Em tempos sombrios, Reino Unido vive epidemia de esfaqueamento
O Reino Unido atravessa seu período mais turbulento em décadas, enquanto o governo tenta desesperadamente negociar um acordo para o Brexit
Gabriela Ruic
Publicado em 10 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 10 de março de 2019 às 06h00.
Colin Spash viu sua filha de 11 anos, Lily, se abaixar para acrescentar seu pequeno buquê de rosas vermelhas à pilha de flores. Bilhetes escritos à mão, úmidos por causa da chuva leve de Londres, estavam espalhados pelo colorido arranjo. Um deles dizia simplesmente: "Você não merecia isso."
Em um parquinho infantil a poucos passos de distância, mais uma vítima de um ataque fatal com faca na capital britânica sangrou até morrer. Jodie Chesney tinha 17 anos e era uma orgulhosa escoteira e uma estudante modelo antes de seu assassinato, há uma semana, que abriu os olhos do país para uma epidemia que agora domina a agenda política.
O horror nacional diante de uma jovem que jaz morta na rua perturbou um país que já enfrenta dificuldades para conter divisões amargas em relação à saída da União Europeia, que envenenou grande parte das discussões políticas.
Os crimes com armas brancas vêm se multiplicando há anos na Inglaterra e, no ano passado, atingiram o patamar mais elevado desde pelo menos 2011. No entanto, uma dúzia de mortes por esfaqueamento em Londres só neste ano chocou o país por causa da natureza aparentemente indiscriminada de muitas delas. A polícia procurava testemunhas de outro assassinato na tarde de quinta-feira na região oeste da cidade.
"Geralmente, esses assassinatos estão relacionados a gangues ou algo assim, mas, quando se trata de uma jovem inocente com toda a vida pela frente, é terrível", disse Spash, 46, um ex-policial. Ele disse que se mudou para Harold Hill, região suburbana de Londres onde Chesney foi assassinada, 25 anos atrás para escapar da criminalidade de outros lugares.
O Reino Unido atravessa seu período mais turbulento em décadas, enquanto o governo tenta desesperadamente negociar um acordo para o Brexit. Embora o foco esteja no drama político no Parlamento e nas negociações estagnadas em Bruxelas, muitos eleitores se preocupam mais com o estado frágil de serviços estatais subfinanciados, como escolas, hospitais e policiamento.
Para a polícia, a onda de ataques com armas brancas é culpa do subfinanciamento, um legado de mais de 70 bilhões de libras (US$ 92 bilhões) do aperto no cinto do governo desde a crise financeira de uma década atrás. O orçamento para os policiais no Reino Unido caiu 20 por cento desde 2010, quando ajustado pela inflação. A primeira-ministra Theresa May geriu grande parte da redução em seu trabalho anterior, quando era Secretária do Interior.
Outros dizem que o foco deveria estar nas causas sociais da violência e em fornecer facilidades e oportunidades para os jovens.
"É preciso mudar o discurso, deixar de se concentrar exclusivamente em criminosos empunhando facas e passar a ver jovens vulneráveis e assustados que merecem ser protegidos e ter suas vozes ouvidas", disse Franklyn Addo, 25, que trabalha com jovens vítimas de violência para a instituição de caridade Redthread, no Homerton Hospital, na zona leste de Londres. "A violência é onipresente. Ela não pertence aos jovens e existe há muito tempo."
E a violência agora veio à tona. Com importantes votações do Brexit no Parlamento programadas para a próxima semana, os crimes com armas brancas chegaram até mesmo a dominar a reunião do gabinete de May na terça-feira. O Ministro das Finanças, Philip Hammond, enfrentou uma enxurrada de perguntas sobre o financiamento da polícia em uma rodada de entrevistas à imprensa na quinta-feira, que normalmente se concentraria no Brexit.