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Com 26 mil revendedores, a gigante calçadista que o Brasil desconhece

Na pandemia, a Beira Rio quase não parou: as oito fábricas, que reúnem um total de 7 mil funcionários, continuaram a produzir, o que resultou em um estoque confortável

Roberto Argenta, presidente da Beira Rio. (Germano Lüders/Exame)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 29 de agosto de 2021 às 18h13.

Se o mercado está levando os grandes varejistas brasileiros a correr atrás da digitalização e a fortalecer o e-commerce, a calçadista gaúcha Beira Rio caminha na contramão. Com oito marcas, entre elas Vizzano e Moleca, a empresa cresce empregando a mesma estratégia que sempre utilizou para vender sapatos: abastecer milhares de sapatarias em todo o Brasil. Sem vendas online - e nem intenção imediata de estabelecer esse canal -, as marcas da companhia estão perto do consumidor de outra forma: nas lojinhas de bairro.

A relação quase simbiótica com os revendedores - são 26 mil no Brasil e no exterior - é apontada por muitos especialistas no setor calçadista como o "pulo do gato" da Beira Rio, destaca o Estadão. É comum que, no interior, as sapatarias vendam quase que exclusivamente os produtos da calçadista gaúcha, já que ela fabrica de sandálias a tênis, de chinelos a sapatos de salto, no adulto e no infantil. Em vez de investir em campanhas de redes de TV com celebridades famosas, ela tenta ajudar os pequenos a vender mais, com materiais de ponto de venda.

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No fim das contas, porém, a estratégia da Beira Rio com os lojistas pode se resumida a uma palavra: prazo. Ao dar fôlego a esses negócios, a fabricante consegue se proteger de duas forças no setor: os sapatos chineses, que são muito mais baratos, mas têm de ser pagos à vista, e também manter a distância a concorrência local, que não consegue esperar tanto para receber.

O prazo para os lojistas pagarem os pedidos da Beira Rio chegam a 100 dias, segundo o fundador da empresa, Roberto Argenta. Ou seja: para pequenos negócios sem capital de giro, muitas vezes é possível vender os calçados antes que a fatura para pagar a fábrica vença. "Buscamos dar um bom atendimento ao lojista mostrando que ele, ao comprar nosso produto, vai fazer um bom negócio", resumiu Argenta ao Estadão, na semana passada.

Na pandemia, a Beira Rio quase não parou: as oito fábricas em solo gaúcho, que reúnem um total de 7 mil funcionários, continuaram a produzir, com os devidos cuidados para evitar a proliferação da covid-19, o que resultou em um estoque confortável. Assim, diz Argenta, é possível atender aos lojistas com rapidez caso ele sinta falta de algum produto - fontes de mercado estimam que o estoque da empresa seja de cerca de 20 milhões de pares para pronta entrega. Essa capacidade de fornecimento, que evita que as sapatarias corram para outros fornecedores, se solidificou nos últimos anos, segundo Luciano Pires Cerveira, consultor especializado no setor calçadista.

Antes associada a calçados femininos, a empresa ampliou o leque de produtos, passando a produzir também tênis, sapatos masculinos e modelos anatômicos - dominando, assim, quase todos os nichos do segmento. "A Beira Rio não trabalha com franquias, mas é possível se abrir uma loja apenas com produtos dela", diz Cerveira. O especialista destaca que, além disso, a empresa funciona sempre com os custos em mente. "Eles conseguem oferecer tênis no varejo a R$ 49,90, com boa relação custo-benefício para o consumidor de baixa renda. Assim, fidelizam qualquer portinha do interior."

Ganhos

Com essa estratégia, a empresa surgiu em 1975, no que Argenta descreve como um "barracão na beira do rio" (daí o nome do negócio), consegue bater a lucratividade de negócios muito mais conhecidos e celebrados - tanto no meio empresarial quanto no mercado financeiro. No ano passado, a Beira Rio, que é uma sociedade anônima, teve lucro de R$ 377 milhões a partir de um faturamento de pouco mais de R$ 2 bilhões, em plena pandemia. Os ganhos da empresa ficam bem à frente dos exibidos pela Arezzo (R$ 87 milhões) e pela Vulcabrás (R$ 31 milhões) no período. E não ficam muito atrás dos registrados pela Grendene (R$ 405 milhões).

O segredo para o resultado, segundo Argenta, é o reinvestimento no negócio de cerca de 70% de todo o lucro que ele gera. Assim, a companhia amplia as linhas de produção para atender a um público mais amplo e consegue financiar os clientes sem ter de lançar mão de financiamentos externos. O empresário disse ao Estadão já ter sido abordado por fundos de private equity (que compram participações em empresas), mas as conversas nunca evoluíram. Uma abertura de capital também não está no horizonte - ao garantir que seu "ecossistema" funcionasse sem intervenções a Beira Rio conseguiu crescer mantendo-se fora do radar.

No entanto, os concorrentes estão de olho no segredo da empresa para produzir tanto e com custo tão baixo. Tanto é assim que o empresário Alexandre Grendene, controlador da gigante calçadista de mesmo nome, é sócio da Beira Rio, com cerca de 12% do capital. Embora seja minoritário, Grendene chegou a entrar em conflito público com Argenta - dono de mais da metade da companhia - em um dos poucos episódios que levaram o nome da Beira Rio à mídia no passado recente.

Ontopsicologia

Os empresários chegaram a um acordo na disputa, que envolveu a doação por Argenta de uma parte da companhia para a Fundação Antonio Meneghetti, que homenageia o pai da chamada ontopsicologia, linha de estudos a qual o fundador da Beira Rio é um assumido entusiasta. Uma fonte do setor definiu a dedicação do empresário à ontopsicologia como "uma religião".

Ao Estadão, Argenta definiu a ontopsicologia como a "lei da ciência da vida, das leis naturais e eternas do universo". O empresário conta que a maioria do corpo executivo da Beira Rio passa por um curso de MBA na Faculdade Antonio Meneghetti, na qual ele é investidor. Nos últimos anos, o projeto cresceu e passou a oferecer novos cursos, motivando Argenta a empreender além dos calçados.

Para dar força aos cursos de agronomia e gastronomia da Antonio Meneghetti, ele está tirando do papel dois novos projetos: uma fábrica de azeite de oliva, que hoje opera em fase experimental, e um resort que abrirá para convidados neste fim de semana. Parte da motivação por trás desses negócios, conta o empresário, é oferecer oportunidades de treinamento prático aos estudantes.

Desde que começou a marca Recanto Maestro, Argenta conta que começou a tomar uma colher de azeite todas as manhãs - um hábito que, garante, fez sua saúde melhorar. Mas, para além do seu próprio projeto, o empresário se entusiasma com o potencial das oliveiras para a economia gaúcha, em especial para a região central do Estado, ainda dependente da cultura do fumo. A compra garantida do fruto pelas fábricas de azeite que começam a surgir na região, diz Argenta, pode ser uma alternativa de desenvolvimento para o Rio Grande do Sul.

Pé na política

Essa preocupação com a economia como um todo é um reflexo da ligação do empresário com a política. Argenta já foi prefeito de Igrejinha - cidade de 37 mil habitantes que fica a cerca de 80 km Porto Alegre, onde fica a sede da Beira Rio - e também já foi deputado federal pelo Estado, entre 1999 e 2003. Desde então, pendurou as chuteiras na política.

Porém, começam a surgir comentários de que um retorno do dono da Beira Rio está em gestação. Já é possível ver carros circulando pelo Estado com adesivos promovendo a pré-candidatura de Argenta ao governo estadual, no ano que vem. Questionado sobre o assunto ele desconversa. Mas diz que trabalha para convencer governadores, parlamentares e até o presidente da República a assinar um pacto nacional. "Chegou o momento de sentarmos e ver o que é o melhor para o Brasil, pois a maioria quer isso."

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