Pousada, da RaiaDrogasil: "Nós, como empresários, adoramos falar que tem que diminuir o poder do Estado – mas tem coisa que o Estado precisa fazer, gente" (Germano Lüders/Exame)
Luísa Granato
Publicado em 17 de abril de 2021 às 08h00.
As empresas são o caminho para aceleração da vacinação e o fim da pandemia? Para Marcílio Pousada, CEO da Raia Drogasil, é melhor não misturar certos papeis.
“Nós, como empresários, adoramos falar que tem que diminuir o poder do estado – mas tem coisa que o estado precisa fazer”, alerta em entrevista para a EXAME.
Mas isso não quer dizer que o executivo esteja se ausentando de responsabilidade. Marcílio acredita que há um papel importante das empresas para a solução de problemas estruturais do país e na reação contra pandemia. Na sua visão, a crise atual foi um despertar para o empresariado.
Desde março de 2020, a rede de farmácias já doou R$ 30 milhões para o fundo Todo Cuidado Conta, criado pela própria empresa com ajuda do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) para beneficiar 51 hospitais em 50 cidades de 23 estados e o DF.
Com décadas de prática na sua frente de responsabilidade social, a Raia Drogasil já tinha uma musculatura pronta para a corrida em 2020 para ajudar o setor de saúde no enfrentamento da pandemia. Com a nova onda da pandemia em 2021, a empresa fez um novo aporte para os hospitais e começou a atuar em nova frente para solucionar a crise: a da vacina.
Neste mês, a RD doou R$ 5 milhões para o movimento Unidos pela Vacina. A doação vai ajudar na frente do movimento que auxílio prefeituras a aparelhar o SUS. Ainda assim, tudo tem seu limite. O CEO não fala em compras vacinas, mas em auxiliar os estados e municípios na execução do Plano Nacional de Imunização.
Em fevereiro, a companhia doou R$ 2 milhões para o Instituto Butantan e sua nova fábrica de vacinas. Em março, eles firmaram uma parceria inédita com a Prefeitura de São Paulo para oferecer gratuitamente o espaço de 17 unidades da Drogasil e da Droga Raia para a vacinação.
Neste momento em que a pandemia atinge recordes de mortes no Brasil, o papel das empresas e do empresariado tem sido colocado em discussão. Até onde vai a responsabilidade social? Como reação à crise pela qual vivemos, diversos nomes têm se articulado para ajudar o poder público a combater a pandemia. Estas principais iniciativas são o tema da reportagem de capa deste mês da EXAME.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista do CEO da Raia Drogasil, Marcílio Pousada, à EXAME.
Como a Raia Drogasil enxerga seu papel na responsabilidade social?
A Raia Drogasil sempre atuou com muita força perto da sociedade. Temos uma visão clara que parte do valor gerado com o negócio. As revistas que vendemos nas lojas, e que têm mais circulação hoje no país, são a Sorria e a Todos. Toda a arrecadação de venda das revistas é revertida para ajuda de saúde no Brasil inteiro. A empresa sempre foi muito atuante de como poder ajudar a sociedade com os desafios que aparecem.
Quando começou a pandemia, a gente já tinha isso na cabeça e dividimos em três grandes blocos de ação. Criamos um programa para ajudar nossos funcionários; um para cuidar dos nossos clientes, com protocolo; e o terceiro é como cuidar da sociedade. Nesse momento, criamos o fundo e fizemos a doação de R$ 25 milhões.
E como foi a atuação na pandemia?
Atuar no país não é fácil. Os trâmites burocráticos são difíceis, o andar do processo não é fácil... Nós colocamos um desafio muito grande na época. Vamos doar 25 milhões, mas queríamos doar 500 mil para cada hospital beneficente no interior do Brasil. Vamos tirar as capitais, vamos escolher 25 cidades médias e pequenas e doar -- não em máscaras, mas em legado. Montar quartos de UTI, fazer reforma... algo que fique com eles. A gente preparou um time todo, quem leva o cheque final foi nosso colega da loja – e o fundo continuou. Fizemos um novo aporte agora, e fizemos um “matching” junto com o BNDES, no infeliz aniversário da pandemia. Demos 100 mil reais para cada hospital, continuamos doando e ajudando a sociedade. Mais uma coisa legal, começamos na prefeitura de SP, poder ajudar na vacina.
Hoje a vacinação é o foco?
O grande tema de ajuda deve ser a vacina. A gente começou a ajudar as prefeituras a aplicar a vacina para a população. A gente aluga tenda, coloca funcionários para administrar a fila, faz cadastro, usam a sala de aplicação e um funcionário da prefeitura faz a aplicação. A empresa é cidadã. E acho que a pandemia vai ajudar muita gente a pensar da mesma forma.
Por que é estratégico para a empresa agir com responsabilidade social?
É uma demanda natural da sociedade. A sociedade está olhando para os entes que cuidam dela e demandando que as empresas, as entidades, a sociedade civil como um todo, além do governo, se apresentem para ajudar. Temos um histórico de fazer isso de quase um século, a gente acha que é o correto e a sociedade tem sim que demandar isso da gente. E na hora que você vê um poder político tão polarizado, acho que os empresários têm que atuar com ações para poder trabalhar com esse vácuo que o ente público está deixando.
Antes da pandemia, vocês já tinham uma estrutura para acompanhar o investimento social que faziam?
A gente tem uma área de investimento social privado, temos um processo por parte das revistas em que toda a renda é doada. Temos um processo também de troco solidário, há mais de 10 anos que temos. Como a gente faz para escolher e saber se teve um retorno? Fazemos um edital, um chamamento, e para que institutos se cadastram e a cada dois anos a gente escolhe.
A gente já tinha ideia de antes a pandemia que foi concretizada. Criamos um fundo de emergência dentro da empresa. Em cidades do interior, a gente tem demandas internas dos nossos funcionários que a empresa não conseguia atuar. Se teve uma catástrofe e caiu o telhado da casa do colega por causa de uma chuva; ou, por causa da pandemia, para ajudar a mãe que trabalhava em casa e foi demitida. O Brasil tem uma informalidade grande, nossos funcionários estão registrados, mas parte do núcleo familiar deles, não. A gente criou o fundo: a cada um real doado pelo funcionário, a empresa faz um “matching” de um real também para ajudar os próprios funcionários com essas demandas. Ajudamos 300 famílias também com nosso próprio fundo. É a solidariedade interna da empresa que ajuda as pessoas do ecossistema.
Como essa cultura de responsabilidade social ajudou quando a pandemia chegou?
Na hora em que a pandemia chegou, a estrutura estava pronta para fazer um monte de coisa, mas não pronta para doar os 500 mil reais a hospitais. A gente precisou de ajuda, e o IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) ajudou nisso. Você não pode garantir só que o dinheiro chegue naquele lugar, tem que fazer com que chegue e você acompanhe como o dinheiro foi investido naquele hospital ou santa casa. O IDIS ajudou com o fluxo. E aprendemos: sabemos atuar com muito mais força agora.
Um aspecto sobre o segundo ano da pandemia é que agora temos a insegurança alimentar mais em voga. Agora se fala muito da fome. Como estão vendo hoje as áreas de atenção para doação?
O nosso foco continua sendo a saúde. Não fugindo da gravidade econômica hoje, mas nosso foco é a aceleração e disponibilização de saúde em cima do programa do PNI (Plano Nacional de Imunizações). O que o PNI mandar, nós vamos fazer. O correto de agora é vacina, pessoas prioritárias e principalmente com mais carência de saúde. É lá que temos que fazer chegar vacina.
E tem a iniciativa que a Luiza Trajano está liderando, o Unidos pela Vacina, estamos junto ajudando e vamos colocar os esforços para os municípios estarem pronto quando o estoque de vacina se manter na altura do desafio que se apresenta pra gente. O nosso foco é olhar pra vacina.
Como o senhor vê essa piora no número de casos e esse "aniversário" da pandemia?
Essa frase, o aniversário da pandemia, me dói o coração. De pensar que é uma segunda [onda] da pandemia que estamos vivendo e de estar olhando como podemos acelerar a vacina. E é difícil, mas aqui o foco é acompanhar o PNI; e o PNI não é bom, ele é genial. É estupendo que o Brasil tenha uma estrutura montada para isso.
Nós fazemos e participamos de campanha de vacinação de gripe e a gente ajuda o mercado privado, a gente acompanha o PNI com orgulho muito grande. A gente sabe que temos capacidade de fazer isso bem-feito como poucos países no mundo, então estamos aqui para ajudar e fazer com que aconteça. Foi essa a conversa com o secretário de SP e de mais 20 prefeituras.
Como são os governos estaduais e federal que estão fazendo os acordos com farmacêuticas, como o setor privado pode fazer esse papel de ajudar com a vacinação?
Quem tem que decidir isso é o PNI, lá que está a decisão e a prioridade. Das farmacêuticas, temos bom relacionamento com todas, e elas vão atender os governos, é isso que tem que ser feito agora. A gente não acredita que alguns podem tomar e outros não, quem tem que organizar são os governos para as vacinas chegarem ao maior número de pessoas. A gente acredita nisso.
Agora é ajudar PNI, ajudar prefeituras. Não tem que ficar ligando para farmacêutica, quem tem que ligar para farmacêutica é o Ministério da Saúde. E o Ministério das Relações Exterior tem que ajudar. É isso.
O setor privado no Brasil não doa tanto. Você concorda ou discorda dessa frase? Você vê uma mudança de paradigma aí por causa da pandemia?
Acho que teve um despertar do setor privado como um todo. Nós, como empresários, adoramos falar que tem que diminuir o poder do Estado – mas tem coisa que o Estado precisa fazer, gente. Não temos saída, e acho que acordaram aqui. Acho que a gente não precisa de mais ou menos estado, a gente precisa de um estado eficiente nas áreas de atuação do Estado. E quando o Estado precisar de ajudar, a sociedade precisar de ajuda, nós, como empresários, precisamos estar aqui para ajudar.