazer uma aliança estratégica de crescimento do que uma incorporadora hostil como a CSN. O idioma comum e as relações diplomáticas entre Brasil e Portugal podem facilitar no desfecho das negociações. Mas o fator determinante é, sem dúvida, o cenário econômico do Brasil, atraente para o desenvolvimento do setor de construção civil nos próximos anos. O país terá dois mega-eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas), oportunidades únicas para a expansão. "Os portugueses estão focados no mercado emergente. E o Brasil é o principal da mira", diz o analista Leonardo Alves, da corretora Link Investimentos.

A Cimpor tem forte penetração na região Nordeste, onde atua como a terceira maior produtora de cimento. Portanto, fechar um acordo estratégico com a empresa portuguesa ajudaria a Camargo Corrêa a aumentar a sua participação naquela região. Além disso, com a aquisição de 15% a 25% das ações de sua concorrente, a empresa brasileira cresceria cerca de 2%, colando na traseira da vice-líder João Santos (Grupo Nassau), que detém 12,5% do segmento no Brasil. "Dependendo das sinergias da fusão, a Camargo pode se tornar vice-líder no Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul", calcula Alves. "O segundo objetivo da Camargo Corrêa com essa fusão seria o de crescer no exterior, com enfoque nos mercados emergentes como China e Índia, onde a Cimpor já tem operações", completa o analista. (Continua)

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Votorantim + Cimpor

Se houver, de fato, uma oferta oficial do grupo Votorantim, será a oportunidade dos Ermírios de Moraes de ter a revanche contra o empresário Benjamin Steinbruch. Em 1997, o atual presidente da CSN levou a melhor no leilão de privatização da Vale, que hoje é a maior empresa privada brasileira. Muita coisa mudou desde então. Steinbruch nem faz mais parte do bloco de controle da mineradora. Mas a afinidade entre os grupos Votorantim e Camargo Corrêa, sócios em diversos negócios, continua muito maior do que a boa vontade com Steinbruch.

O grande problema para a Votorantim é a complexidade da operação. Caso haja uma fusão, a Votorantim Cimentos deteria quase 45% do mercado. Só que, para manter essa participação, teria de reorganizar o posicionamento geográfico de suas unidades para se adequar às leis de defesa da concorrência. Dono de 41% das vendas do setor, o grupo liderado pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes está presente em todas as regiões do Brasil. A maior empresa de cimento da América Latina só perde a liderança num único lugar: no Norte, onde possui apenas 6,5% de participação. Lá, a líder é a tradicional João Santos, dona de 93,5% do segmento.

Só no Nordeste, com a transação realizada, a maior cimenteira brasileira teria cerca de 50% de participação. "É preciso fazer uma análise detalhada da localização das fábricas e da presença de outros produtores no local, mas é evidente que há chances de haver concentração relevante na região com uma possível aliança estratégica entre Votorantim e Cimpor", afirma um advogado, ex-funcionário da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). Essa concentração é ótima para a Votorantim, que, de quebra, evitaria a entrada de um novo grande concorrente no setor, a CSN. Mas, como não é tão boa para o consumidor, é possível que haja restrições do governo.

Cade + BNDES

A disputa entre as empresas brasileiras retomou alguns questionamentos sobre a distribuição no mercado brasileiro de cimento. Para avaliar possíveis concentrações de mercado, o Cade estabelece um raio padrão de 400 a 500 quilômetros de distância entre as unidades produtoras. Mas, nesse segmento, essa medida é um tanto complicada. O produto depende do frete e, portanto, não pode percorrer grandes distâncias entre fábrica e consumidor, o que costuma danificar o material. "O ideal seria avaliar se existem concorrentes locais e se há competitividade entre eles", diz um advogado. "Só depois disso, poderá dizer se o negócio trará impactos negativos para a competitividade no setor", acrescenta.

Prevendo para os próximos anos uma onda de fusões e aquisições para o setor de cimento, como a que tomou conta dos anos 90, o Cade torce para que haja a entrada de novos competidores no mercado nacional como forma de aumentar a competitividade. Apesar da forte retração de 2000 e 2005, o segmento se tornou muito atrativo para investidores. Nos últimos três anos, o mercado cresceu cerca de 40% com mais de 50 milhões de toneladas produzidas. No fim de 2009, o órgão regulador aprovou sem restrições a renovação de um contrato de colaboração de fornecimentos entre a CSN e a Votorantim. No parecer, o relator constatava que a iniciativa era "pró-competitiva" porque colaborava com a atuação da novata CSN.

Para financiar as fusões e aquisições desse setor, as empresas poderão recorrer ao BNDES. No caso da Cimpor, tanto a CSN como a Camargo Corrêa já estudam levantar recursos com a instituição. O presidente da entidade, Luciano Coutinho, tem se mostrado receptivo a transações que envolvem companhias internacionais. Ele tem estimulado os empresários a fechar negócios enquanto o câmbio, o mercado financeiro e o ritmo de internacionalização são favoráveis aos investidores brasileiros. Não à toa, CSN, Camargo Corrêa e Votorantim levaram em conta a dica de Coutinho.

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