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Renúncia do papa Bento 16 surpreende Igreja Católica

Decisão de Bento XVI pode levar a um dos períodos mais incertos e instáveis da Igreja Católica, que vem sendo atingida por escândalos nos últimos anos


	Não ficou claro se Bento XVI terá vida pública após deixar o posto de líder da Igreja Católica
 (Vincenzo Pinto/AFP)

Não ficou claro se Bento XVI terá vida pública após deixar o posto de líder da Igreja Católica (Vincenzo Pinto/AFP)

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Da Redação

Publicado em 11 de fevereiro de 2013 às 17h54.

CIDADE DO VATICANO - O papa Bento XVI surpreendeu o mundo nesta segunda-feira ao anunciar que renunciará como líder da Igreja Católica, afirmando que não tem mais a força física e mental necessária para realizar os deveres de seu ofício e tornando-se o primeiro pontífice em 700 anos a tomar tal decisão.

Líderes religiosos buscaram assegurar a calma e o clima de confiança, mas a decisão pode levar a um dos períodos mais incertos e instáveis da Igreja Católica, que vem sendo atingida por escândalos nos últimos anos.

Muitos papas no passado --incluindo o antecessor de Bento XVI João Paulo 2o-- evitaram a renúncia mesmo quando estavam em condições críticas de saúde, exatamente pelo temor com a divisão e a confusão que poderia resultar da existência de um "ex-papa" e de um novo papa ao mesmo tempo. Isso poderá ser um problema especialmente se o próximo papa for um progressista.

A igreja tem sido atingida durante a liderança de quase oito anos de Bento 16 por uma crise a respeito de abuso sexual de crianças que abalou a igreja, por um discurso que desagradou muçulmanos e por um escândalo envolvendo o vazamento de documentos privados através de seu mordomo pessoal.

Em um anúncio lido por cardeais em latim, o idioma universal da igreja, o papa alemão de 85 anos disse: "Bem ciente da gravidade deste ato, com total liberdade, declaro que renuncio ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro".

"A partir das 17h (horário de Brasília) de 28 de fevereiro de 2013... um conclave para eleger o novo pontífice terá de ser convocado." PAPA NÃO TEME DIVISÃO Em entrevista coletiva, o porta-voz chefe do Vatino, padre Federico Lombardi, disse que o papa não teme uma divisão na igreja, com católicos leais ao passado e ao presente em casos de diferenças nos ensinamentos da igreja.

Bento XVI, conhecido por sua doutrina conservadora, manteve a oposição da igreja ao casamento gay, destacou a resistência da igreja ao sacerdócio feminino e à pesquisa com células tronco embrionárias.

Mas Lombardi disse que o papa, que deve ficar em isolamento por um período após deixar o papado, não pretende influenciar na decisão dos cardeais sobre quem será o novo papa.

Um novo líder para 1,2 bilhão de católicos no mundo poderá ser eleito até 24 de março, a tempo de assumir na Páscoa, disse Lombardi.

Ele indicou que o complexo processo de escolha do novo papa poderá ser mais rápido, já que o Vaticano não terá que esperar por um serviço funerário papal desta vez.

A decisão de Bento XVI chocou muitos no mundo, de fiéis a políticos e líderes religiosos.

"Isso é desconcertante, ele está deixando seu rebanho", disse Alessandra Mussolini, parlamentar que é neta do ex-ditador da Itália dos tempos de guerra.

"O papa não é qualquer homem. Ele é o vigário de Cristo. Ele deve ficar para o final... Esse é um grande sinal de desestabilização mundial que vai enfraquecer a igreja." ATÉ IRMÃO FICA SURPRESO O anúncio pegou de surpresa até o irmão mais velho do papa Georg Ratzinger, indicando o quão bem a renúncia era um segredo. Ratzinger disse a jornalistas na Alemanha que ele ficou "muito surpreso" e acrescentou: "Só ele pode avaliar a sua força física e emocional".

Após renunciar, Lombardi disse que Bento XVI terá primeiro que ir para a residência papal de verão ao sul de Roma e depois passar para um convento de clausura dentro dos muros do Vaticano. Não ficou claro se Bento XVI terá uma vida pública depois de sua renúncia.

O último papa a renunciar voluntariamente foi Celestino 5o em 1294, após reinar por apenas cinco meses. Sua demissão foi conhecida como "a grande recusa" e ele foi condenado pelo poeta Dante na "Divina Comédia". Gregório 12o abdicou com relutância em 1415 para encerrar uma disputa com um rival ao papado.

Lombardi disse que o papa mostrou "grande coragem, determinação" e consciência dos "grandes problemas que a igreja encara hoje". Ele descartou depressão ou uma doença específica e disse que foi uma decisão sem pressão externa tomada por Bento XVI nos últimos meses.

O cardeal Stanislaw Dziwisz, secretário do papa João Paulo 2o, que sofreu com a saúde ruim na última década de sua vida, fez uma crítica velada a Bento 16. Segundo ele, João Paulo 2o ficou até o fim de sua vida, por acreditar que "você não pode descer da cruz", disse Dziwisz a jornalistas na Polônia.


SEM SINAIS DE RENÚNCIA Embora o papa viesse desacelerando o ritmo --começou a usar uma bengala e uma plataforma com rodas para levá-lo até o corredor longo na Praça de São Pedro--, ele não tinha dado nenhum indício recentemente de que estava pensando tomar uma decisão drástica.

Eleito em 2005 para suceder João Paulo 2o, um dos papas mais populares do mundo católico, Bento 16 nunca pareceu se sentir confortável no trabalho que ele disse que nunca quis.

Com a renúncia, cardeais de todo o mundo começarão a chegar em Roma em março. Depois de reuniões preliminares, eles se trancarão em um conclave secreto para eleger o novo papa na Capela Sistina.

Tem sido crescente a pressão sobre a igreja para que os cardeais evitem candidatos europeus e escolham um papa do mundo em desenvolvimento, a fim de melhor refletir as partes do globo, onde a maioria dos católicos vive e onde a igreja está crescendo.

João Paulo 2o tinha apenas 58 anos quando foi eleito em 1978 --20 anos mais novo do que Bento 16 quando foi eleito-- e alguns especialistas disseram que a renúncia provavelmente deve convencer os cardeais a eleger um homem mais jovem.

"MENTE E CORPO" Em seu anúncio, o papa disse aos cardeais que para governar "... a força da mente e do corpo são necessários, a força que nos últimos meses se deteriorou em mim, se deteriorou que eu tive que reconhecer a minha incapacidade para cumprir adequadamente o ministério confiado a mim".

Antes de ser eleito papa, o cardeal Joseph Ratzinger ficou conhecido por alguns críticos como o "rottweiler de Deus", por causa de suas posições teológicas rígidas.

Depois de alguns meses, ele mostrou seu lado leve, mas nunca conquistou a adulação que marcou o papado de 27 anos de seu antecessor João Paulo 2o.

O rabino chefe de Israel, Yona Metzger, elogiou o diálogo inter-religioso promovido pelo papa e disse que as relações entre Israel e o Vaticano nunca foram melhores.

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que a decisão do papa precisa ser respeitada se ele se sente fraco para continuar com suas tarefas.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse: "Ele será lembrado como o líder espiritual de milhões".

Eleito para o papado em 19 de abril de 2005, Bento 16 governou um Vaticano mais lento, mais cerebral e menos impulsivo.


ELOGIOS E ESCÂNDALO Enquanto conservadores aplaudiram Bento 16 por tentar reafirmar a identidade católica tradicional, seus críticos o acusaram de atrasar reformas e prejudicar o diálogo com muçulmanos, judeus e cristãos.

Depois de aparecer desconfortável na posição de papa no início, ele começou a se sentir em casa com seu novo trabalho e revelou que tinha a intenção de ser um papa ao seu modo.

Primeiro papa alemão em cerca de 1 mil anos e o segundo não italiano consecutivo, Bento 16 viajou regularmente, fazendo cerca de quatro viagens ao exterior por ano, mas nunca conseguiu atrair as multidões de seu antecessor.

Os escândalos de abusos de crianças perseguiram a maior parte de seu papado. Ele ordenou um inquérito oficial sobre o abuso na Irlanda, que levou à saída de muitos bispos.

Um escândalo muito mais perto de casa atingiu Bento 16 em 2012, quando o mordomo do pontífice, responsável por vesti-lo e trazê-lo de refeições, foi a fonte de documentos vazados alegando corrupção nas relações de negócios do Vaticano, causando um furor internacional.

Bento confrontou o passado de seu próprio país, quando visitou o campo de concentração de Auschwitz.

Chamando a si mesmo "um filho da Alemanha", ele orou e perguntou por quê Deus ficou em silêncio enquanto 1,5 milhão de vítimas, a maioria judeus, morreram durante a Segunda Guerra Mundial.

Ratzinger serviu na Juventude de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, quando a adesão era obrigatória. Ele nunca foi membro do partido nazista e sua família se opôs ao regime de Adolf Hitler.

VISITA AO BRASIL? O papa Bento 16 era aguardado no Rio de Janeiro em julho próximo na Jornada Mundial da Juventude, evento que vai reunir milhões de jovens católicos do mundo inteiro.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) espera que a primeira viagem internacional do novo papa seja ao Rio, disse o secretário-geral da instituição, dom Leonardo Ulrich Steiner.

"Vamos rezar para ter a presença do novo santo padre na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro", disse ele em entrevista à Reuters.

Sobre a renúncia de Bento 16, dom Leonardo afirmou que, apesar de receber a notícia com surpresa, uma recente visita do papa ao túmulo de Celestino 5o já havia levantado dúvidas.

"Quando ficamos sabendo da visita, ficamos nos perguntando se havia uma surpresa. Sobre a renúncia em si, acho que o santo padre agiu de maneira consciente. O motivo, de não ter forças, é válido", disse dom Leonardo.

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