O chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry (Jonathan Ernst/Reuters)
Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2015 às 08h17.
Jerusalém - O histórico estabelecimento de relações diplomáticas entre Washington e Havana abriu a porta para que Israel e Cuba retomem suas relações depois de mais de 40 anos, embora a boa vontade costume ser truncada por complexos interesses e esquemas geoestratégicos.
"A ausência de relações diplomáticas não é natural. Após os EUA terem restabelecido as suas com Cuba não há realmente uma razão para manter esta situação", confirmaram à Agência Efe fontes diplomáticas israelenses de alta categoria que pediram anonimato.
Israel segue a aproximação entre Cuba e EUA desde o ano passado e seu Ministério das Relações Exteriores analisou o assunto em profundidade na busca de uma política efetiva perante as dramáticas mudanças dos últimos sete meses.
"Não temos nenhum conflito com Cuba e há muito interesse por esse país entre os israelenses e vice-versa: interesse político, econômico e cultural", acrescentaram as fontes ao lembrar que foi Cuba que sancionou Israel e que, na teoria, deveria suspendê-las ("embora nem sempre tenha que ser assim").
Após 25 anos de estreitas relações avalizadas por sua comum ideologia socialista e o papel desempenhado pelo empresário, cientista e diplomata judeu-cubano Ricardo Wolf ou Lobo (que dá nome ao principal prêmio científico israelense), a Cuba comunista rompeu relações com Israel em setembro de 1973.
E o fez em uma estratégia emoldurada dentro da Guerra Fria, seu crescente interesse pelo mundo árabe e a presidência do Movimento dos Não Alinhados, que Fidel Castro obteve pouco depois.
Após a derrubada do bloco soviético e o início do processo de paz de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1992 aconteceu uma notória aproximação, que não chegou a estabelecer relações formais pela necessidade de Israel de apoio político e financeiro americano.
"Era tudo uma farsa, havia relações. Artistas e escritores cubanos visitavam Israel; os israelenses visitavam Cuba. Mas US$ 3 bilhões de ajuda (dos EUA) tinham que ser devolvidos de alguma maneira", lembrou sobre esse período Tamar Goyansky, ex-dirigente do Partido Comunista Israelense (hoje, Jadash).
Membro da já desaparecida Liga Israelense contra o Bloqueio a Cuba, que foi fundada e presidida por seu marido Yoram, Goyansky disse à Agência Efe que "naquela época Cuba também tinha nas mãos coisas mais importantes que Israel", por isso que a histórica proximidade entre os dois povos se viu condicionada novamente pelos interesses geopolíticos.
Os anos 90 foram testemunha do começo da emigração de milhares de judeus cubanos para Israel em uma decisão aprovada pessoalmente por Fidel Castro; de grandes empresas comerciais nas quais chegou a participar o ex-alto comandante do Mossad, Rafi Eitan; e de uma crescente cooperação em temas agrícolas.
E apesar de sua forte e insistente crítica a Israel em todo o relacionado com sua política em relação à causa palestina - da qual Castro sempre se considerou um de seus principais paladinos -, também teve gestos pessoais para com o Estado judeu.
Em 2006 inaugurou em Havana um monumento às vítimas do Holocausto em um evento público para o qual convidou Eitan e o ex-rabino chefe de Israel, Meir Lau, e quatro anos mais tarde repudiou sucessivas declarações do ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad por considerá-las antissemitismo.
"Durante 2.000 anos (os judeus) foram sujeitos a uma perseguição terrível e aos terríveis "pogroms" (...) Eu acredito que foi sua cultura e religião que os manteve unidos como uma nação", disse em uma entrevista ao americano "Atlantic", na qual pediu abertamente ao líder iraniano deixar de negar o Holocausto.
Um gesto que o então presidente israelense, Shimon Peres, e o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, retribuíram com cartas de agradecimento.
Sucessivas operações militares israelenses em Gaza, sobretudo as de 2008 e 2014, fizeram com que o regime cubano elevasse as condenações acima do resto da comunidade internacional contra Israel, que por sua vez votava a favor do bloqueio à ilha, o único país do mundo junto a seu aliado americano.
O eterno desencontro político contrasta na atualidade com as visitas de mais de 5.000 israelenses por ano ao país caribenho, a atitude respeitosa do regime comunista em relação à pequena comunidade judaica cubana, as permissões para a emigração de judeus a Israel (cerca de 100 ao ano) e aos empreendimentos comerciais privados que continuam com vigor, embora em menor escala que há uma década.
Em todos esses sentidos, a abertura de embaixadas em Washington e Havana volta a oferecer agora a ambas as partes a oportunidade de pôr fim a 40 anos de desencontro, apesar de em Jerusalém o otimismo se misturar com a cautela.
Os estreitos laços de Cuba com países como Venezuela - o mais crítico hoje com Israel no continente americano e do qual Havana recebe petróleo subvencionado - podem se interpor novamente entre israelenses e cubanos, bem como podem fazê-lo grupos republicanos que são hoje o apoio mais sólido do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, nos EUA.