São Félix do Xingu luta contra o desmatamento na Amazônia
Um município quase do tamanho de Portugal com 90 mil habitantes hoje luta contra seu histórico de desmatamento
Da Redação
Publicado em 16 de agosto de 2013 às 13h24.
São Félix do Xingu - "Diziam que era o melhor lugar para se viver", lembra Luiz Martins Neto, ao explicar porque se mudou em 1989 para São Félix do Xingu, na época um Eldorado de selva intocada, ouro e uma grande área indígena na Amazônia , que hoje luta contra seu histórico de desmatamento .
Martins Neto, de 54 anos, conseguiu sua primeira propriedade como muitos nessa época: com fogo e um facão.
"Naquele tempo, quanto mais você desmatava, melhor era a sua vida e mais terra você conseguia", explica em alusão à política que incentivou a acelerada ocupação da maior floresta tropical do planeta, especialmente durante a ditadura militar (1964-85).
Hoje, o senhor Luiz integra um projeto modelo de agropecuária que aproveita áreas já desmatadas e não tira espaço da floresta. Também paga sua dívida ambiental, recuperando a selva que o reformado Código Florestal, que entrou em vigor em outubro, o obriga a manter intacta e que já alcança até 80% de cada propriedade na Amazônia.
"A gente aprende a fazer as coisas direito", diz, com um sorriso orgulhoso debaixo do chapéu de palha. Em frente à sua pequena propriedade, cercada de grama e de um enorme tronco de castanheira, é visível o legado do desmatamento do passado.
Esta é a história de muitos em São Félix do Xingu: um município quase do tamanho de Portugal com 90.000 habitantes, do sudeste do estado do Pará (norte), onde territórios indígenas e parques ocupam a metade do espaço. Mas também é um polo minerador e pecuarista - há mais de dois bilhões de cabeça de gado -, que atrai multinacionais para o Brasil, recordista em exportação de matérias-primas.
"A entrada do homem branco é como a onda do rio: vai avançando, avançando e nunca recua", suspira Amaury Bepnhoti Ayudjare, índio da etnia caiapó, cujo território é um grande manto de selva, do qual surgem pequenas aldeias em círculo ao redor de uma praça descampada.
Quase uma década atrás, a passagem dos caminhões com madeira retumbava na cidade e o fogo que devastava a floresta quase impedia a visão.
"São Félix do Xingu era o campeão do desmatamento. Em 2008, o governo criou uma lista dos municípios que mais desmatavam e fomos o número um, mas agora também é o que mais reduziu o desmatamento, que passou de 2.500 km2 no ano 2000 a 169 km2 no ano passado", explica o prefeito, João Cleber.
No entanto, não conseguiu sair da lista de grandes desmatadores devido ao grande tamanho de sua propriedade.
Há cinco anos e com o compromisso internacional de deter a devastação da floresta, o governo retirou o acesso ao crédito aos municípios que mais desmatam e aplicou o cerco à indústria: quem comprasse produção de áreas desmatadas seria penalizado.
"Foi fundamental a pressão sobre municípios e indústria, porque isso levou a um pacto contra o desmatamento entre os frigoríficos, a prefeitura e os produtores rurais", destaca Ian Thompson, diretor do programa Amazônia da ONG The Nature Conservancy (TNC).
"A indústria da pecuária ocupou boa parte do território e causou boa parte do desmatamento, mas com uma produtividade muito baixa: um boi por hectare (o tamanho de um campo de futebol). Com melhor manejo, tentamos dobrar a produção sem desmatar mais", diz Thompson, à frente de vários projetos modelo financiados por grandes frigoríficos, traders e supermercados, que precisam mostrar uma gestão ecologicamente correta.
São Félix vive, ainda, um boom do cacau, espécie nativa que ajuda a recuperar áreas desmatadas porque o cacaueiro é um arbusto cultivado na sombra de árvores frondosas.
Um destes projetos, apoiado pela gigante multinacional Cargill , implanta cacau em 100 fazendas de pequenos produtores.
"À Cargill interessa produção sustentável e em grande quantidade, para nós, garantir uma renda e recuperar áreas degradadas" para cumprir a lei florestal, explica Ilson Martins, presidente da cooperativa local de cacau Cappru.
"Queremos dar outra imagem à região, o consumidor não quer produtos às custas do desmatamento", afirma Wilton Batista, presidente do Sindicato de Produtores Rurais, protegendo-se do sol com um chapéu de caubói.
Manter o desmatamento sob controle é uma tarefa hercúlea. Neste município de mais de 84.000 km2 e pouco mais de 80% de selva ainda preservadas, as terras indígenas dividem o território e cruzá-lo implica um périplo através de municípios vizinhos.
A tecnologia, ao contrário, avança a toda velocidade. Na prefeitura, os técnicos analisam informações de satélite e o censo ambiental dos produtores, que neste município já chega a 80% da área, para saber onde há desmatamento e quem é o responsável.
Garantir um meio de vida que não atente contra a selva é um desafio. "É preciso encontrar uma forma de garantir a renda dessas pessoas que vivem na Amazônia (25 milhões de habitantes), caso contrário, viveremos o caos", alerta o secretário da Agricultura de São Félix, Denimar Rodrigues.
O desmatamento na Amazônia, que atingiu alarmantes 27.772 km2 em 2004 (área quase equivalente à da Albânia), fez do Brasil um dos grandes emissores de gases de efeito estufa, nocivos para o clima. O país se comprometeu em 2009 a reduzi-lo em 80% para 2020, uma meta que está perto de alcançar. Em 2012, o desmatamento caiu para 4.571 km2, o menor nível em décadas.
São Félix do Xingu - "Diziam que era o melhor lugar para se viver", lembra Luiz Martins Neto, ao explicar porque se mudou em 1989 para São Félix do Xingu, na época um Eldorado de selva intocada, ouro e uma grande área indígena na Amazônia , que hoje luta contra seu histórico de desmatamento .
Martins Neto, de 54 anos, conseguiu sua primeira propriedade como muitos nessa época: com fogo e um facão.
"Naquele tempo, quanto mais você desmatava, melhor era a sua vida e mais terra você conseguia", explica em alusão à política que incentivou a acelerada ocupação da maior floresta tropical do planeta, especialmente durante a ditadura militar (1964-85).
Hoje, o senhor Luiz integra um projeto modelo de agropecuária que aproveita áreas já desmatadas e não tira espaço da floresta. Também paga sua dívida ambiental, recuperando a selva que o reformado Código Florestal, que entrou em vigor em outubro, o obriga a manter intacta e que já alcança até 80% de cada propriedade na Amazônia.
"A gente aprende a fazer as coisas direito", diz, com um sorriso orgulhoso debaixo do chapéu de palha. Em frente à sua pequena propriedade, cercada de grama e de um enorme tronco de castanheira, é visível o legado do desmatamento do passado.
Esta é a história de muitos em São Félix do Xingu: um município quase do tamanho de Portugal com 90.000 habitantes, do sudeste do estado do Pará (norte), onde territórios indígenas e parques ocupam a metade do espaço. Mas também é um polo minerador e pecuarista - há mais de dois bilhões de cabeça de gado -, que atrai multinacionais para o Brasil, recordista em exportação de matérias-primas.
"A entrada do homem branco é como a onda do rio: vai avançando, avançando e nunca recua", suspira Amaury Bepnhoti Ayudjare, índio da etnia caiapó, cujo território é um grande manto de selva, do qual surgem pequenas aldeias em círculo ao redor de uma praça descampada.
Quase uma década atrás, a passagem dos caminhões com madeira retumbava na cidade e o fogo que devastava a floresta quase impedia a visão.
"São Félix do Xingu era o campeão do desmatamento. Em 2008, o governo criou uma lista dos municípios que mais desmatavam e fomos o número um, mas agora também é o que mais reduziu o desmatamento, que passou de 2.500 km2 no ano 2000 a 169 km2 no ano passado", explica o prefeito, João Cleber.
No entanto, não conseguiu sair da lista de grandes desmatadores devido ao grande tamanho de sua propriedade.
Há cinco anos e com o compromisso internacional de deter a devastação da floresta, o governo retirou o acesso ao crédito aos municípios que mais desmatam e aplicou o cerco à indústria: quem comprasse produção de áreas desmatadas seria penalizado.
"Foi fundamental a pressão sobre municípios e indústria, porque isso levou a um pacto contra o desmatamento entre os frigoríficos, a prefeitura e os produtores rurais", destaca Ian Thompson, diretor do programa Amazônia da ONG The Nature Conservancy (TNC).
"A indústria da pecuária ocupou boa parte do território e causou boa parte do desmatamento, mas com uma produtividade muito baixa: um boi por hectare (o tamanho de um campo de futebol). Com melhor manejo, tentamos dobrar a produção sem desmatar mais", diz Thompson, à frente de vários projetos modelo financiados por grandes frigoríficos, traders e supermercados, que precisam mostrar uma gestão ecologicamente correta.
São Félix vive, ainda, um boom do cacau, espécie nativa que ajuda a recuperar áreas desmatadas porque o cacaueiro é um arbusto cultivado na sombra de árvores frondosas.
Um destes projetos, apoiado pela gigante multinacional Cargill , implanta cacau em 100 fazendas de pequenos produtores.
"À Cargill interessa produção sustentável e em grande quantidade, para nós, garantir uma renda e recuperar áreas degradadas" para cumprir a lei florestal, explica Ilson Martins, presidente da cooperativa local de cacau Cappru.
"Queremos dar outra imagem à região, o consumidor não quer produtos às custas do desmatamento", afirma Wilton Batista, presidente do Sindicato de Produtores Rurais, protegendo-se do sol com um chapéu de caubói.
Manter o desmatamento sob controle é uma tarefa hercúlea. Neste município de mais de 84.000 km2 e pouco mais de 80% de selva ainda preservadas, as terras indígenas dividem o território e cruzá-lo implica um périplo através de municípios vizinhos.
A tecnologia, ao contrário, avança a toda velocidade. Na prefeitura, os técnicos analisam informações de satélite e o censo ambiental dos produtores, que neste município já chega a 80% da área, para saber onde há desmatamento e quem é o responsável.
Garantir um meio de vida que não atente contra a selva é um desafio. "É preciso encontrar uma forma de garantir a renda dessas pessoas que vivem na Amazônia (25 milhões de habitantes), caso contrário, viveremos o caos", alerta o secretário da Agricultura de São Félix, Denimar Rodrigues.
O desmatamento na Amazônia, que atingiu alarmantes 27.772 km2 em 2004 (área quase equivalente à da Albânia), fez do Brasil um dos grandes emissores de gases de efeito estufa, nocivos para o clima. O país se comprometeu em 2009 a reduzi-lo em 80% para 2020, uma meta que está perto de alcançar. Em 2012, o desmatamento caiu para 4.571 km2, o menor nível em décadas.