Jornalistas russos mortos na RCA investigavam grupo paramilitar russo
Desde o início de 2018, a Rússia posiciona militares na República Centro-Africana, entregando armas ao Exército nacional e fazendo a segurança do presidente
AFP
Publicado em 1 de agosto de 2018 às 14h38.
Última atualização em 26 de outubro de 2018 às 12h06.
Os três jornalistas russos assassinados na República Centro-Africana investigavam a presença da empresa paramilitar russa Wagner em um país em que a Rússia posicionou estruturas militares.
O repórter de guerra Orkhan Dzhemal, o documentarista Alexander Rastorguyev e o cinegrafista Kirill Radchenko foram assassinados na terça-feira perto de Sibut, centro do país, por homens armados, segundo fontes locais e russas.
Eles colaboravam com o Centro de Gestão de Investigações, um projeto lançado pelo magnata e opositor russo no exílio Mikhail Khodorkovski.
Os três chegaram em 27 de julho ao país para fazer imagens sobre as atividades da empresa militar privada Wagner, informou o organismo em seu Facebook.
Os corpos dos jornalistas foram encontrados depois de terem sido assassinados em uma blitz rodoviária.
Autoridades russas afirmaram que Moscou quer determinar as circunstâncias exatas da morte de cidadãos russos e que, por isso, abriram uma investigação sobre estes assassinatos.
Na rede independente Dojd, a editora-chefe adjunta do Centro de Gestão de Investigações, Anastasia Gorshkova, indicou que os jornalistas russos assassinados tentaram entrar em uma base no domingo, na qual iriam encontrar funcionários da Wagner.
Eles tiveram o acesso negado, porque não possuíam autorização do Ministério da Defesa local, apesar de contarem com a assessoria do "consultor da ONU" em seus deslocamentos.
Segundo a porta-voz da diplomacia russa Maria Zakharova, os jornalistas não informaram as autoridades russas de sua presença na República Centro-Africana.
"A viagem foi declarada como turística", acrescentou, falando à cadeia Rossia 24.
Desde o início de 2018, a Rússia posiciona militares na República Centro-Africana, entregando armas ao Exército nacional e se encarregando da segurança do presidente Faustin-Archange Touadera.
Moscou conseguiu uma autorização de exceção da ONU para vender armas ao regime e também para treinar dois batalhões militarmente - cerca de 1.300 homens no total - do Exército.
Apesar de oficialmente o programa russo visar ao treinamento do Exército, Moscou também pretende reforçar sua influência em um país rico em recursos como diamantes, ouro, urânio e madeira.
O grupo Wagner
Discreto, poderoso e às vezes incontrolável, o grupo Wagner - o "Blackwater russo" - investigado pelos jornalistas mortos defende os interesses do Kremlin em conflitos como o da Síria, apesar das negativas russas.
O grupo foi criado por um ex-oficial do GRU, os serviços da Inteligência militar russo, Dmitri Utkin.
As empresas militares privadas, que não possuem existência legal, estão proibidas na Rússia. A Wagner estava envolvida desde 2014 nos combates do leste da Ucrânia junto aos separatistas pró-russos, segundo a imprensa e os serviços ucranianos.
Na Síria, atuaram em paralelo ao Exército russo, que desde 2015 atua em apoio ao regime de Bashar al-Assad e teve um papel destacado na reconquista da cidade antiga de Palmira.
Em fevereiro, Moscou reconheceu a morte de cinco cidadãos russos e dezenas de feridos que se encontravam na Síria "por iniciativa própria" em um ataque dos Estados Unidos em Deir Ezzor. A imprensa identificou todos como membros da Wagner.
O grupo seria financiado por Evgueni Prigojin, um empresário ligado a Vladimir Putin e que fez fortuna na construção, antes de fechar contratos com o Exército e com o governo russos.
Atualmente, a Justiça americana o acusa de estar por trás de uma "máquina de trolls", supostamente originária das mensagens virais espalhadas na Internet para favorecer Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016.
Mas, segundo especialistas, por causa das tensões com o Exército russo no território sírio, a Wagner teria perdido a confiança do Ministério da Defesa e, por isso, o grupo estaria procurando assinar outros contratos, especialmente com Damasco.
Segundo Pavel Baev, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), entrevistado pela AFP em março, este Exército das sombras permite "negar a amplitude da presença russa na Síria e minimizar as perdas, mas o problema com os ativos da Wagner é que nunca são totalmente controláveis".
Para o especialista militar Pavel Felguenhauer, no entanto, "a Rússia não tem qualquer interesse geopolítico na República Centro-Africana, ao contrário da Síria".
"A Wagner provavelmente quer ganhar dinheiro lá", completou.
"Mas, sem a aprovação do Kremlin, a Wagner não teria ido para a República Centro-Africana", alerta.