Margaret Thatcher mudou o rosto da Grã-Bretanha
Ex-primeira-ministra, figura crucial na política britânica do século 20, morreu aos 87 anos após sofrer um derrame
Da Redação
Publicado em 13 de abril de 2013 às 14h52.
Londres - A ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, "a Dama de Ferro", foi uma figura crucial na política britânica do século 20 - amada e odiada na mesma proporção, por ter reprimido sindicatos e privatizado muito do patrimônio público.
Ela morreu na segunda-feira, aos 87 anos, após sofrer um derrame. Durante sua carreira política, essa filha de um modesto quitandeiro foi idolatrada por alguns como uma modernizadora, e acusada por outros de ter acirrado as divisões entre ricos e pobres no país.
As imagens mais marcantes do seu governo são de conflito: enormes confrontos entre policiais e mineiros sindicalistas; ela, com lenço branco sobre a cabeça, andando de tanque; as chamas sobre a praça Trafalgar durante os protestos contra um impopular imposto que acabaram levando à sua queda.
Thatcher notoriamente ignorava seus críticos. "A senhora não é de recuar", disse ela num célebre discurso de 1980 a membros do seu Partido Conservador que pediam mais moderação no seu governo.
Outros que cruzaram seu caminho, particularmente na Europa, estavam sujeitos a violentas diatribes, frequentemente chamadas de "bolsadas", numa alusão à bolsa de couro preto que ela invariavelmente carregava.
Única mulher a ocupar o cargo de premiê na Grã-Bretanha, Thatcher comandou os conservadores em três vitórias eleitorais, num período que durou de 1979 a 1990 -maior período ininterrupto de um primeiro-ministro britânico desde o início do século 19.
Com o presidente norte-americano Ronald Reagan, ela formou uma sólida aliança anticomunista, recompensada com a queda do Muro de Berlim em 1989 - embora ela temesse que uma Alemanha unificada viesse a dominar a Europa.
Suas radicais posições direitistas alteraram tão profundamente a política britânica que os governos trabalhistas que a sucederam aceitaram muitas das suas políticas.
A mulher que se tornou conhecida simplesmente como "Maggie" transferiu grande parcelas da economia britânica das mãos do Estado para a iniciativa privada.
"O problema do socialismo é que você no fim das contas esgota o dinheiro dos outros", afirmou ela certa vez.
Seu credo pessoal, baseado na competição, na iniciativa privada, na frugalidade e na autoconfiança, deu origem a uma filosofia política conhecida como "thatcherismo".
Mas seu amargo remédio econômico deixou milhões de pessoas sem emprego, alienou multidões e destruiu setores econômicos como o da mineração.
Sua posição combativa gerou atritos na Europa, e sua intolerância contra dissidências acabou provocando sua queda.
"Uma tirana brilhante, cercada por mediocridades", foi como o ex-premiê Harold Macmillan a descreveu. "Aquela mulher sanguinária", foi o veredicto menos complacente de outro ex-premiê, Edward Heath, seu antecessor como líder conservador.
No auge de seu poder, Thatcher foi, por sua própria personalidade, uma das mais conhecidas figuras ocidentais. "Workaholic", trabalhava até 18 horas por dia, e depois relaxava tomando um copo de uísque.
Confronto com sindicatos
Após ganhar a eleição de 3 de maio de 1979, ela lançou reformas sociais e econômicas destinadas a acabar com aquilo que ela via como uma situação de declínio do setor industrial, impostos paralisantes e controle estatal intrusivo --fatores que, sob o governo trabalhista anterior, haviam motivado o chamado "inverno do descontentamento".
O combate a aumentos salariais inflacionários e as medidas em prol da modernização econômica exigiam restringir o poder dos sindicatos.
Após mudanças na lei e uma greve de um ano que terminou em derrota para os mineiros, em 1985, chegaram ao fim os dias em que os sindicatos podiam ditar ordens aos governos britânicos.
A Grã-Bretanha prendeu a respiração em 1982, quando Thatcher despachou uma força-tarefa naval para as ilhas Malvinas (também chamadas de Falkland), que haviam sido capturadas por militares argentinos.
Apesar de perderem vários navios, os britânicos conseguiram recuperar o controle das ilhas 74 dias depois. Ao todo, 649 argentinos e 255 soldados britânicos morreram na guerra.
Uma pesquisa de opinião em 1981 apontou Thatcher com o mais detestável primeiro-ministro de todos os tempos. Mas, dois anos depois, após a guerra das Malvinas, ela foi reconduzida ao poder em uma onda de patriotismo. Em 1987, obteve sua terceira vitória eleitoral consecutiva, novamente com expressiva maioria parlamentar.
Privatizações
Thatcher deu início a uma era de "capitalismo popular" que aumentou para 68 por cento o percentual de britânicos com casa própria, e fez com que uma em cada cinco pessoas se tornasse acionista de empresas.
No seu governo, houve uma audaciosa onda de privatizações, atingindo monopólios nos setores de gás, petróleo, siderurgia, telefonia, aeroportos e a British Airways. Os serviços de eletricidade e água seriam privatizados posteriormente.
Mas, embora o thatcherismo tenha melhorado a vida de muita gente, o desemprego dobrou até meados da década de 1980, atingindo mais de 3 milhões de pessoas - nível inédito desde os anos 1930, pós-Grande Depressão. Adversários diziam que Thatcher havia criado uma nação dividida entre o sul, mais rico, e o norte, mais pobre.
Thatcher desenvolveu uma estreita relação com Reagan, a quem chamou de "o padrinho da Inglaterra".
Foi o jornal oficial do Partido Comunista soviético, Pravda, quem a apelidou de "Dama de Ferro", mas ela gostou.
Quando o líder soviético Mikhail Gorbachev ascendeu ao poder, em 1985, ela estabeleceu uma boa relação de trabalho com ele.
Depois da invasão iraquiana no Kuweit, em agosto de 1990, Thatcher ofereceu ao então presidente dos EUA, George H.W. Bush, um conselho que ficou famoso: que ele não fosse "vacilante" em se contrapor ao iraquiano Saddam Hussein.
As relações de Londres com outros países europeus ficaram abaladas devido à relutância de Thatcher em abraçar os planos para uma maior integração.
Ela exigiu um enorme reembolso das contribuições britânicas ao orçamento europeu, e, até consegui-lo, praticamente paralisou as atividades da Comunidade Europeia.
O falecido presidente francês François Mitterrand disse certa vez que ela tinha "os olhos de Calígula e os lábios de Marilyn Monroe".
Atentado
Em 1984, um atentado do Exército Republicano Irlandês contra o hotel onde ela se hospedava, em Brighton, quase matou todo o seu gabinete. Ela escapou ilesa, mas cinco pessoas morreram, e alguns colegas dela ficaram gravemente feridos.
Horas depois do atentado, cumprindo a agenda, ela fez o pronunciamento de encerramento da conferência anual do Partido Conservador, prometendo não fazer concessões na luta contra o terrorismo.
Em 1984, Thatcher e o então premiê chinês, Zhao Ziyang, assinaram uma declaração pela qual Londres aceitava entregar Hong Kong à China em 1997, após 156 anos de domínio colonial britânico.
Após 11 anos no poder, Thatcher cedeu a uma revolta e se retirou de uma disputa pela liderança partidária, na qual enfrentaria o ex-ministro de Defesa Michael Heseltine. Um novo imposto local, conhecido como "poll tax" (literalmente "imposto por cabeça", por incidir sobre cada indivíduo, independentemente da renda) gerou distúrbios que contribuíram para sua queda.
Mas Thatcher manteve enorme influência, conseguindo que Heseltine não a sucedesse, e colocando, no lugar dele, seu protegido John Major, que foi primeiro-ministro até 1997.
"Estamos deixando Downing Street (rua onde fica a residência dos premiês britânicos) pela última vez após maravilhosos 11 anos e meio, e estamos muito felizes por deixar o Reino Unido em um estado muitíssimo melhor do que quando chegamos", disse a Thatcher na ocasião, com lágrimas nos olhos.
Em 2001 e 2002, ela teve derrames brandos, após os quais reduziu suas aparições públicas, até interromper totalmente seus pronunciamentos.
Seu mergulho na demência foi retratado no premiado filme "A Dama de Ferro", em que Meryl Streep interpretou seu papel. Apresentada como uma viúva confusa, a solitária Dama de Ferro havia ficado apenas com suas lembranças.
Londres - A ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, "a Dama de Ferro", foi uma figura crucial na política britânica do século 20 - amada e odiada na mesma proporção, por ter reprimido sindicatos e privatizado muito do patrimônio público.
Ela morreu na segunda-feira, aos 87 anos, após sofrer um derrame. Durante sua carreira política, essa filha de um modesto quitandeiro foi idolatrada por alguns como uma modernizadora, e acusada por outros de ter acirrado as divisões entre ricos e pobres no país.
As imagens mais marcantes do seu governo são de conflito: enormes confrontos entre policiais e mineiros sindicalistas; ela, com lenço branco sobre a cabeça, andando de tanque; as chamas sobre a praça Trafalgar durante os protestos contra um impopular imposto que acabaram levando à sua queda.
Thatcher notoriamente ignorava seus críticos. "A senhora não é de recuar", disse ela num célebre discurso de 1980 a membros do seu Partido Conservador que pediam mais moderação no seu governo.
Outros que cruzaram seu caminho, particularmente na Europa, estavam sujeitos a violentas diatribes, frequentemente chamadas de "bolsadas", numa alusão à bolsa de couro preto que ela invariavelmente carregava.
Única mulher a ocupar o cargo de premiê na Grã-Bretanha, Thatcher comandou os conservadores em três vitórias eleitorais, num período que durou de 1979 a 1990 -maior período ininterrupto de um primeiro-ministro britânico desde o início do século 19.
Com o presidente norte-americano Ronald Reagan, ela formou uma sólida aliança anticomunista, recompensada com a queda do Muro de Berlim em 1989 - embora ela temesse que uma Alemanha unificada viesse a dominar a Europa.
Suas radicais posições direitistas alteraram tão profundamente a política britânica que os governos trabalhistas que a sucederam aceitaram muitas das suas políticas.
A mulher que se tornou conhecida simplesmente como "Maggie" transferiu grande parcelas da economia britânica das mãos do Estado para a iniciativa privada.
"O problema do socialismo é que você no fim das contas esgota o dinheiro dos outros", afirmou ela certa vez.
Seu credo pessoal, baseado na competição, na iniciativa privada, na frugalidade e na autoconfiança, deu origem a uma filosofia política conhecida como "thatcherismo".
Mas seu amargo remédio econômico deixou milhões de pessoas sem emprego, alienou multidões e destruiu setores econômicos como o da mineração.
Sua posição combativa gerou atritos na Europa, e sua intolerância contra dissidências acabou provocando sua queda.
"Uma tirana brilhante, cercada por mediocridades", foi como o ex-premiê Harold Macmillan a descreveu. "Aquela mulher sanguinária", foi o veredicto menos complacente de outro ex-premiê, Edward Heath, seu antecessor como líder conservador.
No auge de seu poder, Thatcher foi, por sua própria personalidade, uma das mais conhecidas figuras ocidentais. "Workaholic", trabalhava até 18 horas por dia, e depois relaxava tomando um copo de uísque.
Confronto com sindicatos
Após ganhar a eleição de 3 de maio de 1979, ela lançou reformas sociais e econômicas destinadas a acabar com aquilo que ela via como uma situação de declínio do setor industrial, impostos paralisantes e controle estatal intrusivo --fatores que, sob o governo trabalhista anterior, haviam motivado o chamado "inverno do descontentamento".
O combate a aumentos salariais inflacionários e as medidas em prol da modernização econômica exigiam restringir o poder dos sindicatos.
Após mudanças na lei e uma greve de um ano que terminou em derrota para os mineiros, em 1985, chegaram ao fim os dias em que os sindicatos podiam ditar ordens aos governos britânicos.
A Grã-Bretanha prendeu a respiração em 1982, quando Thatcher despachou uma força-tarefa naval para as ilhas Malvinas (também chamadas de Falkland), que haviam sido capturadas por militares argentinos.
Apesar de perderem vários navios, os britânicos conseguiram recuperar o controle das ilhas 74 dias depois. Ao todo, 649 argentinos e 255 soldados britânicos morreram na guerra.
Uma pesquisa de opinião em 1981 apontou Thatcher com o mais detestável primeiro-ministro de todos os tempos. Mas, dois anos depois, após a guerra das Malvinas, ela foi reconduzida ao poder em uma onda de patriotismo. Em 1987, obteve sua terceira vitória eleitoral consecutiva, novamente com expressiva maioria parlamentar.
Privatizações
Thatcher deu início a uma era de "capitalismo popular" que aumentou para 68 por cento o percentual de britânicos com casa própria, e fez com que uma em cada cinco pessoas se tornasse acionista de empresas.
No seu governo, houve uma audaciosa onda de privatizações, atingindo monopólios nos setores de gás, petróleo, siderurgia, telefonia, aeroportos e a British Airways. Os serviços de eletricidade e água seriam privatizados posteriormente.
Mas, embora o thatcherismo tenha melhorado a vida de muita gente, o desemprego dobrou até meados da década de 1980, atingindo mais de 3 milhões de pessoas - nível inédito desde os anos 1930, pós-Grande Depressão. Adversários diziam que Thatcher havia criado uma nação dividida entre o sul, mais rico, e o norte, mais pobre.
Thatcher desenvolveu uma estreita relação com Reagan, a quem chamou de "o padrinho da Inglaterra".
Foi o jornal oficial do Partido Comunista soviético, Pravda, quem a apelidou de "Dama de Ferro", mas ela gostou.
Quando o líder soviético Mikhail Gorbachev ascendeu ao poder, em 1985, ela estabeleceu uma boa relação de trabalho com ele.
Depois da invasão iraquiana no Kuweit, em agosto de 1990, Thatcher ofereceu ao então presidente dos EUA, George H.W. Bush, um conselho que ficou famoso: que ele não fosse "vacilante" em se contrapor ao iraquiano Saddam Hussein.
As relações de Londres com outros países europeus ficaram abaladas devido à relutância de Thatcher em abraçar os planos para uma maior integração.
Ela exigiu um enorme reembolso das contribuições britânicas ao orçamento europeu, e, até consegui-lo, praticamente paralisou as atividades da Comunidade Europeia.
O falecido presidente francês François Mitterrand disse certa vez que ela tinha "os olhos de Calígula e os lábios de Marilyn Monroe".
Atentado
Em 1984, um atentado do Exército Republicano Irlandês contra o hotel onde ela se hospedava, em Brighton, quase matou todo o seu gabinete. Ela escapou ilesa, mas cinco pessoas morreram, e alguns colegas dela ficaram gravemente feridos.
Horas depois do atentado, cumprindo a agenda, ela fez o pronunciamento de encerramento da conferência anual do Partido Conservador, prometendo não fazer concessões na luta contra o terrorismo.
Em 1984, Thatcher e o então premiê chinês, Zhao Ziyang, assinaram uma declaração pela qual Londres aceitava entregar Hong Kong à China em 1997, após 156 anos de domínio colonial britânico.
Após 11 anos no poder, Thatcher cedeu a uma revolta e se retirou de uma disputa pela liderança partidária, na qual enfrentaria o ex-ministro de Defesa Michael Heseltine. Um novo imposto local, conhecido como "poll tax" (literalmente "imposto por cabeça", por incidir sobre cada indivíduo, independentemente da renda) gerou distúrbios que contribuíram para sua queda.
Mas Thatcher manteve enorme influência, conseguindo que Heseltine não a sucedesse, e colocando, no lugar dele, seu protegido John Major, que foi primeiro-ministro até 1997.
"Estamos deixando Downing Street (rua onde fica a residência dos premiês britânicos) pela última vez após maravilhosos 11 anos e meio, e estamos muito felizes por deixar o Reino Unido em um estado muitíssimo melhor do que quando chegamos", disse a Thatcher na ocasião, com lágrimas nos olhos.
Em 2001 e 2002, ela teve derrames brandos, após os quais reduziu suas aparições públicas, até interromper totalmente seus pronunciamentos.
Seu mergulho na demência foi retratado no premiado filme "A Dama de Ferro", em que Meryl Streep interpretou seu papel. Apresentada como uma viúva confusa, a solitária Dama de Ferro havia ficado apenas com suas lembranças.