Noboa prometia barcos-prisão e megapenitenciária 'modelo Bukele' antes de fuga de líder; entenda
País apresenta níveis históricos de insegurança, que chegam a 40 homicídios por 100 mil habitantes
Agência de notícias
Publicado em 10 de janeiro de 2024 às 08h59.
Última atualização em 10 de janeiro de 2024 às 09h54.
A compra de barcos-prisão para colocar os líderes de gangues que operam nas prisões do país a 130 km da costa no Pacífico foi uma promessa de campanha do presidente Daniel Noboa, que disse já ter adquirido três navios que poderiam chegar ao Equador em sete ou oito meses.
Embora essa tenha sido a medida de segurança mais divulgada durante sua campanha, o mandatário agora reconhece que não é a solução para a grave situação pela qual o país está passando.
Dois meses após a chegada ao poder, Noboa, de 36 anos, enfrenta sua primeira crise: no domingo, José Adolfo Macías Villamar, conhecido como Fito, fugiu da Prisão Regional de Guayaquil. Chefe da maior quadrilha criminosa do Equador, a facção Los Choneros, ele é considerado o criminoso mais perigoso do país e desde 2011 cumpria uma pena de 34 anos por crime organizado, narcotráfico e homicídio.
Em apenas 48 horas, o governo decretou um estado de exceção, sete policiais foram sequestrados, tumultos foram registrados em presídios e houve ataques com explosivos nas ruas. Na terça-feira, após a fuga de outro líder do narcotráfico e a invasão de um estúdio de TV e de uma universidade por homens armados, Noboa emitiu um decreto para declarar Conflito Armado Interno em nível nacional, ordenando às forças militares que neutralizem as organizações criminosas envolvidas com o narcotráfico.
O decreto, enviado à Assembleia Nacional de Defesa, soma-se ao estado de exceção anunciado na véspera, que ficará em vigor por 60 dias devido a sequestros de policiais, ataques à imprensa e motins em presídios. A medida inclui um toque de recolher obrigatório de 23h às 5h para a população. A sede presidencial e as estações de metrô de Quito estão militarizadas.
— [Os barcos-prisões] são uma medida complementar e provisória para segmentar e remover prisioneiros que são ameaças reais à segurança nacional e do cidadão e mantê-los isolados até que a construção de prisões de segurança máxima e supermáxima seja concluída — disse Noboa no início de dezembro.
Apenas alguns dias depois, um novo anúncio foi feito: ainda em janeiro, será iniciada a construção de duas prisões de segurança máxima e supermáxima, como as que o presidente Nayib Bukele construiu em El Salvador.
O Equador já tem uma prisão de segurança máxima chamada La Roca, que fica dentro do complexo da Penitenciária do Litoral em Guayaquil, que permaneceu fechada por seis anos e foi reformada em 2022 para manter os líderes de gangues criminosas em isolamento. O problema, portanto, não é apenas de infraestrutura, mas de como o crime organizado está inserido no sistema judicial.
Prova disso foi que, em setembro, Fito foi transferido para La Roca, após o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, mas retornou para sua “prisão favorita” menos de um mês depois, por ordem da Justiça, e desafiou o sistema ao lançar um clipe musical de dentro da cadeia.
— O principal desafio é acabar com o enorme grau de envolvimento criminoso nas instituições do Estado — diz o analista de segurança Luis Carlos Córdova. — Hoje sabemos pela Procuradoria Geral da República que há comandantes da polícia trabalhando para diferentes gangues criminosas e é muita ingenuidade do governo acreditar que vai resolver o problema com mais prisões, quando deveria primeiro fazer uma política que revisasse os mecanismos de controle interno.
Crimes ordenados de dentro da prisão
O Equador apresenta níveis históricos de insegurança, que chegam a 40 homicídios por 100 mil habitantes. Apesar disso, a política de segurança e penitenciária de Noboa, que ele chamou de Plano Fênix, só foi conhecida a conta gotas, por meio das poucas entrevistas que o presidente equatoriano concedeu a alguns meios de comunicação. Em 11 de dezembro, o El País solicitou uma entrevista com um representante do governo, que ainda não foi concedida.
A tomada de controle das prisões pelo Estado, onde 31,3 mil pessoas estão presas, faz parte das estratégias de segurança que os três últimos governos prometeram sem sucesso. Até o momento, não foi possível romper a ligação direta entre as prisões e a violência que aumenta diariamente nas ruas. De lá, os líderes das facções criminosas dirigem e ordenam assassinatos, atentados, extorsões e movimentam a logística do tráfico de drogas, sob a proteção do Estado, que é responsável pelos presídios do país, guardados por policiais, militares e civis.
Um exemplo disso é o crime do ex-candidato à presidência Fernando Villavicencio, que foi ordenado a partir da prisão de Cotopaxi, de acordo com as investigações iniciais da polícia. A ordem para realizar uma onda de atentados a bomba simultâneos que causaram 24 horas de terror em Guayaquil em novembro de 2022 também partiu da Penitenciária do Litoral.
Nas prisões, os fios da corrupção no sistema Judiciário também são puxados para que juízes e promotores supostamente decidam em favor de alguns presos que buscam benefícios como escolher a prisão onde querem ficar, entrar com armas, drogas, equipamentos de comunicação, ter uma academia e até galos de briga.
‘Sistema de estado de exceção permanente’
O objetivo dos barcos-prisão, segundo o governo, é separar os líderes das facções criminosas que operam nas prisões e isolá-los de qualquer equipamento de comunicação que eles atualmente usam livremente nas prisões do país. As embarcações que o governo de Noboa avaliou têm capacidade para até 400 pessoas e custariam cerca de US$ 8 milhões (cerca de R$ 39,2 milhões).
— Uma barcaça pode chegar em sete ou oito meses, dependendo da distância. Muitas delas não estão operacionais ou não são autônomas, elas têm que ser puxadas por outro navio — explicou o presidente, que destacou que as que já foram confirmadas são da Austrália, do Reino Unido e outra que está nos Estados Unidos.
Para Córdova, o anúncio de adquirir barcos prisionais "é outra medida paliativa para o grave problema de insegurança do país".
— [O governo de Noboa] não tem uma ideia clara de como colocar em prática muitas das ideias que formulou durante a campanha — afirma.
Além disso, para que essas prisões funcionem, será necessário fazer mudanças legais, como "criar um sistema de estado de exceção permanente, que é exatamente o que existe em El Salvador com o modelo de Bukele, e que permitiu que todos os tipos de garantias de direitos humanos fossem violados para as pessoas detidas", explica Córdova.