Venezuela: "Somos estudantes, não somos terroristas", gritavam os estudantes aos policiais que bloquearam uma das principais entradas à universidade (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
AFP
Publicado em 4 de maio de 2017 às 21h46.
Estudantes universitários entraram em confronto nesta quinta-feira com a polícia em um novo dia de protestos contra o presidente Nicolás Maduro, que já deixaram 33 mortos em pouco mais de um mês.
Um dia depois de confrontos violentos em que morreram um manifestante e um policial, e outros dois civis ficaram gravemente feridos, centenas de estudantes tentaram marchar rumo ao Ministério do Interior, mas a Polícia os impediu.
Os confrontos começaram quando os agentes anti-distúrbios impediram uma marcha de centenas de alunos da Universidade Central da Venezuela (UCV), a principal do país, lançando bombas de gás lacrimogêneos, ação respondida por um grupo de jovens encapuzados com pedras e coquetéis molotov.
"Somos estudantes, não somos terroristas", gritavam os estudantes aos policiais que bloquearam uma das principais entradas à universidade com caminhões blindados.
Os estudantes, os mais combativos nas marchas, realizaram assembleias na UCV e em outras universidades em distintos pontos de Caracas, assim como em outras cidades do país, e depois saíram às ruas para rechaçar a Assembleia Nacional Constituinte convocada por Maduro, e para exigir sua saída do poder.
Um grupo chegou à Conferência Episcopal Venezuelana, no oeste de Caracas, onde entregaram uma mensagem à Igreja e ao papa Francisco, que expressou sua preocupação com a violência.
"Uma mensagem ao papa: estão nos matando, é uma ditadura. Que a Igreja se junte às mobilizações", revelou Santiago Acosta, da Universidade Católica Andrés Bello, ao entregar a carta.
O deputado opositor Manuel Olivares, que participou do protesto, reportou trinta feridos, nenhum com gravidade.
O protesto estudantil ocorre após um dia de grandes confusões em manifestações contra a Constituinte. Um jovem de 18 anos morreu na parte leste da capital, e um policial faleceu em uma manifestação no estado de Carabobo.
Em Anzoategui, norte do país, um líder estudantil foi morto a tiros enquanto participava de uma assembleia na universidade em que estudava, informou o Ministério Público (MP), sem especificar se a vítima participava dos protestos da oposição nesta quinta-feira.
José López Manjares, de 33 anos, "estava em uma assembleia estudantil. No final, um dos participantes se aproximou e disparou vários tiros contra ele. Posteriormente, fugiu em uma moto", informou o MP em um boletim.
López era presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Territorial José Antonio Anzoátegui. No ato ficaram feridas outras três pessoas, segundo o Ministério Público.
As autoridades, que não informaram a filiação política da vítima, fazem investigações para identificar os autores e determinar as motivações do crime.
Segundo versões publicadas na imprensa, López organizava uma manifestação durante a assembleia. Se a participação dele nos protestos for confirmada, o número de mortos nas manifestações que sacodem a Venezuela desde o início do mês se elevaria a 34.
As manifestações acontecem em meio a uma forte piora da economia, que atinge os venezuelanos com uma severa escassez de alimentos e remédios, e uma inflação considerada a mais alta do mundo, projeta para 720% em 2017, segundo o FMI.
"Perdi 10 quilos por causa desta situação do país. Luto para que isso melhore", declarou à AFP Daniel, um estudante de 20 anos, na UCV, no sudeste de Caracas.
Segundo pesquisas privadas, mais de 70% dos venezuelanos rechaçam a gestão de Maduro, que conclui seu mandato em janeiro de 2019. Para a oposição, sua saída antecipada do poder é a única solução à crise.
"Seguiremos nas ruas, apesar da forte repressão do regime, diante da gravidade da crise que o país vive hoje", afirmou Daniel Ascanio, da Universidade Simón Bolívar.
Acosta assegurou que continuarão pedindo eleições, embora o chamado à Constituinte deixe no limbo as pendentes eleições de governadores, que deveriam ter sido realizadas em 2016, de prefeitos em 2017, e as presidenciais em 2018.
"Vamos levantar nossas vozes não importa quanto gás engolirmos", declarou Rafaela Requesens, dirigente da UCV.
A procuradora-geral Luis Ortega, sabidamente chavista, condenou a repressão às manifestações em entrevista publicada na quarta-feira pelo The Wall Street Journal, o que é interpretado por alguns analistas como fissuras no chavismo.
Maduro está decidido a levar à frente uma Assembleia Constituinte que abafe a ofensiva opositora nas ruas. "É o caminho da paz, da reconciliação da Venezuela", declarou nesta quinta-feira à emissora oficial.
"É uma batalha complexa, mas ninguém irá tirar de nós a nossa pátria", acrescentou o mandatário, que na terça-feira entregou ao poder eleitoral o decreto de convocação à Constituinte.
A oposição assegura que essa iniciativa consolida o "golpe de Estado" que, segundo afirma, foi iniciado quando o máximo tribunal de justiça assumiu temporariamente, no fim de março, as funções do Parlamento, único poder do Estado que controla.
Maduro afirma que seu projeto busca "reforçar" a Constituição impulsionada pelo falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013) e que será uma Constituinte "popular" e não "de elites ou partidos".
Segundo o presidente, ela será composta por 500 membros da Assembleia, metade eleita por setores sociais e metade pela circunscrição municipal, fazendo com que, de acordo com especialista, o voto seja universal.
Maduro não explicou como serão definidos esses setores, em alguns casos divididos entre seguidores e opositores, como os estudantes, mas disse que terão ampla participação.
"Nós não apoiamos sua Constituinte, porque o que você planeja é uma grande fraude para continuar no poder. Senhor Nicolás Maduro: vá 'al carajo'!", sentenciou Ascanio.
Como parte das gestões internacionais da oposição, o chefe do Parlamento, Julio Borges, apresentou em Washington ao secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, uma objeção formal à recente decisão do governo da Venezuela de se retirar do organismo.
"Não nos importa o que dizem as oligarquias latino-americanas, ou o lixo de Almagro", declarou Maduro, ao se referir também aos países da região que lhe pediram para que parasse a "repressão".