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Por que os protestos na América Latina não vão desaparecer tão cedo

O caso do Chile chocou o mundo. No entanto, o descontentamento já estava na Colômbia, Equador e Bolívia, que também viram cenas de fúria incendiária

Protestos no Chile: vírus do descontentamento popular se espalhou por toda a América Latina (Goran Tomasevic/Reuters)

Protestos no Chile: vírus do descontentamento popular se espalhou por toda a América Latina (Goran Tomasevic/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 11 de janeiro de 2020 às 14h00.

Última atualização em 11 de janeiro de 2020 às 15h00.

Chama-se Plaza Italia, é uma grande rotatória em Santiago, a capital chilena. Ao norte e ao leste, vivem os ultrarricos do país. Uma maneira de descrever os que não conhecem a sombria realidade do resto do país é dizer que “eles nunca estiveram abaixo da Plaza Italia”.

O lugar é foco de concentração para violentas manifestações que mudaram o status do Chile de país mais rico e estável da América Latina para um caso de teste de profunda agitação social. A área, que os manifestantes renomearam “Plaza de la Dignidad”, está coberta por pichações e a maioria das lojas foi saqueada e fechada.

O caso do Chile, com danos à propriedade de pelo menos US$ 2 bilhões e 26 mortos, chocou o mundo dos investidores porque era supostamente um modelo regional. No entanto, o vírus do descontentamento já estava se espalhando para outros lugares, e as ruas da Colômbia, Equador e Bolívia se transformaram em cenas de fúria incendiária.

Inúmeros fatores estão em jogo. Entre os mais significativos estão a desigualdade econômica, tensões étnicas e brutalidade policial. Embora os protestos mais violentos tenham se dissipado por enquanto, essas divergências continuam a roer a coesão social e podem, mais uma vez, causar distúrbios inesperados e repentinos. A fragilidade reina nas instituições e no Estado de direito, e outro ano difícil é esperado para as economias.

Desigualdade no Chile

Toda sexta-feira, depois que David Vargas completa sua jornada como técnico em uma empresa de cartão de crédito no sofisticado bairro de Nueva Las Condes, em Santiago, ele vai à Plaza Italia para participar dos protestos.

Vargas, 38 anos, encarna a divisão socioeconômica do Chile. Vem de uma família humilde e trabalha entre os mais abastados do país. Embora já tenha sentido que a desigualdade estava diminuindo, acredita que atualmente há uma estagnação. Ele ficou surpreso ao notar a diferença entre como as autoridades tratavam seu bairro de trabalho e seu bairro residencial.

A área em torno de sua empresa “estava cheia de soldados”, disse. “Vigiavam tudo quando absolutamente nada havia acontecido. Mas, se eu fosse ao centro ou a outras partes de Santiago, era puro caos. Só cuidavam da Plaza Italia e dos bairros ricos.”

O pai de Vargas, ex-operário de fábrica, recebe pensão mensal por invalidez de apenas 80 mil pesos, cerca de US$ 100. A mãe trabalhava como doméstica.

Paulina Astroza, professora de ciência política da Universidade de Conceição, no Chile, diz que o modelo econômico do país funcionou quando os preços das commodities subiram, mas fracassou desde então.

“O problema é a desconfiança da classe política, da igreja, inclusive dos líderes sindicais e trabalhistas”, afirmou. “Tem que haver uma mudança no modelo para uma maior redistribuição da riqueza ou a desigualdade grotesca e o descontentamento continuarão. Se quisermos evitar outras protestos em um, dois ou até cinco anos, temos que ver uma redistribuição do poder.”

Brutalidade policial na Colômbia

Dilan Cruz não era muito interessado em política. Aos 18 anos, com um sorriso largo e um grande grupo de amigos, se juntou às manifestações contra o governo na Colômbia, no final de novembro, para protestar por mais verbas para a educação.

Alexa Beltrán, uma amiga íntima, disse que Dilan acreditava que poderia progredir se tivesse oportunidade de estudar. Ele estava prestes a se formar no ensino médio e planejava estudar administração de empresas, disse.

Cruz foi assassinado pela polícia de choque em uma das manifestações. Sua morte foi um pivô e exemplo de táticas policiais agressivas que provocaram protestos nos países andinos.

Dezenas de manifestantes morreram e milhares foram feridos pelas forças estaduais de Bogotá a Santiago. A violência tem sido mais proeminente no Chile, onde milhares foram feridos, incluindo mais de 200 que sofreram lesões oculares pelo uso de espingardas por autoridades, segundo grupos de direitos humanos.

“Existem semelhanças no comportamento das unidades policiais”, disse Silvia Otero Bahamón, professora da Universidade do Rosário, em Bogotá, que estuda desigualdade e violência política.

A ditadura, a guerra e os altos níveis de violência no passado geraram forças policiais muito militarizadas. Abusos são comuns. Os colombianos, que viveram décadas de conflito armado, ficaram tão acostumados a esses abusos que poucos dos mais de 40 assassinatos de manifestantes cometidos pela polícia nas últimas duas décadas foram investigados, diz Otero Bahamón.

A morte de Cruz provocou novos protestos e revolta. Manifestantes carregaram cartazes com sua imagem e gritaram “Dilan não morreu, foi assassinado”. Os líderes do protesto exigem que o governo desmantele o Esquadrão Móvel Antidistúrbios da polícia nacional, conhecido pela sigla ESMAD.

O presidente da Colômbia, Iván Duke, descartou a medida. A morte de Cruz está sendo investigada por promotores.

Tensões indígenas no Equador

Quando o presidente Lenín Moreno anunciou o fim dos subsídios à gasolina e ao diesel em outubro para cumprir o programa do Fundo Monetário Internacional, a reação foi tão violenta que o líder teve de fugir da capital Quito e transferir a sede do governo para o centro de negócios costeiro de Guayaquil. Grupos indígenas estavam entre os mais afetados.

Os bloqueios de estradas de 24 horas, conseguidos com o corte de árvores, queima de pneus e rolamento de pedras, paralisaram grandes áreas. Algumas saquearam plantações de flores e fazendas. Outros causaram danos de US$ 140 milhões ao sabotar a produção de petróleo. Os saques e tumultos nas ruas culminaram no incêndio do Gabinete da Controladoria-Geral e em várias mortes, o que levou Moreno a revogar seu decreto. A confederação indígena CONAIE suspendeu as manifestações. O governo está de volta a Quito, mas a tensão ainda é alta.

Os líderes da CONAIE, com ponchos tradicionais, chapéus de feltro e lanças de madeira, derrubaram vários governos eleitos no Equador no passado. Moreno respondeu com cautela ao tentar adotar políticas econômicas mais voltadas ao mercado.

Luisa Lozano, 43 anos, diretora da organização de mulheres da CONAIE, contestou as acusações por seu papel em protestos anteriores contra o governo, incluindo bloqueios de estradas.

“Quanto mais repressão, maior a adrenalina para resistir”, disse em referência aos protestos e confrontos de outubro sobre os preços dos combustíveis. “Quanto mais sangue houver, mais forte será a reação das pessoas. Quando se trata disso, as pessoas reagem porque sabemos que tudo o que alcançamos foi luta após luta. ”

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