São Patrício e os dilemas irlandeses
No dia em que celebra seu feriado mais importante, o dia de São Patrício, a Irlanda se vê às voltas com dilemas existenciais. Ontem, o primeiro-ministro irlandês Enda Kenny foi a Washington para reunir-se com Donald Trump, conforme uma tradição entre os dois países na semana do feriado. No encontro, Kenny fez o que pôde, ao […]
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2017 às 07h00.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 19h11.
No dia em que celebra seu feriado mais importante, o dia de São Patrício, a Irlanda se vê às voltas com dilemas existenciais. Ontem, o primeiro-ministro irlandês Enda Kenny foi a Washington para reunir-se com Donald Trump, conforme uma tradição entre os dois países na semana do feriado. No encontro, Kenny fez o que pôde, ao defender a União Europeia.
Nesta semana, o parlamento britânico aprovou a lei que permitirá a saída do Reino Unido da União Europeia, e as incertezas sobre o processo já começam a se fazer sentir. Na terça-feira, horas depois de a primeira-ministra escocesa afirmar que quer realizar um segundo referendo sobre a independência escocesa, a líder do partido Sinn Fein, da Irlanda Norte, Michelle O’Neill, também defendeu a realização “assim que possível” de um referendo para o país deixar o Reino Unido e se unir ao vizinho irlandês, o que é recebido com entusiasmo por boa parte dos cidadãos de ambos os países. Segundo uma pesquisa realizada em 2016, 65% dos irlandeses votariam por uma Irlanda Unida.
Para as Irlandas, o principal ponto de tensão relacionado ao Brexit é a falta de definição sobre o que será feito da fronteira entre os dois países. Irlandeses do norte temem ficar confinados no seu um terço da ilha sem poder continuar trabalhando e viajando no país vizinho como estão acostumados, já que a Irlanda faz parte da União Europeia e algum tipo de controle maior sobre a fronteira parece inevitável. O próprio Kenny já defendeu a inclusão de uma cláusula que permita que a Irlanda do Norte volte a se juntar à União Europeia, caso os dois países se unifiquem.
No referendo realizado em 2016, 56% dos irlandeses do norte votaram pela permanência do Reino Unido no bloco. Mas o Brexit não é o único fator a impulsionar as discussões sobre uma possível reunificação – tratada por alguns irlandeses do norte como apenas uma questão de tempo. Pela primeira vez, o Partido Unionista Democrático (DUP) não obteve maioria absoluta nas eleições, realizadas no início deste mês, para a Assembleia autônoma da Irlanda do Norte.
O partido, liderado por Arlene Foster, acusada de envolvimento em um escândalo de corrupção, obteve 28 dos 90 assentos, enquanto o Sein Feinn ficou com 27 assentos. Agora, os partidos precisam alcançar um acordo de coalizão para governar, o que é tido como improvável em vista das diferenças entre os dois. Enquanto o DUP defende a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido, é favorável ao Brexit e é composto majoritariamente por protestantes, o Sein Feinn, braço político do extinto IRA, quer a reunificação das Irlandas, a permanência na UE e é formado principalmente por católicos.
Em 1998, o Acordo de Belfast, assinado pelo Reino Unido e pela Irlanda pôs fim a um conflito de décadas entre entre católicos nacionalistas e protestantes unionistas e estabeleceu a paz na Irlanda do Norte, mantendo sua permanência no Reino Unido. Os próximos dias dirão se uma coalizão é, de fato, possível, ou se as diferenças entre os dois países e os desejos por uma reunificação falam mais alto. Para os irlandeses dos dois lados, a “questão irlandesa” nunca esteve tão próxima de ser respondida. Mas isso a partir da semana que vem. Por que hoje é dia de celebrar — cerca de 13 milhões de “pints” de cerveja Guinness devem ser consumidos ao redor do mundo em homenagem a São Patrício.