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Aquisição da Whole Foods pela Amazon muda estratégias do varejo

A compra de uma das maiores redes de alimentos saudáveis, por US$ 13,7 bilhões, mudou para sempre os rumos do varejo mundial

Whole Foods (Spencer Platt/Getty Images)

Whole Foods (Spencer Platt/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 23 de junho de 2017 às 08h09.

No último dia 16 de junho, a Amazon deu outro forte sinal a todos os varejistas. O gigante do comércio eletrônico anunciou a intenção de comprar a Whole Foods, uma das maiores redes de alimentos saudáveis, por US$ 13,7 bilhões.

Os preços das ações do Wal-Mart, Kroger e Costco caíram. O New York Times descreveu a Amazon como a "nova geração de conglomerados do Vale do Silício".

O tamanho do negócio é atípico. Desde que listou suas ações em 1997, a Amazon adquiriu cerca de 80 outras empresas, incluindo IMDB (provedor de informações sobre tevê e filmes), Twitch (site de transmissão de videogames), e a Audible (serviço de audiobooks), entre outros. Em todas as aquisições anteriores, a Amazon evitou grandes somas.

O maior negócio até agora era a compra em 2009 do revendedor online de calçados Zappos.com, por cerca de US$ 1,2 bilhão, que acaba de ser “bem diminuído” com o anúncio da Whole Foods.

A reação do mercado foi estranha. Economistas e analistas financeiros realizam, frequentemente, “estudos de eventos", examinando como os mercados reagem a comunicados deste gênero, se o mercado entende determinado investimento anunciado por uma empresa como agregador ou destruidor de valor.

Para ter êxito na compra de uma empresa de interesse, os interessados costumam pagar algo a mais, o prêmio de aquisição, ou seja, a diferença entre o valor real estimado e o preço realmente pago. A oferta da Amazon representa um prêmio de 27% sobre o preço de fechamento das ações da Whole Foods na quinta-feira, dia 15.

Da mesma forma, quando a Microsoft adquiriu o LinkedIn por US$ 26,2 bilhões, este prêmio foi da ordem de 50%. No ano passado, a AT&T anunciou a aquisição da Time Warner e pagou um prêmio de 35%.

No curto prazo, portanto, a empresa adquirida tende a ganhar, enquanto a compradora perde. Por exemplo, imediatamente após o anúncio, como esperado, as ações do LinkedIn subiram 47%, chegando a US$ 192,21, enquanto que as da Microsoft caíram 2,6%, atingindo US$ 50,14.

Entre 19 e 26 de outubro de 2016, o valor de mercado da AT&T diminuiu para quase US$ 20 bilhões, enquanto o da Time Warner cresceu para US$ 8 bilhões. Tradicionalmente, é exatamente o que acontece depois que uma aquisição é anunciada. Exceto, quando é a Amazon.

Naquela sexta-feira, as ações da Amazon subiram 2,4%, adicionando mais de US$ 11 bilhões em seu valor de mercado, praticamente coincidindo com o preço a ser pago na operação. E as ações da Whole Foods subiram 29%, até US$ 42,68, o maior nível desde maio de 2015. E na segunda-feira, 19 de junho, subiram ainda mais, pois cada ação chegou a US$ 43,22.

Então, exatamente o que há de tão especial na Whole Foods – que vem enfrentando queda nas vendas e sofreu uma recente mudança na alta administração – que poderia levar a Amazon a este movimento? Por que os investidores se agitaram frente ao que Jim Cramer da CNBC chamou de "o negócio mais disruptivo em anos?"

Nem todas as aquisições são iguais

Em 2001, Joseph Bower, da Harvard Business School, escreveu um artigo importante na Harvard Business Review, em que descreveu como gestores muitas vezes colocam todas as fusões e aquisições em uma mesma, quando, de fato, representam atividades estratégicas muito diferentes, cada qual frente a diferentes desafios.

Misturá-los todos só torna mais difícil uma operação de M&A. Isso explica, em parte, um histórico confirmado pela maioria dos estudos: 70% a 90% das fusões e aquisições não são bem sucedidas.

Quando um CEO quer aumentar o desempenho do seu negócio, a forma mais comum de M&A em um setor maduro é consolidar capacidades.

Em maio de 2016, a Nissan adquiriu 34% da Mitsubishi Motors. Carlos Ghosn, CEO da Nissan, afirmou que "temos o potencial de estar entre os três maiores players do mercado". Essa é a lógica empresarial do comer ou ser comido. A empresa compradora fecha as unidades menos competitivas, elimina funções sobrepostas, reduz capacidade ociosa e melhora a eficiência operacional. O objetivo é conseguir maiores economias de escala para reduzir os custos.

Alternativamente, a alta administração pode usar M&A para dar um salto visando crescimento de longo prazo, seja iniciando uma "expansão geográfica" ou buscando "extensão na linha de produtos ou de mercados".

A empresa compradora permite que a recém adquirida tire proveito do modelo existente para turbinar seu crescimento. Quando a Spinbrush foi adquirida, obteve acesso imediato aos canais de distribuição que a P&G desenvolveu ao longo dos anos. Quando a VMware foi comprada, aproveitou-se da extensa lista de clientes da EMC.

Poucas mudanças em relação à estratégia ou aos modelos operacionais foram exigidas. A sinergia foi visível e imediata.

Obviamente, o que pode parecer uma combinação perfeita no papel pode não ser assim na realidade. O sucesso da aquisição da Frito-Lay pela Pepsi-Cola, devido ao sistema direto de logística de entrega que a PepsiCo aprimorou ao longo dos anos, não se repetiu quando ela adquiriu mais tarde a Quaker Oats.

À medida que esta incorporação foi acontecendo, as equipes da PepsiCo descobriram dolorosamente que seu tradicional método de entrega dos centros de distribuição tinha muito pouco em comum com aquele da Quaker e, como consequência, esta compra não conseguiu atingir às expectativas financeiras.

O mais interessante talvez seja o terceiro tipo de fusões e aquisições, que consiste em investir em uma empresa cujo modelo de negócios ainda tem que ser provado. A empresa alvo é muitas vezes focada em atuar de modo disruptivo em um setor já existente.

A aquisição, portanto, tem como objetivo maior se precaver de futura concorrência do que a compra de um modelo de negócio disruptivo. Isso é que levou o Wal-Mart a adquirir a Jet.com por US$ 3 bilhões em 2016.

O mesmo pode ser dito da aquisição feita pela Unilever do Dollar Shave Club por US$ 1 bilhão ou do investimento de US$ 500 milhões da General Motors na Lyft.

Não obstante as perspectivas de crescimento, essas startups estavam longe de alcançar lucratividade. No entanto, elas abriram possibilidades de oxigenar negócios existentes, talvez até ultrapassados, de empresas já estabelecidas.

Adquirir para reinventar

Visto desta forma, a compra da Whole Foods pela Amazon é verdadeiramente uma operação única. Nenhuma das razões convencionais pode explicar essa aquisição. Por um lado, a Amazon não estará consolidando o setor de alimentos.

Em 2016, o Walmart comandou a parte do leão com 14,45% neste mercado. No mesmo ano, Whole Foods registrou uma pequena participação de 1,21%, enquanto a Amazon detinha um insignificante 0,19%.

As categorias de produtos entre Amazon e Whole Foods também são tão distantes que é difícil imaginar uma estratégia viável de "balcão único", one stop shopping. É improvável que amantes de quinoa comprem um leitor eletrônico ou um kit de alto-falantes wi-fi enquanto fazem compras na Whole Foods. E a própria Whole Foods, definitivamente, não irá causar incômodos à Amazon.

Ainda, com a Whole Foods sob seu controle, a Amazon poderá levar sua experimentação de varejo a um novo nível. Famoso por sua abordagem "teste e aprenda", o CEO Jeff Bezos vem abrindo livrarias físicas e lojas de conveniência sem caixas.

Ao visitar qualquer uma das livrarias da Amazon, pode-se descobrir diferenciais e novidades em todos os lugares; cada livro é posicionado com sua capa exposta, ao invés da lombada, como é costume em lojas tradicionais. Pequenos cartões pretos são colocados abaixo de cada livro com dados de resenhas de clientes retirados do site da Amazon.

"Nós amamos essa mistura entre criatividade e dados, e entender nossos clientes e continuamente tentar aprender como podemos fazer uma melhor loja para eles", afirma Jennifer Cast, vice-presidente da Amazon Books, conhecida como Geekwire.

Mas essas lojas físicas não são apenas canais de distribuição; há apenas poucas delas. Elas são laboratórios de pesquisa.
O Amazon Go segue na mesma linha. Clientes compram produtos perecíveis, como pão, queijo e leite, assim como podem fazer em um 7-Eleven, exceto que não há caixas.

A pessoa entra, pega o que quiser e sai normalmente. Todos os itens são cobrados automaticamente na conta de cada cliente. Uma patente arquivada em 2014 revela que o sistema Amazon combina sensores integrados, machine learning e inteligência artificial, que se vale de um sistema de câmeras (como os carros autônomos fabricados por Tesla e Google) para identificar os clientes e os itens comprados.

Mas isto é experimentação. Em algum momento, quando o aprendizado for mais amplo e suficiente e as oportunidades reais aparecerem, a administração deverá comprometer-se com uma estratégia mais clara.

De acordo com a empresa de pesquisa Cowen & Co, as compras on line representam menos de 4% das vendas totais de alimentos e bebidas. Os consumidores continuam a comprar ovos, leite, carnes frescas e vegetais em mercearias locais. Em contraste com a escassez de lojas de livros, CDs e eletrônicos, 80% da população dos EUA estão próximas de um supermercado, no máximo 2,5 milhas, de onde vivem. Se a Amazon crescer, os produtos frescos serão a próxima fronteira.

O que Whole Foods traz é uma forte pegada com 456 lojas nos EUA, Canadá e Reino Unido, juntamente com uma base de clientes afluentes – como refletido em seus preços; urbanos – como revelado pela localização de suas lojas; e de vanguarda – como evidenciado pelo mix de mercadorias.

Estas são referências demográficas ideais para a Amazon aprofundar relacionamentos com clientes por meio do seu assistente virtual Alexa – movido por sua análise de dados cada vez mais sofisticada e em parceria com terceiros via uma interface aberta de programação de aplicativos (API).

Não consigo mesmo imaginar as infinitas possibilidades pelas quais a Amazon poderia começar a remodelar cada item da operação Whole Foods: suporte ao atendimento de clientes, gerenciamento de cadeia de suprimentos, operações de centros de distribuição, lojas on-line, serviços de coletas, serviços de reabastecimento automático, promoções baseadas em dados de geolocalização, e muito mais. A lista continua e continua.

Nunca na história empresarial vimos uma única empresa com tão amplo escopo de operações, tão profundas capacidades analíticas, e tão empenhada em desenvolver este ousado experimento. Tudo está posto para se reinventar o setor de varejo, como o conhecemos hoje.

John Wanamaker, empresário varejista do século XIX, é responsável por uma das mais repetidas afirmações em marketing: "Metade do dinheiro que gasto em publicidade é desperdiçado; o problema é que eu não sei qual metade". Dois séculos depois, o objetivo da Amazon (a loja do “tudo”) é saber exatamente onde está investido até o último centavo.

Mas, como com todas as coisas feitas por Bezos, a compra da Whole Foods é apenas o começo. Em suas cartas anuais aos acionistas, ele novamente relembrou seus leitores tal como fez há cerca de 20 anos: "Permanecemos no dia um". É por isso que a aquisição da Whole Foods é o tipo de negócio que o mundo nunca viu.

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