Por que o texto vago do acordo facilita a negociação com a Coreia do Norte
Apesar de genérico, termo assinado pelos líderes é importante para as conversas, diz Alexandre Uehara, professor das Faculdades Integradas Rio Branco
Gabriela Ruic
Publicado em 13 de junho de 2018 às 06h00.
Última atualização em 13 de junho de 2018 às 06h00.
São Paulo – O teor vago do termo de compromisso assinado pelo presidente dos Estados Unidos , Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte , Kim Jong-un, durante o encontro histórico que aconteceu em Singapura na última terça-feira pode ser favorável para a continuidade das negociações entre os países, inimigos históricos desde a década de 50.
A avaliação é de Alexandre Uehara, professor de relações internacionais e diretor das Faculdades Integradas Rio Branco, e especializado em assuntos relacionados à Ásia.
“O fato de os países terem firmado o compromisso de continuar com as negociações, mostra que o encontro foi positivo para o processo de desnuclearização”, diz Uehara, que também é professor visitante da Universidade de São Paulo (USP).
Com quatro pontos centrais, o documento trouxe à tona disposições sobre o processo de desnuclearização do país asiático e, em troca, os Estados Unidos se comprometeram em fornecer garantias de segurança para o regime norte-coreano.
O texto é vago, genérico e não traz quaisquer detalhes sobre como, afinal, esses processos serão conduzidos. Contudo, a falta de um calendário rígido, considera o especialista, poderá aliviar a pressão em torno das negociações, que prometem ser longas e difíceis.
Por telefone, ele conversou com EXAME e fez um balanço sobre os resultados da cúpula e o que a comunidade internacional pode esperar daqui em diante. Confira abaixo:
EXAME – Como o senhor avalia o acordo que foi firmado entre Trump e Kim?
Uehara – Não temos muitos detalhes sobre o acordo que vão além da disposição expressa sobre a desnuclearização e o compromisso de segurança dos Estados Unidos. O restante me parece ser uma continuidade, uma sinalização de que as conversas vão continuar e isso é o melhor que poderia acontecer neste momento. O temor que a comunidade internacional tinha era o de que a cúpula fosse de tal grau de divergência que não fosse possível sequer manter a negociação. E isso não aconteceu.
EXAME – Alguns analistas criticaram o texto vago da declaração assinada pelos dois países. O senhor concorda com essa visão?
Uehara – O fato de o acordo ser vago, genérico, é um ponto que parece ruim, mas eu avalio como positivo. O texto é mais uma carta de compromisso do que verdadeiramente um acordo. Se um calendário rígido fosse estabelecido, os dois países seriam cobrados pelo cumprimento, e a dificuldade de se implementar os compromissos poderia levar a um questionamento sobre as negociações em si. Nesse momento, o mais importante é que os países continuem conversando.
Todos precisam ter paciência. A resiliência do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, se mostra benéfica nesse momento. Quando tudo parecia ir por água abaixo com a decisão de Trump de cancelar a cúpula, Moon Jae-In conseguiu manter o tom de conciliação. Isso é importante para os atores envolvidos, afinal, falamos em décadas de afastamento. Não podemos esperar que as relações se normalizem em apenas um ou dois encontros.
EXAME – Em que medida se pode confiar nos compromissos assumidos por cada um dos lados?
Uehara – Uma coisa positiva no comportamento do Kim Jong-un nos últimos anos é a sua determinação. Desde 2011 -- com a morte de seu pai e as sanções, ameaças e críticas dos Estados Unidos e da China --, Kim não desviou da sua meta de atingir uma capacidade militar e nuclear. E isso apesar das oposições enfrentadas por ele internamente.
Esse aspecto pode se mostrar positivo para essa fase de estabilidade nas relações, ainda mais quando lembramos que ele diz ter a intenção de revitalizar a economia e de seguir no caminho da desnuclearização. Creio que, se ele está assumindo esse compromisso publicamente, essa determinação pode ser favorável para as negociações.
Vale notar que todas as negociações não-cumpridas já realizadas pela comunidade internacional no âmbito do programa nuclear da Coreia do Norte foram lideradas pelo seu pai. Essa é a primeira vez que ele está à frente deste tipo de tratativa.
Outro ponto importante é que tanto Trump quanto Kim estão jogando com a mídia, o que faz com que o sucesso das negociações seja de interesse de todos. Mas, evidentemente, tudo será realizado passo a passo. Não podemos cobrar grandes avanços imediatamente, embora um risco seja o de o presidente americano tentar impor metas ambiciosas para o curto prazo. Essa negociação vai durar anos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, aperta a mão do líder norte-coreano Kim Jong Un no hotel Capella, na ilha de Sentosa, em Singapura, em 12 de junho de 2018. REUTERS / Jonathan Ernst
Kim Jong Un e Donald Trump em cúpula histórica em Singapura
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