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Europa: Itália, a próxima ameaça

Desde o plebiscito do dia 23, só se falava na ameaça que a saída britânica representa para a União Europeia. Até que a queda nas bolsas na terça-feira, motivada pelo risco de uma crise sistêmica nos bancos italianos, despertou o mundo para um vulcão prestes a entrar em atividade e varrer consigo a zona do […]

MATTEO RENZI: desde 2008, a Itália é considerada a bola da vez na zona do euro – agora, a vez chegou / Alessandro Bianchi/ Reuters

MATTEO RENZI: desde 2008, a Itália é considerada a bola da vez na zona do euro – agora, a vez chegou / Alessandro Bianchi/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2016 às 17h12.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

Desde o plebiscito do dia 23, só se falava na ameaça que a saída britânica representa para a União Europeia. Até que a queda nas bolsas na terça-feira, motivada pelo risco de uma crise sistêmica nos bancos italianos, despertou o mundo para um vulcão prestes a entrar em atividade e varrer consigo a zona do euro.

Quarta economia da Europa, a Itália está em guerra com as regras da Comissão Europeia — que a impedem de cobrir o rombo de seus bancos — e consigo mesma: o primeiro-ministro Matteo Renzi ameaça renunciar se os italianos não aprovarem, em referendo em outubro, uma mudança constitucional que retira poderes do Senado para facilitar a votação de reformas e aumentar a governabilidade do país. Pois é. Mais um referendo eletrizante à vista.

Desde a crise financeira de 2008/2009, a Itália é considerada a bola da vez da zona do euro, uma bomba diante da qual a Grécia, cujo PIB é um décimo, pareceria um traque. Mas o jeitinho italiano veio driblando as disfunções, inconsistências e problemas estruturais, até que a sujeira debaixo do tapete apareceu onde costuma mesmo aparecer: nos créditos podres do sistema financeiro. Em se tratando da Itália, a ponta do iceberg tem um nome elegante: Monte dei Paschi di Siena, o terceiro maior banco do país e o mais antigo do mundo — sim, foram os italianos também que inventaram “la banca”. Seus créditos não recuperáveis somam 47 bilhões de euros.

Outros bancos estão em situação semelhante, e o rombo total é calculado em 301 bilhões de euros. A dívida pública italiana representa 133% do PIB — a maior depois da Grécia, na zona do euro. A Itália precisaria de ajuda externa para resolver o problema. Mas as regras europeias não permitem sequer que o governo entre com dinheiro público para ajudar os bancos: a solução teria de vir por troca de títulos com os próprios investidores privados.

No dia 31, o sistema bancário italiano passará por um teste de estresse, e o resultado deve expor oficialmente a crise. “Um tema que pode ditar a direção de curto prazo dos mercados é a fragilidade do setor bancário italiano”, adverte análise de cenário de terça-feira do Deutsche Bank.

O governo criou em abril o fundo Atlante — referência a Atlas, o gigante da mitologia que sustenta o céu — para socorrer os bancos. De lá para cá, duas instituições foram resgatadas. A intenção é ampliar o fundo, para comprar créditos podres. É aí que Roma começa a esbarrar nas regras ditadas por Bruxelas. Renzi pediu a suspensão dessas regras por seis meses, para injetar 35 bilhões de euros nesse fundo. Isso fere as normas de concorrência da UE. “Nein”, foi a resposta da chanceler alemã, Angela Merkel: “Estabelecemos regras específicas no que se refere à recapitalização dos bancos”, justificou ela. “Não podemos criar regras novas a cada dois anos. A Comissão está pronta para ajudar, mas até agora não foi convencida pelo que tem sido proposto pela Itália.”

A professora vs. o demolidor

Apelidado de “Demolidor”, por sua campanha vitoriosa de 2014 para a chefia do governo da Itália, na qual prometeu sacudir as estruturas políticas e econômicas, Renzi respondeu que não ia deixar a “professora lhe dar uma lição”, numa referência ao passado acadêmico de Merkel, doutora em química. “Estamos dispostos a fazer o que for necessário para ajudar os bancos, e não descartamos agir unilateralmente, embora esse fosse o último recurso”, avisa um funcionário do governo italiano.

Isso preocupa Bruxelas, pois pode afetar a credibilidade do seu sistema de regulação. “Qualquer suspensão das regras de resgate seria o prenúncio do fim da união bancária como a conhecemos”, sentencia o francês Benoît Coeuré, membro do Comitê Executivo do Banco Central Europeu.

O referendo de outubro é outro cavalete alto na corrida de obstáculos de Renzi. O primeiro-ministro quer o crivo popular para uma reforma política — já aprovada pelo Parlamento em abril — tão audaciosa quanto necessária e antiga. Desde os anos 80 que se discute na Itália reduzir o Senado a uma instância de votação de temas regionais, como forma de simplificar a tramitação de projetos de lei, que passariam a ser aprovados apenas na Câmara dos Deputados. Isso daria estabilidade ao governo e lhe permitiria aprovar reformas, como a trabalhista, para aumentar a competitividade do país.

De acordo com uma pesquisa feita em maio pela rede de TV RAI, o “não” venceria com 54% dos votos. Pesquisas anteriores previam a vitória do “sim”. Uma eventual rejeição da reforma e renúncia de Renzi mergulharia a Itália no caos político. Um relatório do Citi para seus clientes, assinado pela analista-chefe global Tina Fordham, adverte que esse cenário representa “provavelmente o maior risco individual à paisagem política europeia neste ano, depois da saída britânica”.

Essa é a visão também no Deutsche Bank. “Se o referendo for rejeitado, esperamos a queda do governo de Renzi”, afirma nota de Marco Stringa, analista do banco. “Formar um governo de maioria estável, seja antes ou depois de uma nova eleição, pode ser extremamente desafiador, mesmo para os padrões italianos.”

De acordo com a Confederação das Indústrias (Cofindustria), se a reforma não for aprovada, a Itália será envolvida num “caos político”, a recessão voltará, com crescimento negativo de 0,7% em 2017 e 1,2% em 2018, haverá fuga em massa de capitais e aumento da dívida pública. Ainda por cima, o embate entre Roma e Bruxelas acerca do resgate dos bancos reforça a sensação de que os eurocratas impõem regras prejudiciais aos países membros. É tudo do que a União Europeia não está precisando, depois do plebiscito britânico.

(Lourival Sant’Anna)

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