Exame Logo

Médicos atacam carvão e atiçam o debate sobre o clima

Os profissionais estão entrando na luta contra a poluição causada pelo carvão, o que acrescenta uma importante dimensão ao esforço de deter o aquecimento global

Carvão: envolver o setor médico aumentaria significativamente os recursos que levam em conta o clima (22879277@N08/Creative Commons/Flickr)
DR

Da Redação

Publicado em 23 de junho de 2015 às 16h45.

Os médicos estão entrando na luta contra a poluição provocada pelo carvão, o que acrescenta uma nova e importante dimensão ao esforço de deter o aquecimento global .

Solicitando “uma eliminação progressiva e rápida do carvão da matriz energética internacional”, um painel de 46 profissionais de saúde e climatologistas identificou o aumento da temperatura mundial como uma das maiores ameaças aos seres humanos nas próximas décadas.

“A comunidade médica respondeu a várias ameaças graves no passado. Ela enfrentou interesses arraigados, como a indústria do tabaco, e incitou a luta contra o HIV/AIDS”, disse Peng Gong, um dos presidentes do grupo que dirige o Centro de Ciência sobre o Sistema Terrestre, da Universidade Tsinghua, em Pequim.

“Agora é hora de liderarmos a resposta a outra grande ameaça”.

As recomendações publicadas na segunda-feira no periódico medico britânico Lancet adicionaram a autoridade dos médicos à campanha contra as emissões de combustíveis fósseis, uma luta que até então vinha sendo travada principalmente por ambientalistas e cientistas. Cerca de US$ 6,8 trilhões por ano são gastos com saúde – 9,1 por cento da economia mundial, segundo o jornal –.

Por isso, envolver o setor médico aumentaria significativamente os recursos que levam em conta o clima.

Depois de o papa Francisco ter concedido na semana passada seu apoio moral a medidas rápidas em prol do ambiente, a comissão reunida pelo Lancet ampliou o número de profissões que estão pressionando por uma mudança na forma como a energia é usada.

Isso redobra a pressão sobre os líderes que estão se empenhando para chegar a um acordo histórico, que visa limitar as emissões, nas negociações das Nações Unidas que culminam em Paris em dezembro.

Maior apoio

“O relatório é importante porque amplia a base dos que estão preocupados com a mudança climática”, disse Michael Grubb, um dos autores e professor de políticas climáticas na University College London, em uma entrevista por telefone.

“Isso acrescenta um grupo de apoio em que as pessoas costumam confiar para obter conselhos sobre um assunto muito importante para elas – a própria saúde”.

Ligando a questão climática à religião e à saúde, líderes das duas maiores fés cristãs endossaram as descobertas do relatório do Lancet antes que elas fossem publicadas.

O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, líder espiritual da comunidade anglicana, e Bartholomew, da Igreja Ortodoxa, exigiram uma meta a longo prazo para descarbonizar a economia.

Seus comentários foram feitos depois da marcante encíclica do papa Francisco em que ele pede que se restrinja o uso de combustíveis fósseis e endossa a climatologia, o que estabeleceu uma aliança entre a Igreja e os ambientalistas.

O relatório do Lancet disse que muitas das 2.200 usinas de carvão que estão sendo construídas atualmente em todo o mundo vão prejudicar a saúde cardiovascular e a respiratória.

A alternativa, obter energia de fontes renováveis que poluem menos, aliviaria parte desse dano e faria das ações em prol do clima uma das maiores oportunidades de aprimorar a saúde pública neste século, disse o painel.

Resposta do carvão

A indústria do carvão vê a si mesma como parte da solução e observa que o mundo vai precisar de seu combustível para levar energia a bilhões de pessoas e que essa tecnologia significa que a queima agora pode ser feita de forma mais limpa do que nunca.

“O carvão continuará sendo uma parte essencial da matriz energética mundial durante muitas outras décadas”, disse Benjamin Sporton, CEO da Associação Mundial do Carvão, em Londres.

A tecnologia do “carvão mais limpo” pode “reduzir entre 90 por cento e 99,9 por cento das emissões de poluentes originados pela combustão do carvão”.

Ao incluir médicos e líderes religiosos no debate sobre o clima, o relatório da Lancet começa a dar respostas a uma debilidade do movimento ambientalista.

Durante anos, os defensores dependeram da ciência para explicar o aumento das temperaturas, e sua posição foi criticada especialmente pelos republicanos dos EUA.

“Até recentemente, a mudança climática vinha sendo apresentada como uma ameaça distante, que afeta o gelo e os ursos polares”, disse Hugh Montgomery, médico intensivista e diretor do UCL Institute for Physical Performance, em entrevista por telefone. “O que as pessoas têm que entender é que se trata de uma ameaça imediata à saúde humana”.

Um novo estudo, publicado na revista científica Oikos, mostra que dois fatores principais são importantes para a sobrevivência das cabras: as horas de claridade do dia e a temperatura. Para os caprinos da Escócia, que sofrem com o frio das áreas mais elevadas do norte do país, o aquecimento global pode ser uma dádiva. A elevação das temperaturas parece estar tornando a vida um pouco mais fácil para os animais da região, que já começam a marcar território. O aumento da população de cabra selvagem e a mudança de seu habitat foi documentada pelo pesquisador britânico Robin Dunbar, da Universidade de Oxford e seu colega Jianbin Shi.
  • 2. Adeus ao cafezinho

    2 /8(Alex Silva)

  • Veja também

    O nosso querido cafezinho também corre riscos. Segundo uma nova pesquisa, publicada na revista científica Plos One, essa bebida tradicional pode sumir do cardápio dentro de 70 anos devido ao aquecimento global e às mudanças climáticas. O estudo realizado por pesquisadores do Royal Botanic Gardens da Grã-Bretanha, em colaboração com cientistas na Etiópia, constatou que entre 38 e 99,7% das áreas adequadas para o cultivo da espécie arábica desaparecerá até 2080 se as previsões do aumento das temperaturas se concretizarem.
  • 3. Aumento de problemas cardíacos

    3 /8(David Silverman/Getty Images)

  • É bom preparar o coração para as mudanças. Eventos climáticos extremos de calor e frio se tornarão mais comuns e isso vai colocar pressão sobre o coração das pessoas, dizem os cientistas. Um estudo publicado no British Medical Journal concluiu que a queda de temperatura de 1ºC em um único dia no Reino Unido está ligado ao aumento de 200 ataques cardíacos. Ondas de calor também geram efeito semelhante. Mais de 11 mil pessoas morreram por complicações cardíacas durante a onda de calor que atingiu a França na primeira metade de agosto de 2003, quando as temperaturas subiram para mais de 40ºC.
  • 4. Queda na capacidade trabalho

    4 /8(Getty Images)

    Um estudo publicado na revista científica “Nature Climate Change” sugere que o aumento da temperatura global nos últimos 60 anos reduziu a capacidade de trabalho em 10%. Pior, a previsão é de que “estresse térmico” poderá prejudicar ainda mais a aptidão do trabalhador para desempenhar suas funções nas próximas décadas. De acordo com a pesquisa, a capacidade de trabalho em 2050 será reduzida a 80% do que hoje.
  • 5. Maratonas mais lentas

    5 /8(Einar Hansen/ StockXchng)

    Embora o tempo dos vencedores de maratonas tenha melhorando gradativamente ao longo do século passado, essa tendência corre risco de diminuir diante do aumento das temperaturas. Um estudo da Universidade de Boston indica que o aquecimento global poderá tornar as maratonas mais lentas, afetando o tempo das vitórias. Mantida a tendência de aquecimento atual, de 0.058°C por ano, até 2100, a chance de detectar uma "desaceleração consistente no tempo de vitória da maratona" é de 95%, diz o estudo.
  • 6. Uvas não curtem calor, logo...

    6 /8(Getty Images)

    As uvas vinícolas são uma das culturas mais sensíveis ao calor, chuvas, incidências de sol e mudanças bruscas no clima. Não à toa, elas estão na mira do aquecimento global. Segundo estudos mais recentes, a produção de vinhos em regiões consagradas, como Bordeaux, na França, pode cair cerca de 60% até 2050. Em contrapartida, a mudança climática poderia também abrir outras partes do mundo para a produção de uvas, uma vez que os produtores teriam que procurar lugares mais altos e mais frios.
  • 7. Mais metano, mais aquecimento

    7 /8(Ian Joughin, University of Washington)

    Os efeitos do aquecimento global, acredite, também podem gerar mais aquecimento global. Estudo recente, publicado na revista Nature por uma equipe internacional de cientistas, mostrou que o degelo no continente antártico pode ser uma fonte importante, embora esquecida, de metano, um gás efeito estufa com potencial de aquecimento global 21 vezes maior do que o do CO2. Ou seja, o derretimento do gelo pode liberar milhões de toneladas desse gás na atmosfera e agravar o aquecimento global.
  • 8. Guarda-chuva para os Pólos?

    8 /8(Divulgação)

  • Acompanhe tudo sobre:Aquecimento globalCarvãoClimaMédicosSaúde

    Mais lidas

    exame no whatsapp

    Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

    Inscreva-se

    Mais de Mundo

    Mais na Exame