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“Corrupção na Odebrecht é a mais organizada da história do capitalismo”

Para Transparência Internacional, esquema da Odebrecht não tem paralelo no mundo. Em entrevista, diretor diz que criminosos deveriam ser banidos da empresa.

Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil (Transparência Internacional/Divulgação)

Mariana Desidério

Publicado em 20 de setembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 21 de setembro de 2018 às 10h18.

São Paulo – Que o esquema de corrupção da construtora brasileira Odebrecht é enorme todo mundo já sabe. O escândalo veio à tona através da Operação Lava Jato, que investiga a companhia por comprar políticos e diretores da Petrobras em troca de contratos. Mas, segundo a Transparência Internacional, ONG que atua no combate à corrupção no mundo, o caso é bem mais do que isso: “É o mais bem organizado caso de corrupção já desvendado na história do capitalismo”, atesta Bruno Brandão, diretor-executivo da entidade no Brasil.

A ONG acaba de lançar um relatório sobre corrupção internacional, em que destaca cinco casos emblemáticos envolvendo grandes empresas. Há no documento um capítulo especial sobre o escândalo da Odebrecht, que contabiliza 788 milhões de dólares pagos em propina a políticos e agentes do governo de 12 países durante mais de uma década.

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Além do caso brasileiro, o documento destaca escândalos envolvendo as seguintes empresas: a fabricante de aviões francesa Airbus; a mineradora de origem britânica e australiana Rio Tinto; a companhia holandesa de óleo e gás SBM Offshore e o grupo chinês Sinopec, também do setor de óleo e gás.

“Todos os casos têm características básicas essenciais, mas o da Odebrecht é diferente, nunca vimos nada igual”, comentou Brandão em entrevista a EXAME. Na visão de Brandão, o grande diferencial do esquema elaborado pela construtora é o padrão de atuação, usado em todos os países onde a companhia atuou de forma ilícita, a saber: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela.

Em 2015, a Polícia Federal prendeu o então presidente da construtora, Marcelo Odebrecht. Dezenas de executivos e ex-executivos da empresa assinaram os acordos de delação, confessando os atos de corrupção. Foi a maior colaboração premiada do mundo. Até agora, a companhia se comprometeu a pagar 2,6 bilhões de dólares em multas, mais 632 milhões de dólares da Braskem, subsidiária da Odebrecht que atua no setor petroquímico.

Nas palavras do diretor-executivo da Transparência Internacional, a construtora criou uma espécie de “fordismo da corrupção”. Tamanha profissionalização resultou em nada menos que 3,34 bilhões de dólares em “pagamentos e/ou lucros oriundos da corrupção”, diz o relatório da Transparência Internacional.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil:

EXAME – O relatório de vocês destaca cinco casos de corrupção no mundo. O que eles têm em comum?

Bruno Brandão - São quatro características em comum: envolvem autoridades locais de alto escalão; envolvem o alto comando da empresa, ou seja, não se trata de um comportamento isolado de um funcionário; em geral, são crimes de altíssimo impacto social que levam à violação de direitos básicos; e são crimes que distorcem a livre iniciativa e a concorrência no ambiente de negócios.

Mas o caso da Odebrecht é diferente de todos os outros. Ele compartilha dessas características, mas tem aspectos muito próprios, nunca vimos nada igual. Ela tinha uma metodologia geral aplicada em todos os casos. É quase um fordismo da corrupção, uma linha de produção com métodos muito bem delineados. É o caso de corrupção mais bem organizado já desvendado na história do capitalismo.

Quais são esses aspectos próprios do esquema da Odebrecht?

Eles atuavam baseados em quatro pilares:

1 – uma engrenagem estruturada com atuação dentro e fora da empresa, que incluía um departamento interno de propina, um banco próprio e uma rede imensa de facilitadores com empresas falsas, que formavam uma verdadeira tubulação internacional para o fluxo de subornos.

2 - Apoio de um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, o BNDES. Nosso relatório mostra que a Odebrecht abocanhou 88% de todo o crédito de exportação do banco para serviços de engenharia da última década.

3 - A influência política de lideranças brasileiras, em especial o ex-presidente Lula. A Odebrecht  tinha a força política dos líderes do país, em especial de Lula, abrindo portas para que ela fizesse negócios corruptos com governos corruptos em países pobres. Ressalto que essa defesa dos interesses das empresas nacionais é parte do papel de um governo, não há nada de inusual nisso. O inusual é se tratar de uma das empresas mais corruptas da história.

4 - Os marqueteiros brasileiros que eram levados a atuar nos negócios da empresa no exterior. Ninguém pense que eles eram levados por sua criatividade. Eles iam porque já tinham todo o mecanismo da lavagem de dinheiro montado. A melhor forma de lavar dinheiro é com serviços que você não consegue precificar, com os de marketing.

Como isso se replicava nos diferentes países de atuação da construtora?

Esses quatro pilares formavam esse sistema que atuou em todos os países para os quais a Odebrecht exportou a corrupção, e que se plugava sempre na mesma tomada: o financiamento ilícito de campanhas, era ali o ponto de entrada. Ao contrário de outras empresas, que variavam, às vezes entravam através de licitações, ou compras públicas, ou compra de senadores, a Odebrecht tinha sempre esse ponto. Ela descobriu o ponto mais frágil desses países que era o financiamento de campanha, uma fragilidade das democracias de todos esses países, inclusive o Brasil.

Quais as conclusões da Transparência Internacional sobre a atuação do BNDES no caso?

Isso ocorre com outros bancos públicos, não é exclusividade do BNDES. Estamos fazendo um levantamento de todos os bancos de fomento que atuaram em casos da Lava Jato e são muitos bancos internacionais. E aí está um grande ponto crítico da corrupção internacional, que são os financiadores. Dizem que se lucrou com esses contratos, o que não é inteiramente verdade. Mas, ainda que gerasse lucro, como fica a questão moral ao se fazer dinheiro corrompendo governos em países da América Latina e da África?

Como vê o dado divulgado no relatório de que 88% de todo o crédito de exportação do banco para serviços de engenharia da última década?

Essa concentração é péssima, o BNDES acaba atuando como uma forma de canalizar o recurso público sem passar pelo Congresso Nacional. Ele nunca foi transparente. Agora, depois dos escândalos, fez um trabalho de abertura das informações.

Em que pontos você avalia que a investigação e a punição da Odebrecht deixaram a desejar?

A Odebrecht é acusada de pagar propina em doze países. E há países em que ela avançou nesse processo de transformação interna, mas em outros ela só está tentando se livrar das punições, em especial em países com instituições fracas. Em Angola, por exemplo, ela recebeu um perdão presidencial e vai voltar a contratar sem nenhuma forma de compensação para todos os danos que ela causou ao povo angolano. Isso condiz a uma empresa ética? Ela age somente sob coerção ou isso é um princípio da companhia? Em outros países há a contestação sobre o tamanho do dano causado. É o caso da Venezuela. A Odebrecht poderia muito bem abrir as informações, para que o assunto não termine em impunidade para as autoridades que ela subornou lá.

E internamente? Algo a mais deveria ser feito?

Outro aspecto é limpar seus quadros inteiramente de figuras que participaram e estavam imersas nessa cultura de corrupção sistêmica, e que ainda estão lá. O vice-presidente jurídico da empresa, Maurício Ferro, pediu demissão depois que se tornou réu. Mas por que ele estava lá até hoje? O controle da empresa ainda está nas mãos dos criminosos confessos que subornaram governos durante décadas. Ainda que teoricamente afastados, eles ainda são os donos e são criminosos. Por mais que existam pessoas bem intencionadas tentando fazer uma virada de página, com essas travas de gente de muito poder fica difícil fazer esse processo de forma integral.

O relatório da Transparência Internacional questiona se os acordos de leniência feitos com a Odebrecht deveriam ter levado em conta a capacidade da empresa de continuar no mercado, como foi feito. Qual a sua opinião?

É importante, sim, levar em conta a preservação da empresa e dos empregos. Mas não sem uma contrapartida muito real de uma transformação profunda e verdadeira da empresa e talvez almejando a alienação do controle desses criminosos confessos. A contrapartida ainda não foi suficiente. Há esforços, há avanços, tem pessoas querendo virar a pagina, mas ainda existe uma presença muito forte de quem participou do esquema criminoso. Isso gera preocupações sobre se de fato ela está disposta a cortar na própria carne. Fora o fato de que ela ainda fez muito pouco na compensação dos danos causados internacionalmente. Ela desestabilizou o sistema frágil de democracia na América Latina. No Peru são quatro ex-presidentes investigados, no Equador, o vice-presidente, além de altos funcionários na República Dominicana, na Argentina. É um dano imenso às democracias da América Latina e da África.

Acompanhe tudo sobre:CorrupçãoNovonor (ex-Odebrecht)

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