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Uma oportunidade chamada Trump

A vitória do presidente eleito americano contra a secretária de estado Hillary Clinton na última quarta-feira 9 ainda rede manchetes

EMBAIXADA AMERICANA EM PEQUIM: muitos chineses acreditam que a vitória de Trump pode enfraquecer a influência dos americanos / Jason Lee/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2016 às 09h23.

Última atualização em 20 de abril de 2018 às 06h46.

Cibele Reschke, de Pequim

Nas publicações internacionais, a vitória do presidente eleito americano Donald Trump contra a secretária de estado Hillary Clinton na última quarta-feira 9 ainda rede manchetes.

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Nos jornais chineses, no entanto, os holofotes de Trump são mais tímidos. A notícia da semana, segundo o People’s Daily, o carro-chefe da mídia alinhada ao partido comunista chinês (CCP), foi a conversa via satélite do presidente Xi Jinping com dois astronautas que estão a bordo da nave espacial Tiangong-2 em missão oficial desde 17 de outubro deste ano.

A frieza frente a um dos resultados eleitorais mais chocantes da história dos Estados Unidos reflete um esforço por parte da liderança do país em evitar que o caldeirão democrático americano cause tumulto na ordem interna estabelecida pelo CCP.

A divergência na abordagem da eleição de Trump se reflete não apenas nos veículos de imprensa americanos e chineses. Entre a população local e a comunidade de expatriados residentes no país, a recepção da notícia tem produzido impactos bastante distintos.

Muitos chineses veem a divisão política evidenciada pela acirrada disputa de votos entre Hillary Clinton e Donald Trump como um sinal de fraqueza do império ianque. Muitos chineses ainda acreditam que certas propostas do presidente eleito têm o potencial de enfraquecer a influência americana em regiões de disputa com a China – é o caso da região do mar da China Meridional, fortemente marcada por disputas sinoamericanas. A vitória de Trump é vista, portanto, como uma oportunidade para a China.

“A despeito da personalidade questionável de Trump, a expansão de nosso país enquanto potência global se complicaria se Clinton fosse eleita, já que a percepção dos chineses é que ela é menos empática em relação ao nosso país”, afirma Luan Luan, 36 anos, gerente de compliance da montadora Daimler, em Pequim. Outros tantos chineses também simpatizam com Trump pela imagem de sucesso no mundo dos negócios que ele imprime.

Ainda que em termos políticos e econômicos a vitória do partido republicano de fato representa a possibilidade de mudanças nas relações entre os dois países, grande parte dos cidadãos chineses é indiferente às eleições americanas, já que em nível individual os resultados terão pouca influência na vida das pessoas.

“Embora eu pessoalmente não simpatize com Trump, a eleição dele não me traz preocupações com o futuro da mesma forma que acontece com meus amigos estadunidenses, já que estou distante do sistema político de lá”, afirma Tian Meng, estudante de mestrado na Yenching Academy da Universidade de Pequim. “Se o sistema político chinês me permitisse votar para presidente, talvez eu fosse mais sensível a essa questão”.

Entre chineses com conexão pessoal aos Estados Unidos, a sensibilidade ao tema tende a ser maior. É o caso de Baoguang Zhai, de 24 anos, que estudou relações internacionais e economia na universidade de Tufts, em Boston, e hoje trabalha no Uber em São Francisco, na Califórnia.

“Meus amigos chineses residentes nos Estados Unidos tendem a apoiar Clinton por medo das políticas racistas de Trump, ao passo que meus amigos chineses que moram na China não enfrentariam esse problema e por isso são indiferentes ao resultado eleitoral”, diz Baoguang.

Em contrapartida, enquanto as ruas de diversas cidades estadunidenses têm sido tomadas por eleitores inconformados com a vitória do republicano, os americanos expatriados em Pequim se reuniram em diferentes partes da cidade para acompanhar a apuração dos votos.

A preocupação com o futuro do comércio entre os dois países afeta profissionais como Kyle Hutzler, que trabalhou por dois anos na consultoria McKinsey, em Washington D.C., e atualmente faz mestrado no Schwarzman College da Universidade Tsinghua, em Pequim. “Há muito tempo os Estados Unidos e a China tentam estabelecer um relacionamento pacífico que seja benéfico para a estabilidade global. A eleição de um líder radical como Trump representa um retrocesso”, diz Kyle.

Para pelo menos metade da população americana, a ascensão do conservador empresário e apresentador de reality show ao poder significa não apenas um atraso na luta por direitos humanos e inclusão de minorias, mas também uma ameaça aos ideais democráticos.

“Lanço meu primeiro voto contra Donald Trump e estou entristecido pela liderança nacional de um homem que representa completa falta de ética frente aos valores americanos”, diz um graduado em teoria social e filosofia pela universidade de Harvard. “Trump justifica, ao mesmo tempo, a dificuldade da democracia e a necessidade da garantia da liberdade como forma de combate aos abusos de poder.”

O entrevistado, que preferiu não se identificar, é afiliado ao partido republicano, nasceu em Cuba, mora em Pequim e recentemente também adquiriu a cidadania americana.

“Ninguém acreditava que um executivo com visões tão discriminatórias seria escolhido em um país tão progressista como o nosso”, afirma Layne Vanderberg, de 23 anos, mestranda na Yenching Academy da Universidade de Pequim nascida no interior do estado do Michigan, onde a maioria dos eleitores apoia Trump. Para ela, a notícia é trágica.

“A liderança dele não vai afetar tanto as parcelas mais privilegiadas da população, mas eu temo pela exclusão minorias, pela hostilidade aos imigrantes”, complementa.

Filha de mãe chinesa nascida em Nova York, Veronica Houk, 22 anos, formada em literatura pela New York University of Abu Dhabi, recebeu um incentivo do governo de Barack Obama para estudar em Pequim por um ano quando ainda cursava o ensino médio, em 2010. A iniciativa faz parte de um programa que levou 100.000 jovens americanos a estudar na China.

“Sinto que políticas públicas que visam a compreensão dos jovens em relação a outras regiões do mundo vai diminuir”, diz Veronica, em tom de frustração.

Temerosos, aflitos, decepcionados, os eleitores do partido democrata receberam a eleição de Donald Trump como uma bomba e como um sinal de que há muitas Américas dentro de uma só.

“Votos conservadores como a saída do Reino Unido da União Europeia e a presidência de Trump são um sinal de que num mundo globalizado ainda há uma grande lacuna entre ruralismo e as cidades modernas, onde a impressão de progresso fica mais evidente”, afirma Daniel Glenn, 29 anos, que foi um oficial da marinha por dez anos e hoje estuda no Schwarzman College da Universidade Tsinghua, em Pequim.

“Não votei no Trump, mas sirvo aos Estados Unidos e, portanto, desejo que o governo dele seja o melhor para o país e para o mundo”, complementa. A postura de Daniel é compartilhada por grande parte dos eleitores de Clinton, inclusive o próprio presidente Barack Obama, que em discurso oficial desejou sucesso ao presidente eleito e promete uma transição pacífica de poder. Os americanos que moram na China compartilham do mesmo otimismo, embora, no geral, temam pelo pior. Para os chineses, quanto mais debilitado o concorrente ocidental, melhor.

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