Franceses vão às urnas em eleição mais acirrada do pós-guerra
Nunca, nos últimos 60 anos, quatro candidatos estiveram tão próximos uns dos outros às vésperas do primeiro turno
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de abril de 2017 às 09h18.
Paris - Dias depois de um novo atentado terrorista, a França chega neste domingo à eleição presidencial mais acirrada e imprevisível da 5.ª República.
Nunca, nos últimos 60 anos, quatro candidatos estiveram tão próximos uns dos outros às vésperas do primeiro turno e qualquer projeção para o segundo turno é arriscada.
Analistas acreditam que a ação reivindicada pelo Estado Islâmico na Avenida Champs-Elysées agrega ainda mais incerteza.
O quadro de indefinição foi captado por todas as pesquisas de opinião nas últimas três semanas, desde a forte ascensão do candidato radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, do movimento França Insubmissa.
Por ter roubado votos dos dois favoritos, o social-liberal Emmanuel Macron, da recém-criada legenda En Marche! (Em Movimento), e a nacionalista Marine Le Pen, da Frente Nacional, seu crescimento nas sondagens embolou a disputa pelos quatro primeiros lugares, que conta ainda com o conservador cristão François Fillon, do partido Republicanos.
Na sexta-feira, as três últimas pesquisas de opinião divulgadas pelos institutos Ipsos, OpinionWay e Odoxa trouxeram números semelhantes.
Ex-ministro da Economia, Macron teria ligeira vantagem na liderança, com entre 23% a 24,5% das intenções de voto. Em segundo lugar estaria Marine Le Pen, com entre 22% e 23%.
Em terceiro lugar disputariam Fillon, com estimativas entre 19% e 21%, e Mélenchon, com 18% a 19% das preferências.
Na prática, os prognósticos revelam um duplo empate técnico, pela disputa pelo primeiro lugar e pela do segundo lugar.
De acordo com analistas políticos, parte da incerteza às vésperas do voto se dá em razão da campanha eleitoral superficial, que chegou ao fim na sexta-feira sob o impacto de um novo atentado terrorista.
Marcado por escândalos de corrupção em torno de Fillon e de fraudes no financiamento de campanha de Marine Le Pen, o debate político programático acabou ficando em segundo plano, prejudicado por notícias falsas em redes sociais e pelo maniqueísmo de militantes.
A exemplo da campanha do Brexit, no Reino Unido, em junho de 2016, e da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, em novembro, o grande tema na França acabou sendo o confronto entre candidatos pró-abertura, globalização e livre-comércio, como Emmanuel Macron e em menor escala Fillon, e candidatos protecionistas e antiglobalização, como Marine Le Pen e Mélenchon.
Na sexta-feira, até mesmo essa configuração foi abalada após o atentado da Champs-Elysées - um tema de preferência da extrema direita de Marine Le Pen e da direita dura de François Fillon.
Embora evitem prognósticos, analistas ouvidos pelo Estado consideram que o ataque poderá causar um impacto marginal na tendência de voto hoje. Para Jean-Jacques Kourliandsky, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris, a França sofreu tanto com tragédias recentes, em 2015 e 2016, que a população teria aprendido a agir diante de eventos sensíveis.
"Tenho a impressão de que há um efeito de vacinação", entende o analista. "Pode parecer paradoxal, porque tivemos muitos episódios, mas falamos muito pouco nessa campanha sobre questões de terrorismo."
Jean-Yves Camus, um dos maiores especialistas em extremos políticos na França e na Europa, também entende que o impacto político do atentado tende a ser limitado. "É infeliz afirmar, mas não foi um atentado em massa, como o de Nice. A maneira como ele foi recebido pelo público foi diferente", afirma.
Camus entende que Marine Le Pen e Fillon tentaram, na sexta-feira, tirar proveito eleitoral do atentado, mas a iniciativa pode não ter surtido efeito. "Não creio que haverá uma mudança no quadro eleitoral", completa.
Para Mathieu Guidère, especialista em islamismo radical e em terrorismo global da Universidade de Paris 8, o ataque reivindicado pelo Estado Islâmico teve o objetivo claro de intervir na eleição presidencial francesa. "Não creio que a população vá cair nessa armadilha", disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.