Rumos da economia global estão nas mãos do Congresso dos EUA
Novas turbulências se aproximam a depender da aprovação do projeto para elevar teto da dívida e da aceitação do mercado sobre ajuste fiscal de longo prazo
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2011 às 20h32.
O pacote para ampliar o limite da dívida dos Estados Unidos divulgado pelo presidente Barack Obama – aprovado nesta segunda-feira pela Câmara dos Representantes, por 269 votos a favor e 161 votos contra, e que deve ir à votação no Senado nesta terça – não é unanimidade. Especialistas apontam que o plano pode não ser suficiente para convencer as agências de classificação de risco da capacidade de o Tesouro administrar sua dívida no longo prazo. O site de VEJA preparou uma lista de possíveis cenários para a economia mundial a partir desta terça-feira – apelidada de “dia do apocalipse”, pelas consequências catastróficas que o mundo poderia sofrer caso os políticos americanos não colocassem de lado seus interesses para pensar no futuro do país.
Mesmo com a aprovação do projeto pela Câmara e pelo Senado, não está descartado um rebaixamento da nota da dívida soberana americana; algo inédito na história do país. Os Estados Unidos – por uma combinação de economia sólida, respeito a contratos, segurança jurídica e histórico de bom pagador – sempre ofereceram ao mundo aquele que é considerado o porto seguro dos investidores: os títulos do Tesouro, cuja credibilidade sempre foi ilibada. Uma redução de sua nota de crédito pode, no entanto, mudar essa percepção. Os investidores, principalmente aqueles que só aplicam em opções super seguras, podem se ver diante do desafio de querer trocar seus títulos americanos por outros ativos. Contudo, não restam muitas alternativas semelhantes no mundo. Os títulos soberanos europeus e o euro, que poderiam ser uma opção, enfrenta problemas gravíssimos por conta da crise de endividamento que assola a região.
Esta pode ser uma explicação para o fato de que os credores internacionais da dívida pública americana – sendo a China, a mais importante, e o Brasil, na quarta posição – apenas solicitaram ao governo Obama que resolvesse o problema o mais rápido possível. Nenhum país manifestou, por enquanto, intenção de retirada de recursos. “Brasil e China são credores dos EUA e não lhes interessam uma desvalorização dos títulos norte-americanos, que implicaria uma depreciação de seus próprios ativos”, aponta Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor do departamento de economia da PUC-SP. “Na hipótese remota de moratória, o mais prudente é ficar com os títulos, pois negocia-los no mercado significará incorrer em prejuízo”, completa.
Assim como em um filme ruim de Hollywood, as discussões se alongam, a situação sofre reviravoltas, mas, por ora, a situação não saiu do lugar. As consequências deste impasse, com teor altamente político, vão depender do que for decidido no Congresso e do sentimento do mercado em relação à notícia. O mais provável é que, nesta terça-feira, o Senado faça como a Câmara dos Representantes e aprove o projeto do presidente Barack Obama. A notícia, se confirmada, representará um alívio aos mercados. Contudo, está longe de afastar por completo os temores de uma nova crise.
Confira os cenários com que trabalham os analistas: desde o mais begnino, que implicaria apenas uma queda temporária do dólar, até o catrastófico, com o mundo rumo a uma nova e seríssima crise internacional.
Acordo passa no Congresso e mercado deposita confiança
A possibilidade mais otimista admitida pelos investidores é a de que o acordo para aumentar o limite máximo de endividamento seja aprovado antes que estoure, o que se espera que deve ocorrer em 2 de agosto. A Casa Branca e o Congresso, neste contexto, teriam uma segunda chance para ampliar os cortes já previstos – uma comissão bipartidária, conforme projeto anunciado neste domingo, ficaria encarregada disso. O mercado se convence da eficácia da estratégia. Neste cenário, não haveria corrida para outros ativos considerados seguros, como ouro e commodities. As bolsas e os bancos continuariam a operar normalmente. Poderia ocorrer uma queda do dólar, mas nada dramático.
Acordo passa no Congresso, mas agências de rating rebaixam títulos
O que as agências de risco querem é ver o Congresso americano atacando o problema do déficit de longo prazo dos EUA. O mercado já avalia o plano proposto neste domingo que prevê corte de 1 trilhão de dólares no orçamento num prazo de dez anos, com a promessa de uma comissão bipartidária buscar novas formas de ampliar este contingenciamento. Alguns analistas desconfiam da eficácia deste projeto em melhor o quadro fiscal americano. Se essa percepção se tornar generalizada, ainda que o acordo de domingo possa ser aprovado no Congresso, os EUA poderiam perder o cultuado triplo A – a nota máxima de investimento fornecida pelas agências de classificação de risco e que indica que o país está no seleto grupo dos altamente seguros para se investir.
Neste cenário, as primeiras horas desta terça-feira seriam marcadas por uma onda de vendas de títulos da dívida americana, ações e dólares – mesmo com a recomendação dos especialistas em não se desfazer dos ativos quando estes começam a perder valor. A queda do grau de investimento provocaria uma corrida por ativos mais seguros como ouro, commodities agrícolas, petróleo, francos suíços e até a moeda japonesa. O dólar afundaria. “O ouro viraria um novo porto seguro. Contudo, no médio e longo prazo, haveria um ajuste. Os mercados acabariam voltando para os EUA, não por confiança, mas por falta de opção”, avalia Flávio Samara, economista da consultoria LCA.
O Brasil poderia sofrer consequências. O real sobrevalorizado prejudicaria ainda mais as exportações e a inflação pioraria na esteira do aumento exagerado das cotações das commodities. O preço do petróleo, que facilmente ultrapassaria 150 dólares por barril, poderia iniciar nova recessão global.
Acordo não passa, mas calote não se confirma (ao menos no curto prazo)
A perda de confiança dos investidores poderia provocar instabilidade prolongada nos mercados, aprofundando a corrida por ativos considerados seguros, como o ouro, e provocando forte queda da moeda americana. A incerteza faria as instituições financeiras interromperem os empréstimos para salvaguardar seus ativos, o que secaria o mercado de crédito global e provocaria uma nova recessão.
As bolsas cairiam a seus menores níveis e uma corrida para sacar dinheiro dos bancos nos EUA seria provável. “No pior caso, o governo poderia até decretar feriado bancário, fechando os bancos enquanto prepara medidas emergenciais”, explica Martin Walker, economista chefe da consultoria AT Kearney.
Se o pânico ganhasse força, bancos internacionais e investidores estariam tentados a se livrar de ativos americanos. A fuga em massa do dólar faria com que vários países adotassem medidas de controle de capital na tentativa de evitar uma valorização excessiva de suas moedas.
Acordo não passa e os EUA declaram o calote
Sem acordo, o governo americano ainda teria algumas “cartas na manga” antes de declarar moratória – inclusive algumas medidas drásticas, como redução de salários e impressão de moeda. Se, ainda assim, todas as alternativas falhassem, o calote poderia vir.
“Neste ponto, os gastos públicos teriam sido cortados ao seu nível mínimo e a economia americana estaria de volta à recessão”, prevê a consultoria inglesa Capital Economics em um de seus relatórios. A corrida por ativos seguros se instalaria, aumentando os preços do ouro e de outras commodities. O dólar desabaria em relação às outras moedas.
Ainda que o banco central dos EUA tentasse blindar o sistema financeiro da crise, não poderia evitar que um forte clima de insegurança se espalhe. “Os mercados de capitais afundariam; os custos de financiamento e as taxas dos empréstimos interbancários subiriam; e os mercados de crédito corporativo estariam fechados para todos, com exceção dos emissores de alta qualidade”, prevê a agência de risco Standard & Poor’s (S&P).
A nota de risco dos Estados Unidos passaria de AAA para SD (default seletivo, na terminologia da S&P). Como algumas instituições são obrigadas, por lei ou por regimento interno, a investir apenas em ativos AAA, a mudança no rating implicaria altos custos de capital para essas companhias. Isso poderia paralisar o sistema financeiro. A somatória desses fatores não poderia ter outro final: uma nova onda de recessão na economia global.
O pacote para ampliar o limite da dívida dos Estados Unidos divulgado pelo presidente Barack Obama – aprovado nesta segunda-feira pela Câmara dos Representantes, por 269 votos a favor e 161 votos contra, e que deve ir à votação no Senado nesta terça – não é unanimidade. Especialistas apontam que o plano pode não ser suficiente para convencer as agências de classificação de risco da capacidade de o Tesouro administrar sua dívida no longo prazo. O site de VEJA preparou uma lista de possíveis cenários para a economia mundial a partir desta terça-feira – apelidada de “dia do apocalipse”, pelas consequências catastróficas que o mundo poderia sofrer caso os políticos americanos não colocassem de lado seus interesses para pensar no futuro do país.
Mesmo com a aprovação do projeto pela Câmara e pelo Senado, não está descartado um rebaixamento da nota da dívida soberana americana; algo inédito na história do país. Os Estados Unidos – por uma combinação de economia sólida, respeito a contratos, segurança jurídica e histórico de bom pagador – sempre ofereceram ao mundo aquele que é considerado o porto seguro dos investidores: os títulos do Tesouro, cuja credibilidade sempre foi ilibada. Uma redução de sua nota de crédito pode, no entanto, mudar essa percepção. Os investidores, principalmente aqueles que só aplicam em opções super seguras, podem se ver diante do desafio de querer trocar seus títulos americanos por outros ativos. Contudo, não restam muitas alternativas semelhantes no mundo. Os títulos soberanos europeus e o euro, que poderiam ser uma opção, enfrenta problemas gravíssimos por conta da crise de endividamento que assola a região.
Esta pode ser uma explicação para o fato de que os credores internacionais da dívida pública americana – sendo a China, a mais importante, e o Brasil, na quarta posição – apenas solicitaram ao governo Obama que resolvesse o problema o mais rápido possível. Nenhum país manifestou, por enquanto, intenção de retirada de recursos. “Brasil e China são credores dos EUA e não lhes interessam uma desvalorização dos títulos norte-americanos, que implicaria uma depreciação de seus próprios ativos”, aponta Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor do departamento de economia da PUC-SP. “Na hipótese remota de moratória, o mais prudente é ficar com os títulos, pois negocia-los no mercado significará incorrer em prejuízo”, completa.
Assim como em um filme ruim de Hollywood, as discussões se alongam, a situação sofre reviravoltas, mas, por ora, a situação não saiu do lugar. As consequências deste impasse, com teor altamente político, vão depender do que for decidido no Congresso e do sentimento do mercado em relação à notícia. O mais provável é que, nesta terça-feira, o Senado faça como a Câmara dos Representantes e aprove o projeto do presidente Barack Obama. A notícia, se confirmada, representará um alívio aos mercados. Contudo, está longe de afastar por completo os temores de uma nova crise.
Confira os cenários com que trabalham os analistas: desde o mais begnino, que implicaria apenas uma queda temporária do dólar, até o catrastófico, com o mundo rumo a uma nova e seríssima crise internacional.
Acordo passa no Congresso e mercado deposita confiança
A possibilidade mais otimista admitida pelos investidores é a de que o acordo para aumentar o limite máximo de endividamento seja aprovado antes que estoure, o que se espera que deve ocorrer em 2 de agosto. A Casa Branca e o Congresso, neste contexto, teriam uma segunda chance para ampliar os cortes já previstos – uma comissão bipartidária, conforme projeto anunciado neste domingo, ficaria encarregada disso. O mercado se convence da eficácia da estratégia. Neste cenário, não haveria corrida para outros ativos considerados seguros, como ouro e commodities. As bolsas e os bancos continuariam a operar normalmente. Poderia ocorrer uma queda do dólar, mas nada dramático.
Acordo passa no Congresso, mas agências de rating rebaixam títulos
O que as agências de risco querem é ver o Congresso americano atacando o problema do déficit de longo prazo dos EUA. O mercado já avalia o plano proposto neste domingo que prevê corte de 1 trilhão de dólares no orçamento num prazo de dez anos, com a promessa de uma comissão bipartidária buscar novas formas de ampliar este contingenciamento. Alguns analistas desconfiam da eficácia deste projeto em melhor o quadro fiscal americano. Se essa percepção se tornar generalizada, ainda que o acordo de domingo possa ser aprovado no Congresso, os EUA poderiam perder o cultuado triplo A – a nota máxima de investimento fornecida pelas agências de classificação de risco e que indica que o país está no seleto grupo dos altamente seguros para se investir.
Neste cenário, as primeiras horas desta terça-feira seriam marcadas por uma onda de vendas de títulos da dívida americana, ações e dólares – mesmo com a recomendação dos especialistas em não se desfazer dos ativos quando estes começam a perder valor. A queda do grau de investimento provocaria uma corrida por ativos mais seguros como ouro, commodities agrícolas, petróleo, francos suíços e até a moeda japonesa. O dólar afundaria. “O ouro viraria um novo porto seguro. Contudo, no médio e longo prazo, haveria um ajuste. Os mercados acabariam voltando para os EUA, não por confiança, mas por falta de opção”, avalia Flávio Samara, economista da consultoria LCA.
O Brasil poderia sofrer consequências. O real sobrevalorizado prejudicaria ainda mais as exportações e a inflação pioraria na esteira do aumento exagerado das cotações das commodities. O preço do petróleo, que facilmente ultrapassaria 150 dólares por barril, poderia iniciar nova recessão global.
Acordo não passa, mas calote não se confirma (ao menos no curto prazo)
A perda de confiança dos investidores poderia provocar instabilidade prolongada nos mercados, aprofundando a corrida por ativos considerados seguros, como o ouro, e provocando forte queda da moeda americana. A incerteza faria as instituições financeiras interromperem os empréstimos para salvaguardar seus ativos, o que secaria o mercado de crédito global e provocaria uma nova recessão.
As bolsas cairiam a seus menores níveis e uma corrida para sacar dinheiro dos bancos nos EUA seria provável. “No pior caso, o governo poderia até decretar feriado bancário, fechando os bancos enquanto prepara medidas emergenciais”, explica Martin Walker, economista chefe da consultoria AT Kearney.
Se o pânico ganhasse força, bancos internacionais e investidores estariam tentados a se livrar de ativos americanos. A fuga em massa do dólar faria com que vários países adotassem medidas de controle de capital na tentativa de evitar uma valorização excessiva de suas moedas.
Acordo não passa e os EUA declaram o calote
Sem acordo, o governo americano ainda teria algumas “cartas na manga” antes de declarar moratória – inclusive algumas medidas drásticas, como redução de salários e impressão de moeda. Se, ainda assim, todas as alternativas falhassem, o calote poderia vir.
“Neste ponto, os gastos públicos teriam sido cortados ao seu nível mínimo e a economia americana estaria de volta à recessão”, prevê a consultoria inglesa Capital Economics em um de seus relatórios. A corrida por ativos seguros se instalaria, aumentando os preços do ouro e de outras commodities. O dólar desabaria em relação às outras moedas.
Ainda que o banco central dos EUA tentasse blindar o sistema financeiro da crise, não poderia evitar que um forte clima de insegurança se espalhe. “Os mercados de capitais afundariam; os custos de financiamento e as taxas dos empréstimos interbancários subiriam; e os mercados de crédito corporativo estariam fechados para todos, com exceção dos emissores de alta qualidade”, prevê a agência de risco Standard & Poor’s (S&P).
A nota de risco dos Estados Unidos passaria de AAA para SD (default seletivo, na terminologia da S&P). Como algumas instituições são obrigadas, por lei ou por regimento interno, a investir apenas em ativos AAA, a mudança no rating implicaria altos custos de capital para essas companhias. Isso poderia paralisar o sistema financeiro. A somatória desses fatores não poderia ter outro final: uma nova onda de recessão na economia global.