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Na Índia, o fim da barafunda?

Lourival Sant’Anna Federação de dimensão continental formada por 29 Estados, assolada pelo atraso, pela burocracia e pelas desigualdades sociais, a Índia tem algumas semelhanças com o Brasil. Uma delas é o seu caótico, enigmático e ineficiente sistema tributário. No ranking de 189 países do Banco Mundial de facilidade de pagar impostos, a Índia ocupa a […]

ÍNDIA: o Primeiro-Ministro Narendra Modi está implementando uma estratégia que está transformando a Índia em uma potência tecnológica e preparando o cenário para um futuro digital / Kevin Frayer/Getty Images)

ÍNDIA: o Primeiro-Ministro Narendra Modi está implementando uma estratégia que está transformando a Índia em uma potência tecnológica e preparando o cenário para um futuro digital / Kevin Frayer/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 10 de agosto de 2016 às 16h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Lourival Sant’Anna

Federação de dimensão continental formada por 29 Estados, assolada pelo atraso, pela burocracia e pelas desigualdades sociais, a Índia tem algumas semelhanças com o Brasil. Uma delas é o seu caótico, enigmático e ineficiente sistema tributário. No ranking de 189 países do Banco Mundial de facilidade de pagar impostos, a Índia ocupa a posição 157 e o Brasil, 178. Ou seja, com muito esforço e talento, conseguimos superar os indianos em complexidade tributária.

Por aqui, ainda estamos tentando resolver nossos problemas. Nesta quarta-feira, um grupo de empresário pediu ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que simplifique os impostos no país. O consultor de gestão Vicente Falconi, colunista de EXAME, chegou a dizer que não há problemas em manter a acachapante carga tributária, desde que os impostos sejam simplificados.

Nessa seara, podemos ter o que aprender com a Índia. A Lok Sabha, Câmara dos Deputados indiana, aprovou nessa segunda-feira, 8, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (GST), que unificará as alíquotas de todos os Estados e produtos, simplificando e racionalizando o sistema, e criando um mercado comum de 1,3 bilhão de consumidores.

A proposta foi apresentada há 13 anos e sofreu a oposição de vários governadores, incluindo Narendra Modi, que administrou o estado de Gujarat até 2014, quando se elegeu primeiro-ministro. Depois de saltar o balcão do âmbito estadual para o federal, Modi, com a desenvoltura dos políticos para esquecer o passado e mudar de lado, transformou o projeto numa de suas grandes bandeiras. E ainda diz que usou sua experiência como governador para melhorar o projeto e que ele é resultado de consultas a todos os estados e partidos.

A aprovação é de longe a maior proeza de Modi, uma das mais importantes reformas desde que o país abriu sua economia, há 25 anos, e é a mais radical mexida no regime tributário, criado quando a Índia se tornou independente da Grã-Bretanha em 1947. Além de uma importante modernização econômica, foi um extraordinário feito político vencer a resistência de 90 partidos regionais. Um comitê de secretários da Fazenda de alguns desses estados ajudou o governo federal a vencer as resistências das bancadas estaduais no Rajya Sabha, o Senado indiano. O projeto acabou aprovado por todos os 443 deputados presentes à sessão. Apenas o partido AIADMK discordou e se retirou do Senado, em protesto, afirmando que as condições apresentadas pelo estado de Tamil Nadu, sua base, não tinham sido contempladas.

O projeto já havia sido aprovado na Câmara em maio do ano passado. Mas o Senado o aprovou com modificações no dia 3 e por isso ele teve de passar de novo pela Câmara. A alíquota única será definida pelo novo Conselho do GST, composto de representantes dos governos estaduais e federal. A equipe econômica de Modi defende uma alíquota entre 17% e 18%. Alguns estados preferem que seja mais alta.

O GST será cobrado no destino, e não mais na fonte, como acontece hoje, o que favorecerá os estados consumidores, mais pobres, em detrimento dos industrializados. Durante cinco anos, estados serão indenizados pelas perdas de arrecadação. Depois disso, cada um com seus problemas. O deputado Munisamy Thambidurai, líder do AIADMK e vice-presidente da Câmara, reivindicava que esse prazo fosse mais longo. Seu estado, Tamil Nadu, é grande produtor de têxteis, peças para automóveis e produtos agrícolas.

O ministro da Fazenda, Arun Jaitley, argumentou que mesmo os estados industrializados, como Maharashtra, Gujarat e Tamil Nadu, ganharão com o recolhimento de impostos sobre serviços. Para ele, essa reação é causada pelo “medo do desconhecido”. Jaitley garantiu que o novo imposto será um “ganha-ganha” tanto para a União quanto para os estados: “O GST ampliará a base tributária, cobrirá brechas e aumentará a arrecadação”.

O problema é a cascata 

Assim como ocorre no Brasil, os impostos na Índia também incidem em cascata sobre os diversos elos da cadeia de produção. O GST acaba com isso. Cada empresário pagará apenas pelo valor por ele adicionado. Para pagar menos imposto, deverá declarar o valor pago por matérias-primas, insumos e componentes usados em sua produção. Com isso, segmentos inteiros da economia que sonegam agora aparecerão no radar do Fisco.

A simplificação do imposto único também será brutal. Para ter uma ideia, existem seis alíquotas diferentes sobre a venda de automóveis, dependendo do comprimento do veículo, da potência do motor, e por aí vai. “É o fim do terrorismo tributário”, sentenciou o primeiro-ministro. “O consumidor será o rei”, festejou Modi, referindo-se ao fato de que as notas fiscais discriminarão claramente o que é imposto e o que é preço da mercadoria — como ocorre nos países civilizados.

No Brasil, essa obrigação está prevista na Lei no 12.741/12. Sua entrada em vigor foi adiada de junho de 2013 para junho de 2014 e depois para janeiro de 2015, a pedido da classe empresarial. Até que o assunto foi esquecido e ela entrou para a longa lista das leis que não pegam, embora esteja prevista uma multa por seu descumprimento.

A reforma ainda precisa ser aprovada pelas assembleias legislativas de pelo menos metade dos 29 estados, mas o governo acredita que isso não será problema. Entretanto, como esse processo costuma ser lento, talvez o GST não entre em vigor em abril, quando começa o ano fiscal na Índia, como pretendia o governo.

A mudança tem apoio de economistas e tributaristas. O contador Rahul Grover, da consultoria Dezan Shira & Associates, enumera os benefícios do GST: “Vai ampliar a base tributária, condição para diminuir as alíquotas e eliminar as disputas sobre classificação de produtos; eliminar a multiplicidade de impostos e seus efeitos cascata; equalizar a estrutura tributária e simplificar os procedimentos de compliance; harmonizar as administrações tributárias do governo central e dos estaduais, reduzindo os custos de duplicação e compliance; cobrar o imposto no destino no caso de trânsito entre os estados; tributar as importações; e zerar a alíquota sobre exportações”.

Quando apresentou o projeto no Parlamento, no dia 24 de abril de 2015, o ministro da Fazenda previu que o GST causaria um incremento de 2% ao PIB indiano. Economistas independentes calculam que esse índice ficará entre 1% e 2% ao ano. Na votação do projeto na Câmara, Modi agradeceu “humildemente” a todos os partidos pelo apoio ao GST. Disse que reflete a “maturidade” da democracia indiana ao ser aprovado por consenso entre os partidos. “Agora somos um país, um imposto.”, celebrou o primeiro-ministro.

Que inveja. Se os indianos, com suas 22 línguas oficiais, 122 grandes idiomas, 1.599 dialetos e 90 partidos regionais conseguiram se entender sobre a forma mais inteligente de cobrar imposto sobre valor adicionado, os brasileiros bem que poderiam tentar.

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