Furacão Harvey — a "cara" da realidade climática que Trump ignora
Ceticismo do presidente dos EUA aumenta vulnerabilidade dos americanos aos extremos do clima
Vanessa Barbosa
Publicado em 29 de agosto de 2017 às 14h56.
Última atualização em 29 de agosto de 2017 às 15h13.
São Paulo - Desde que assumiu o governo, no começo do ano, Donald Trump tem se empenhado em privar os americanos de informações sobre as mudanças climáticas.
Além de retirar os Estados Unidos do histórico Acordo de Paris, o republicano reduziu o orçamento da Agência Ambiental Americana (EPA) e ordenou a retirada de todas as informações sobre aquecimento global dos sites das organizações federais.
Sua tacada mais recente foi abolir os regulamentos introduzidos por seu predecessor para estabelecer um padrão nacional de gerenciamento de riscos de inundação .
Assinada em 2015 por Obama, a ordem executiva buscava aumentar a resiliência das comunidades e ativos federais contra os impactos de tempestades e furacões,que deverão aumentar devido aos efeitos de mudanças climáticas.
Em 15 de agosto, dois dias antes de Harvey se formar como uma tempestade tropical, Donald Trump cancelou a medida que garantiria mais investimentos para obras contra enchentes no país.
Na sequência, resolveu abolir também o Comitê Consultivo Federal para a Avaliação Nacional de Clima Sustentável, grupo que discutia, entre outras pautas, as melhores formas para comunicar à sociedade civil sobre os riscos associados às mudanças climáticas.
Nesta terça-feira, 29 de agosto, o estado do Texas já contabiliza mais de 10 mortos, vítimas das piores tempestades a atingirem a região em 50 anos trazidas pelo furacão Harvey.
Cidade mais populosa do Texas e mais castigada pelas enchentes, Houston está debaixo d´água. A região é historicamente conhecida por sua vulnerabilidade às inundações em períodos de fortes chuvas, devido ao seu terreno baixo e atravessado por vários canais.
Eis que a campanha negacionista do presidente americano confronta uma realidade inconveniente: o Furacão Harvey é a faceta mais notória dos extremos climáticos que Donald Trump não quer enxergar.
"Existem certos fatores relacionados à mudança climática que podemos, com grande confiança, dizer que pioram a inundação. [...] O aquecimento causado pelos seres humanos está penetrando no oceano, aquecendo não apenas a superfície, mas criando camadas mais profundas de água quente no Golfo e em outros lugares. Então, Harvey foi certamente mais intenso do que teria sido na ausência de aquecimento causado pelo homem", escreve Michael E. Mann, professor da ciência atmosférica da Universidade Estadual da Pensilvânia, em post no Facebook.
Não é possível ignorar as mudanças cada vez mais rápidas e intensas que o mundo atravessa. Vários marcadores da “saúde” do clima planetário quebraram recordes no ano passado, em um sinal incontestável de que ele está mudando, e para a pior.
Segundo relatório da Sociedade Meteorológica Americana e da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA), a intensificação do ciclo da água (o processo de evaporação da água no ar e a condensação como chuva ou neve) aumentou a variabilidade das chuvas em todo o mundo.
Além de muitas partes do globo terem experimentado grandes inundações em 2016, 12% da terra global atravessou condições de seca “severas”, o maior registro de estiagem de que se tem notícia. No Brasil, o Nordeste foi castigado pela maior seca de sua história, a quinta onda em cinco anos consecutivos.
No debate sobre mudanças climáticas, é comum ouvir que o pior ainda está por vir. Mas ao olhar para os estragos provocados por Harvey e outras tempestades e secas históricas, e para o sofrimento impingido a milhares de pessoas, não dá para ignorar o óbvio: nós já vivemos o pior que poderíamos em nossa geração. E nossos filhos e nossos netos enfrentarão - se nada for feito até lá - o que de pior poderão viver no seu tempo.
"Houston, we have a problem"
Harvey representa um novo desafio para a Casa Branca e o Congresso, que precisam aprovar bilhões de dólares em gastos de recuperação nas cidades atingidas pelo furacão. Para que isso ocorra, os republicanos vão ter que "morder a língua", já que foram eles que majoritariamente defenderam o corte dos programas de prevenção contra enchentes do país.
Quando o furacão Sandy atingiu Nova Jersey e Nova York em 2012, a resistência dos republicanos conservadores atrasou em três meses a liberação de verba para alívio dos estragos e obras de reconstrução.
Na ocasião, os senadores republicanos do Texas se opuseram à legislação que forneceria alívio para o desastre, argumentando que a medida incluiria gastos "estranhos", observa o jornal Washington Post.
Ironia do destino ou não, fato é que o Congresso americano precisa responder rapidamente à calamidade provocada por Harvey, desafiando Trump e seus seguidores a enfrentaram a realidade climática que tanto buscam ignorar.
Harvey também desafia o paradigma de crescimento e progresso historicamente perpetuado em Houston. Como observa o site QZ, a maior cidade do Texas e a quarta maior dos Estados Unidos se expandiu às custas da devastação do meio ambiente, tanto que até hoje não possui uma lei de zoneamento, que regule o uso e ocupação do solo. O resultado foi a redução das áreas verdes e zonas úmidas naturais, que ajudam a regular o regime hídrico e a conter os efeitos das inundações.
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