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México se antecipa a um novo Nafta

Kirk Semple © 2017 New York Times News Service Cidade do México – Das centenas de milhares de tortilhas consumidas todos os anos às incontáveis toneladas de alimentos enriquecidos com grãos que engordam o gado e as aves, o milho seja talvez o produto de agricultura mais importante do México, aquele que está no centro […]

COLHEITA DE MILHO NO MÉXICO: com as ameaças de Trump, o país corre para produzir internamente o que era importado / Rodrigo Cruz/The New York Times (Rodrigo Cruz/The New York Times/The New York Times)
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Da Redação

Publicado em 19 de abril de 2017 às 13h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h29.

Kirk Semple
© 2017 New York Times News Service

Cidade do México – Das centenas de milhares de tortilhas consumidas todos os anos às incontáveis toneladas de alimentos enriquecidos com grãos que engordam o gado e as aves, o milho seja talvez o produto de agricultura mais importante do México, aquele que está no centro da vida e da cultura do país.

Agora, ele está assumindo um novo papel – o de uma poderosa vantagem para as autoridades mexicanas na nova rodada de negociações do Nafta, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte.

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O motivo é que grande parte do milho que o México consome vem dos Estados Unidos, o que torna o grão a maior exportação agrícola dos EUA a seu vizinho do sul. E mesmo que o presidente Donald Trump pareça estar voltando atrás em suas promessas de remodelar completamente o Nafta, o México levou a ameaça a sério e está começando a se mexer.

O governo mexicano já estuda comprar milho de outros países, como a Argentina ou o Brasil, e aumentar a produção doméstica. Em um arroubo de ressentimento político, um senador mexicano chegou a submeter um projeto de lei para acabar com a compra de milho dos Estados Unidos em três anos.

As remessas de milho dos EUA para o México somaram quase 2,6 bilhões de dólares no ano passado e são parte da elaborada relação de comércio agrícola entre as duas nações que ajudou a entrelaçar suas economias. Mas, embora a venda do milho seja apenas uma pequena fração dos negócios de 525 bilhões de dólares anuais entre os dois países, ganhou uma importância superdimensionada e se tornou quase um símbolo para a dependência econômica entre os dois países.

A perspectiva de que os Estados Unidos pudessem perder seu maior mercado estrangeiro para o milho e outros produtos-chave mexeu com as comunidades de agricultores por todo o Meio-Oeste americano, onde a produção desse grão é uma parte vital da economia. A ameaça é particularmente inquietante para vários moradores do “cinturão do milho” porque a população da região votou de modo esmagador em Trump nas eleições presidenciais.

“Se perdermos o México como cliente, será absolutamente devastador para a economia agrícola”, diz Philip Gordon, de 68 anos, que planta milho, soja e trigo em uma fazenda em Saline, no Michigan, propriedade de sua família há 140 anos.

Gordon afirma que tem planos de ligar para Trump na Casa Branca “e lembrar a ele que precisamos do comércio”. “Ele é um homem de negócios. Sabe quanto apoio teve da comunidade agrícola”, afirma Gordon.

Trump já repetiu várias vezes que o México é o grande ganhador entre os países do NAFTA e os Estados Unidos são os perdedores. Mas muitos líderes dos negócios de agricultura e alimentação dos EUA – não apenas o mercado de milho – esperam que Trump não mexa muito no acordo.

“Quando você mistura política e economia, espera que a economia influencie suas decisões políticas e não vice-versa”, explica Luis A. Ribera, professor associado de Economia Agrícola e diretor do Centro de Estudos Norte Americanos da Universidade Texas A&M.

Muitos líderes de negócios da agricultura dos EUA dizem que o NAFTA tem sido uma bênção para os fazendeiros americanos, principalmente porque abriu novos mercados estrangeiros e ajudou os agricultores a expandir suas exportações mais de quatro vezes desde que o acordo foi assinado.

Em 2016, os Estados Unidos venderam quase US$18 bilhões em produtos agrícolas para o México, o terceiro maior mercado para exportações, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.

O México não é apenas o destino principal do milho americano, mas também importa mais laticínios, frangos e trigo dos Estados Unidos do que qualquer outro país, e é um dos maiores importadores de porco, soja e carne dos EUA, de acordo com o departamento.

O México importou cerca de 12,52 milhões de toneladas de milho americano no ano passado, segundo o governo mexicano. Quase a totalidade – cerca de 11,52 milhões de toneladas – foi de milho amarelo, que é usado em grande parte para alimentar os animais, suplementando as cerca de 3,175 milhões de toneladas desse produto cultivadas no país.

O resto da importação foi da variedade branca de milho, que é usada principalmente para o consumo humano e é o principal ingrediente das tortilhas. O México é praticamente autossuficiente em milho branco. O país produziu 20,14 milhões de toneladas no ano passado e importou 997.900 toneladas de milho branco dos EUA para compensar exportações lucrativas para a África do Sul e outros países, segundo o governo mexicano.

Fazendeiros e representantes da indústria agrícola dizem que os fazendeiros americanos já estão debilitados pelos custos mais altos de produção e o declínio do preço das commodities e que as ameaças de Trump ao comércio e à imigração aumentam a incerteza do setor.

“Normalmente já há muita volatilidade nos mercados agrícolas”, explica Barbara Patterson, diretora de relações governamentais da National Farmers Union. “E os fazendeiros ficam preocupados com a possibilidade de haver um fechamento das fronteiras ou de perder acesso a parceiros de negócios.”

A perda do México como um mercado de produtos agrícolas, dizem os fazendeiros, pode ser um presságio do fechamento de vagas de emprego e de falências. “Gostaríamos de ver uma consideração cuidadosa e uma abordagem cautelosa”, afirma Patterson.

Conversas formais para renegociar o Nafta ainda devem demorar alguns meses. Mesmo assim, os produtores de milho e outros agricultores americanos já começaram a fazer pressão sobre os políticos que elegeram e a administração.

“Da sopa às castanhas: milho, laticínios, carne, produtos especiais, frutas – praticamente todos os fazendeiros estão juntos”, afirma Tom Sleight, presidente e executivo chefe do Conselho de Grãos dos Estados Unidos. Os produtores, diz ele, estão procurando lembrar o governo da importância do comércio com o México para a linha de base da agricultura.

As ameaças do governo já começaram a estragar negócios de longa data entre os vendedores americanos e os compradores mexicanos.

“Os relacionamentos estão congelados com nossos clientes neste momento”, conta Sleight. “Normalmente tem sido um relacionamento muito simbiótico, mas recentemente está ficando mais difícil. Os mexicanos estão dizendo: ‘Por que vocês estão fazendo isso? Nós somos seus melhores consumidores’.”

E o governo mexicano se apressou a explorar novos mercados onde comprar milho. Um importante representante da agricultura na Argentina visitou a Cidade do México em março para discutir a possibilidade de aumentar as vendas do milho amarelo entre os países. Funcionários do Ministério da Agricultura do México estão planejando viagens para a Argentina e para o Brasil em abril a fim de discutir um aumento da compra de milho desses países.

Em março, o vice-ministro da Economia do México disse ao Financial Times que o país estava explorando a possibilidade de permitir isenção de impostos às importações de milho da Argentina e do Brasil.

Não vai ser fácil desenvolver novos arranjos de importação com a América do Sul, dizem as autoridades. Os novos acordos teriam que ser negociados, e os custos de importação também podem ser maiores, afirmam, em parte porque há menos rotas de transporte estabelecidas entre o México e os países do Mercosul.

No entanto, autoridades mexicanas dizem que um crescimento do comércio entre as regiões pode levar a mais competição, o que aumentaria a eficiência e diminuiria os custos.

O duelo do Nafta também inspirou os mexicanos a intensificar os programas para aumentar a produção de milho e reavivar esse setor, que foi prejudicado pelo acordo, segundo Alejandro Vázquez Salido, diretor da Aserca, agência do governo mexicano que apoia fazendeiros e promove o marketing de produtos agrícolas do país.

Alguns economistas culpam o Nafta por causar desemprego generalizado no setor agrícola mexicano ao abrir as comportas para produtos americanos muito subsidiados, principalmente o milho. Um estudo de 2014 estimou que 1,9 milhão de empregos desapareceram da agricultura, grande parte em pequenas famílias de fazendeiros, ajudando a aumentar a imigração ilegal para os Estados Unidos.

Vázquez diz que mesmo antes de Trump começar a atacar o Nafta e o México, as autoridades mexicanas já tinham começado a discutir um plano para substituir as importações pela produção nacional. “Mas esses novos desafios, essas novas políticas que teremos que encarar estão nos levando mais rapidamente nessa direção do que antes”, diz ele.

Trump tirou os mexicanos “de sua zona de conforto”, forçando as autoridades que lidam com a agricultura a encontrar maneiras de o país ser menos dependente das importações dos Estados Unidos, explica Vázquez. “Estamos começando a fazer o que deveríamos ter feito há muito tempo: tentar produzir internamente o que importamos.”

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