Sem saber como lidar com Trump, China se prepara para nova guerra fria
Na China, há um debate urgente sobre se a escalada da guerra comercial é uma estratégia para impedir sua ascensão como potência global
Gabriela Ruic
Publicado em 19 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 19 de agosto de 2018 às 06h00.
Talvez em nenhum outro lugar fora do coração dos EUA acreditem tanto em Donald Trump quanto em Pequim.
Em escritórios do governo e think tanks, universidades e redações da imprensa estatal, há um debate urgente em andamento sobre o que muitos aqui veem como o motivo oculto da escalada da guerra comercial de Washington contra o governo do presidente Xi Jinping : uma grande estratégia, planejada e liderada por Trump, para impedir a ascensão da China como potência global.
“O governo de Trump deixou claro que frear o desenvolvimento da China é a razão mais profunda por trás das ações relacionadas às tarifas”, disse He Weiwen, ex-funcionário do Ministério do Comércio e atualmente senior fellow do Center for China and Globalization, um grupo de pesquisa independente composto por ex-burocratas.
Essa ideia foi repetida por muitas das mais de duas dezenas de funcionários e ex-funcionários do governo, executivos de empresas, pesquisadores afiliados ao Estado, diplomatas e editores da imprensa estatal entrevistados para esta matéria. A maioria pediu anonimato por falar sobre assuntos delicados.
Suspeita
Uma suspeita comum permeou as conversas -- as tarifas são apenas uma pequena parte do plano de Trump para impedir que a China ultrapasse os EUA e se torne a maior economia do mundo. Várias pessoas expressaram preocupação de que os dois países possam estar a caminho de uma longa luta pelo domínio global que lembra a rivalidade do século passado entre os EUA e a União Soviética.
“A guerra comercial levou a pensarem na China se uma nova guerra fria teria começado”, disse An Gang, pesquisador sênior da Pangoal Institution, um grupo de pesquisa independente em Pequim entre cujos especialistas estão ex-funcionários do governo. A disputa, diz ele, “agora tem implicações militares e estratégicas” -- o que reflete o receio de algumas pessoas em Pequim de que as tensões possam se espalhar para Taiwan, o Mar da China Meridional e a Coreia do Norte.
O pessimismo geral representa uma grande mudança na elite chinesa, muitos de cujos membros tinham inicialmente saudado a ascensão de um novo presidente dos EUA, considerado pragmático e negociador, alguém que chegaria a um acordo para reduzir o déficit comercial de US$ 375 bilhões por um preço justo. Agora, com tarifas sobre US$ 34 bilhões em bens já em vigor e impostos previstos para outros US$ 216 bilhões, a maioria não vê uma solução rápida para um problema que está começando a preocupar as máximas autoridades do país.
“Agora, os EUA e a China estão no período mais perigoso dos últimos 40 anos”, disse Lu Xiang, especialista em relações entre os dois países da estatal Academia Chinesa de Ciências Sociais. “Trump colocou uma faca no nosso pescoço. Nós nunca vamos nos render.”