Paris, apesar de tudo, é uma festa
A Eurocopa da França, afinal, é do medo, ou do champanhe? Esperando que a atual desarmonia da França não estrague o bom humor dos 1,5 milhão de fãs de futebol que desembarcam para o campeonato europeu de seleções de futebol, o setor hoteleiro francês montou uma operação de guerra. Dados publicados recentemente revelam que, mesmo […]
Da Redação
Publicado em 17 de junho de 2016 às 15h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.
A Eurocopa da França, afinal, é do medo, ou do champanhe? Esperando que a atual desarmonia da França não estrague o bom humor dos 1,5 milhão de fãs de futebol que desembarcam para o campeonato europeu de seleções de futebol, o setor hoteleiro francês montou uma operação de guerra. Dados publicados recentemente revelam que, mesmo com o torneio, o número de reservas nos hotéis parisienses caiu em até 50% na comparação com o ano passado.
Os motivos estão fora dos estádios, e se acumulam: os atentados do 13 novembro, as recentes enchentes em Paris, a greve dos coletores de lixo e dos transportes públicos, as manifestações contra as mudanças na Lei do Trabalho e, para completar, com o alerta dos Estados Unidos para que cidadãos americanos evitem visitar a França. Para piorar, com o início dos jogos, hooligans ingleses e russos transformaram ruas francesas em cenário de guerra na última semana.
Nada que impeça os hotéis de luxo franceses de mimar seus hóspedes e convidados (e tentar reverter os prejuízos causados por uma ocupação na casa dos 30%). Durante toda a Eurocopa, um dos mais famosos palácios parisienses convida os torcedores endinheirados a desfrutar da emoção do futebol em um microcosmo privilegiado bem longe dos estádios de futebol e das funzones. O Hotel Le Royal Monceau, que já foi frequentado por ícones como Walt Disney, Coco Chanel e Winston Churchill, e ainda astros como Madona, Michael Jackson e Robert De Niro, abre suas portas com propostas tentadoras para os fãs em busca de segurança, glamour e diversão.
Com um combo a 95 euros, antes de cada jogo da da França, os torcedores podem comer um hambúrguer de filet mignon regado a uma taça de champagne Veuve Clicquot. Prazer com reserva e hora marcada assinado pelo chef executivo Laurent André, em cena desde 2010 e responsável por reinventar os restaurantes do hotel. O fruto do seu talento, duas estrelas Michelin para os restaurantes do Royal. Uma delas destinada ao restaurante italiano do hotel, o histórico Il Carpaccio – o único italiano da capital parisiense com uma estrela no prestigiado guia.
Após a degustação num refinado food-truck, os clientes são convidados a tomar seus lugares na luxuosa Katara, a sala privada de cinema do hotel, para, finalmente, assistir ao match. No apito do intervalo, pipoca caramelizada assinada pela maison Pierre Hermé Paris e um coquetel Veuve Clicquot. De quebra, um souvenir surpresa no fim do jogo para fidelizar a clientela.
Bem longe das manifestações do centro de Paris, nos bucólicos jardins de Versalhes, o Trianon Palace, gerido pelo Waldorf Astoria, parte do grupo de hotéis Hilton, exibe os jogos ao vivo em um telão instalado no terraço do Galerie Bar. Séculos após servir de moradia para o rei Luis XIV, em 1919 um dos salões do hotel foi cenário da preparação do Tratado de Versailles e anos depois passagem obrigatória de ricos turistas americanos e de grandes nomes da indústria como André Citroën.
O programa? Combo finger food de vinagrete de anchova acompanhado de torradas de aveia orgânica, chips de bacon, foie gras, mini foccacias de legumes grelhados e seleção de queijos e frutas por 87 euros para duas pessoas. Para bebericar, coquetel à base de champagne exclusivo para ocasião, o “Le Supporter” (O Torcedor) a 28 euros. Todo menu assinado pelo chef executivo e proprietário do restaurante. Ninguém menos que Gordon Ramsay, o apresentador da versão inglesa do programa Master Chef e do Hell’s Kitchen. Após o jogo, quick-massage, reflexologia ou massagem facial relaxante no Spa Guerlain, a partir de 55 euros.
Já na vibe da funzone privée, o endereço obrigatório no 8ème arrondissement de Paris é o Hotel Collectionneur. O estabelecimento propõe transmitir os jogos em um telão ao ar livre instalado em um espaço temporário projetado exclusivamente para os jogos com direito a grama de verdade para uma experiência única. Para um grupo de seletos 80 torcedores, um menu vegano com diversas opções como tabule de bulgur e quinoa com hortelã e azeite de oliva orgânico a 18 euros ou hambúrguer de legumes com queijo vegano a 22 euros. Ainda tem salmão escocês defumado acompanhado com creme de manteiga Isigny com cebolinha e torradas a 28 euros até o mais requintado caviar Petrossian de esturjão branco a 115 euros a porção. Tudo claro, acompanhado de uma seleção de cervejas ou do exclusivo o coquetel “Euro” a 26 euros, a base de licor June, Perrier, suco de limão, licor de pessêgo Brandy e suco de grapefruit.
A italiana Cinzia Gialdi (33), na França com o marido brasileiro, diz que aproveitou a Eurocopa para visitar a França com o marido apaixonado por futebol. Um pouco inquieta com as greves, manifestações nas ruas e brigas de torcida, ela conta que o casal prefeiriu gastar o dinheiro dos ingressos de uma outra forma, “Paris é e sempre será glamurosa, então eu quero mais é aproveitar e viver esse glamour. No jogo da Itália, em vez de sofrer para ir ao estádio em Lyon, preferimos ficar em Paris mais uma noite e investir em um jantar estrelado com jogo de futebol em um hotel cinco estrelas. Claro que não estamos hospedados lá”.
O peso do turismo
Na França, turismo é coisa séria: responde por 7% do PIB. Por isso, o país trata a atual situação nas ruas com extrema preocupação. A coisa começou a complicar com os atentados de 13 de novembro passado. Monsieur le Président François Hollande fez apelo à responsabilidade individual. Tentando tranquilizar os visitantes, garante que “o Estado tomará todas as medidas necessárias para receber, transportar e fazer acontecer os jogos nas melhores condições possíveis”. Enquanto isso, Monsieur le Premier Ministre, Manuel Valls, tenta negociar aqui e ali com a CGT (Confédération Générale du Travail) e tampar o sol com a peneira para segurar a barra dos grevistas até o próximo dia 10.
Em toda capital, o policiamento reforçado conta com 77.000 policiais, 1.000 voluntários de primeiros socorros mobilizados e 10.000 soldados do exército, além de 13.000 seguranças tercerizados.
Em Paris, Alexandra Edip, parisiense de 27 anos e habitante do 14ème arrondissement — tradionalmente conhecido pela vida noturna — diz que “dificilmente as comemorações continuam até altas horas após a transmissão dos jogos. Talvez nos nightclubs. Aqui, nos bares e cafés da rua, não. Quando acaba o jogo, por volta das 11 horas da noite é hora de pagar a conta e ir pra casa. O que me faz lembrar que existe a Eurocopa são as pessoas vestidas com camisetas dos times, porque no mais, não tem barulho de noite nem muita bagunça”.
Já na funzone, instalada em um dos mais belos pontos de Paris, o Champ-de-Mars. A segurança, reforçada com a proibição de venda de bebidas alcoólicas após o confronto entre hooligans em Marselha na primeira rodada, atrai um público popular para um ambiente familiar e festivo. Com dois telões gigantes, o local faz jus ao investimento de 10 milhões de euros da capital francesa para receber os torcedores em toda a cidade.
Com entrada gratuita, a funzone conta com 40 câmeras de segurança, 6 pontos de acesso diferentes para facilitar a entrada e saída do local, 400 seguranças privados, controle de bolsas e proibição de entrada de malas e mochilas grandes. Do lado de fora, patrulha policial em todo perímetro de 3 km. Do lado de dentro, capacidade para receber 90.000 pessoas e patrocínio dos gigantes da indústria fast-food. Também é permitido fazer pic nics, se você conseguir um espaço para isso. Completando, a funzone propõe ateliers de futebol, shows (David Guetta para abertura), informação turística em 8 línguas e uma loja oficial de souvenirs.
Pelo glamour, pelo festa ou pelo futebol, todas as cartas na manga valem para atrair os euros dos turistas. Se eles vierem para gastar com caviar, vinhos, estádios e hotéis, mas deixarem o título do torneio com a equipe azul comandada Didier Deschamps, melhor ainda. A seleção francesa já ganhou os dois primeiros jogos. Faltam cinco.
(Mariana Prado Zanon)