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A triste história do aspirante a Jack Ma da Rússia

Maxim Nogotkov, que estava encaminhado para se converter no Jack Ma da Rússia, construiu império varejista com dinheiro emprestado, e o perdeu para os credores

Loja da Svyaznoy, de Maxim Nogotkov: em 2013, a edição russa da Forbes estimou a fortuna de Nogotkov em US$ 1,3 bi (Lite/Wikimedia Commons)

Loja da Svyaznoy, de Maxim Nogotkov: em 2013, a edição russa da Forbes estimou a fortuna de Nogotkov em US$ 1,3 bi (Lite/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2014 às 15h28.

Quando eu perguntei a Maxim Nogotkov – o homem que, até recentemente, estava encaminhado para se converter no Jack Ma da Rússia – se as atuais políticas da Rússia tiveram algo a ver com a perda do seu império varejista para os credores, ele disse firmemente: “Não”. Mas será que é verdade? Leia a história dele e tire suas conclusões.

Nogotkov, atualmente com 37 anos, abriu sua primeira empresa com 14 anos, vendendo telefones com identificador de chamadas a pedido por correio. Ele acabou desenvolvendo uma rede de lojas de celulares e produtos eletrônicos, a Svyaznoy, cujo movimento de vendas no ano passado foi de 500 bilhões de rublos (US$ 15,2 bilhões à taxa de câmbio de fim de 2013).

No fim da década de 2000, quando as operadoras russas de telecomunicações começaram a controlar o mercado varejista telefônico do país, a Svyaznoy se diversificou com a incorporação de transferências de dinheiro e pagamentos e acabou entrando no setor bancário. Nogotkov comprou um banco pequeno, colocou a marca Svyaznoy nele e começou a desenvolver audaciosamente uma operação de depósitos e créditos de consumo utilizando sua rede de 2.500 lojas.

Em 2010, Nogotkov adquiriu uma franquia para abrir as joalherias Pandora na Rússia, e em 2011 ele tentou conquistar a liderança no varejo on-line russo. A Enter, sua loja on-line que vende praticamente tudo o que a Amazon vende exceto livros, tinha uma rede de showrooms físicos cujo objetivo era despegar gradualmente os russos das compras tradicionais.

Em 2013, a edição russa da revista Forbes estimou a fortuna de Nogotkov em US$ 1,3 bilhão, convertendo-o na 82° pessoa mais rica da Rússia. Juntas, a Svyaznoy e a Enter são a primeira ou a segunda colocada entre as varejistas eletrônicas russas, dependendo de quem fizer a lista. Nogotkov me disse que o modelo de negócios da Alibaba, com foco em serviços varejistas e financeiros, era algo que o inspirava.

Mas Nogotkov construiu seu império com dinheiro emprestado, e ele já não pode pagar suas dívidas. Agora, quase tudo o que ele construiu com os anos está passando para as mãos do grupo Onexim do bilionário Mikhail Prokhorov e do fundo de pensões do monopólio ferroviário estatal da Rússia.

A meta, ele me explicou, era pagar as dívidas com o Onexim e várias entidades estatais vendendo ações nos projetos do grupo Svyaznoy a investidores em private equity. Contudo, os estrangeiros perderam o interesse depois que a Rússia tomou a Crimeia da Ucrânia em março. Nogotkov precisava arrecadar dinheiro para pagar dívidas com o Onexim e outras empresas, e ele começou a negociar a venda das lojas de celulares à MTS, uma das três operadoras nacionais de telefonia celular da Rússia.

Então, em 16 de setembro, Vladimir Evtushenkov, o fundador da Sistema, a companhia que controla a MTS, foi acusado de participar na privatização ilegal de uma empresa de petróleo e posto sob prisão domiciliar. Sem a aprovação de Evtushenkov, o acordo com a Svyaznoy fracassou, e Nogotkov ficou de repente sem os meios para financiar suas dívidas.

Como os mercados externos estavam essencialmente fechados aos mutuários russos porque as sanções do Ocidente contra a Rússia tinham tornado os bancos internacionais mais cautelosos, ele não podia recorrer ao financiamento externo, e os bancos russos já estavam funcionando em modo à prova de crises. O próprio banco de Nogotkov estava em uma posição precária, porque os empréstimos de liquidação duvidosa estavam crescendo mais rapidamente do que se esperava e outras instituições financeiras estavam enfrentando pressões similares.

Além disso, como o preço do petróleo caía, não havia certeza de que os projetos varejistas de Nogotkov pudessem continuar crescendo. A Svyaznoy e a Pandora estavam superando os resultados do ano passado por uma margem ampla, disse ele, acima de tudo porque elas demoraram em subir os preços para compensar a rápida desvalorização do rublo e as pessoas estavam comprando produtos eletrônicos e joias antes que os preços inevitavelmente aumentassem. Mas esse efeito era temporário por definição.

Nesse momento, eu não pude evitar relembrar-lhe o que ele tinha dito quando começamos a falar: que sua situação não tinha nada a ver com as políticas da Rússia. Ele simplesmente riu.

A história de Nogotkov talvez seja a mais visível entre milhares. Na semana passada em Moscou, eu escutei histórias similares de penúrias de vários empreendedores menores que tinham sido obrigados a fechar ou vender empresas em cujo desenvolvimento eles tinham trabalhado durante anos. Como eles não tinham conexão com o Estado, eles não podiam recorrer a soluções de emergência como aquela desenhada para a Rosneft, o colosso do petróleo: Na semana passada, os principais bancos russos lhe emprestaram o equivalente a US$ 10,8 bilhões por meio de uma emissão de bonds que imediatamente entrou na lista do Banco Central de garantias aceitas contra financiamento direto. Foi quase uma forma de financiamento direto, algo com que empresas privadas nem podem sonhar – mas também algo que afetará seus negócios ao promover a alta da inflação e desvalorizar o rublo.

“Esta não é uma crise econômica, é uma crise política”, me disse o diretor financeiro de um banco privado russo. “Todos nós dependemos das decisões do czar”.

Por sua vez, Nogotkov não está interessado em fazer negócios da forma tradicional sob tais condições. Quando seu problema de dívida for resolvido e ele abandonar os ativos que só há pouco tempo o converteram em bilionário, ele pretende se concentrar na Yopolis, uma plataforma social que ele vem financiando, no intuito de coordenar projetos de voluntariado e atividades cívicas. A ideia de que as pessoas se juntem para fazer coisas que o Estado não quer fazer por elas de repente é mais atraente do que nunca.

Contudo, Nogotkov não virou um dissidente amargado. Ainda que ele tenha apoiado Mikhail Prokhorov em 2012 quando este disputou a presidência da Rússia com Vladimir Putin, ele não considera a Yopolis um projeto político. Nogotkov também não está disposto a apoiar uma revolução como aquela que se deu na Ucrânia no começo deste ano: ele tem familiares na cidade de Mariupol, próxima da zona de conflito no leste da Ucrânia, e eles não se beneficiaram com a revolta. O fundador da Svyaznoy prediz que a Rússia se recupere economicamente como aconteceu depois do calote de dívida e a desvalorização de 1998.

No entanto, a perda de empreendedores como Nogotkov poderia, com o tempo, contribuir mais para a queda do regime de Putin do que qualquer atividade subversiva. Sem eles, a Rússia não estaria em uma economia capitalista com base no mercado, e suas chances de supervivência como outra coisa são tão limitadas quanto as da União Soviética foram outrora.

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