Negócios

A cegueira que levou a Eternit à recuperação judicial

A fabricante de telhas, que pediu recuperação judicial nesta segunda, pagava gordos dividendos em vez de investir em inovação

TELHA DE AMIANTO: Eternit corre contra o tempo desde que o Supremo proibiu sua principal matéria-prima, em novembro (IStock/Getty Images)

TELHA DE AMIANTO: Eternit corre contra o tempo desde que o Supremo proibiu sua principal matéria-prima, em novembro (IStock/Getty Images)

LT

Letícia Toledo

Publicado em 20 de março de 2018 às 15h31.

Última atualização em 20 de março de 2018 às 17h10.

No último dia 09 de fevereiro, o engenheiro Luis Augusto Barcelos Barbosa embarcou com executivos da empresa que preside, a fabricante de telhas Eternit, para uma viagem de duas semanas por quatro países da Ásia e Europa com a dura missão de encontrar um novo modelo de negócios para a empresa. “O plano é conhecer empresas que, assim como a Eternit, tiveram que mudar após a proibição do amianto. O grande desafio é desenhar a nova Eternit. Descobrir quem ela vai ser nos seus próximos 80 anos”, afirmou Barbosa em entrevista a EXAME antes do embarque.

Para pensar nos próximos 80 anos a Eternit vai ter primeiro que sobreviver ao presente. Barbosa corre contra o relógio desde que o Supremo Tribunal Federal proibiu, em novembro o uso no Brasil de sua principal matéria-prima, o amianto.

Na noite desta segunda-feira a companhia entrou com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo. O valor total da dívida é de 228,9 milhões reais, conforme documento disponível no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “O Grupo Eternit está confiante de que a situação de crise ora enfrentada é passageira e não deve afetar de forma definitiva suas atividades”, afirmou a empresa à Agência Estado. A companhia deve apresentar seu plano de recuperação em até 60 dias. A notícia fez as ações caírem 12% até as 15h desta terça-feira.

A Eternit é um exemplo acabado de como a cegueira corporativa pode destruir uma empresa – seus executivos e acionistas ignoraram que o mundo estava mudando, e que era preciso mudar também. A quase octogenária companhia durante toda a sua história se manteve na confortável posição de dona de minas de amianto, que lhe permitiam exportar a substância e também utilizá-la como matéria-prima de suas telhas. Com a substância, a companhia virou líder da fabricação de telhas no país e uma das maiores exportadoras de amianto do mundo. Os primeiros sinais de que as coisas poderiam mudar vieram há duas décadas, quando a Eternit se viu envolta em discussões judiciais que queriam proibir o uso do amianto no país. A substância é considerada cancerígena pela Organização Mundial da Saúde e ano após ano, o número de países que proíbem ou orientam a não utilização da substância vem subindo, chegando a 60 atualmente.

A estratégia das concorrentes foi correr para materiais alternativos. A da Eternit foi bater de frente para que a substância não fosse proibida. A posição também foi mantida diante de parte dos lojistas que se recusavam a comprar telhas com amianto. Para analistas e parte dos investidores, no entanto, a proibição era apenas uma questão de tempo. “É um produto que no mundo é aceito por poucos países. Era uma coisa que a gente sabia que ia acontecer”, diz Mario Roberto Mariante, analista-chefe da Planner Corretora.

Dividendos, dividendos, dividendos

Falta de dinheiro para investir em inovação nunca foi um problema, já que a Eternit é uma tradicional pagadora de dividendos. Entre 2003 e 2015 a empresa pagou dividendo em média quatro a seis vezes maiores que a mediana de mercado. Em 2013, por exemplo, distribuiu 70% do lucro de 102 milhões de reais aos acionistas. Só em 2015, quando entrou no prejuízo, a empresa parou de pagar dividendos. Mas aí já era tarde demais.

“O problema da empresa é que ficou muito tempo focada apenas em pagar altos dividendos e remuneração aos diretores. Isso só descapitalizou a Eternit e a deixou sem foco para fazer os investimentos necessários”, disse Luiz Barsi, acionista da companhia, a EXAME em fevereiro. A falta de novas iniciativas e a crise econômica fizeram o valor de mercado da empresa despencar de 751,5 milhões de reais em 2013 para 157 milhões de reais atualmente.

A mudança de posição da Eternit só aconteceu em novembro do ano passado, quando a empresa anunciou que deixaria de usar amianto. A decisão veio em uma data sugestiva: um dia antes do Supremo Tribunal Federal proibir sua utilização no país. Para se adequar às mudanças a companhia colocou sua fábrica de polipropileno — substância alternativa ao amianto — em Manaus para operar 100%.

O objetivo é substituir o amianto totalmente até o fim deste ano. Em outra frente, a empresa luta na Justiça para conseguir exportar amianto. A exploração da mina da empresa na cidade de Minaçu, em Goiás, é essencial para a sobrevivência da Sama, sua subsidiária de mineração. Mais do que isso, a operação é importante para que a companhia arque com pesadas despesas que pode enfrentar daqui para frente.

A companhia responde a casos de danos morais de trabalhadores que foram vítimas da contaminação com o amianto. Atualmente há quatro ações públicas ajuizadas contra a companhia e três inquéritos civis. O caso mais grave para a empresa é o da ação pública da cidade de Bom Jesus da Serra, na Bahia. No caso, julgado em agosto do ano passado, a Justiça Federal condenou a subsidiária Sama a pagar 500 milhões de reais por danos. O valor da condenação é maior até muito maior que o valor de mercado da companhia. A Eternit está recorrendo da decisão. “Se for obrigada a pagar a multa, a empresa quebra”, diz Mariante.

Mesmo que se livre das ações, a companhia tem uma série enorme de problemas a resolver, a começar pela recuperação judicial.

Acompanhe tudo sobre:EternitExame HojeRecuperações judiciais

Mais de Negócios

19 franquias baratas para quem não quer trabalhar aos finais de semana a partir de R$ 14.900

Qual é a fortuna do bilionário Pavel Durov, fundador do Telegram que foi preso na França

Com alta de 13% em julho, faturamento das PMEs inicia terceiro trimestre em alta

Aos 22 anos, eles criaram negócio que fatura R$ 15 mi com meios de pagamentos para lojas virtuais

Mais na Exame