Cuba celebra 60 anos de revolução em uma América Latina que gira à direita
Data coincide com posse do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro no Brasil, país que dá uma guinada à direita, como fizeram Argentina, Chile e Peru.
AFP
Publicado em 1 de janeiro de 2019 às 12h37.
Fonte de inspiração para a esquerda da América Latina, a Revolução Cubana comemora nesta terça-feira (1) o seu 60º aniversário, enfrentando dificuldades econômicas e cada vez mais isolada diante do avanço da direita na região.
Por uma coincidência de calendário, esta histórica comemoração coincide com a possa do presidente eleito de extrema direita Jair Bolsonaro no Brasil, país que dá uma guinada à direita, como fizeram antes Argentina, Chile e Peru.
Santiago de Cuba (sudeste), "o berço da revolução", receberá o ato central das festividades, que se anunciam discretas e sem dignatários estrangeiros, com um esperado discurso do ex-presidente Raúl Castro às 17h00 locais (20h00 de Brasília) no cemitério que guarda as cinzas do pai da Revolução Cubana, Fidel Castro.
Raúl estará acompanhado pelo novo presidente, Miguel Díaz-Canel, de 58 anos, que o substituiu em abril e que, diferentemente dos irmãos Castro, não goza da legitimidade de ter combatido a ditadura de Fulgencio Batista.
"Sessenta e mais. Viva a Revolução Cubana, Viva Cuba (...) Parabéns ao povo cubano no novo ano", tuitou Díaz-Canel na segunda-feira.
Mas há razões para comemorar? "O legado histórico da Revolução Cubana parece muito desgastado, tanto do ponto de vista político quanto econômico", assinala Jorge Duany, diretor do Instituto de Pesquisas Cubanas da Universidade Internacional da Flórida.
Novos desafios
Mais crítico que Duany, o opositor Vladimiro Roca assegura à AFP que a Revolução "vai se extinguir pelo seu próprio peso: em primeiro lugar, a juventude já está cansada, não acredita em nada disso, e, em segundo, já não tem apoio nenhum no exterior".
Amada e odiada, os seguidores de uma Revolução que inspirou a maioria dos movimentos de esquerda na América Latina destacam as conquistas em educação e saúde, mas seus críticos lhe atribuem uma gestão desastrosa da economia, a falta de liberdades civis e a existência de presos políticos.
Após um 2018 marcado por dificuldades econômicas, Díaz-Canel previu no Twitter que este "será um ano de desafios, combates e vitórias".
O governante sustenta que "a batalha mais importante" é a economia, que cresceu apenas 1,2% em 2018, muito abaixo dos 5% necessários para impulsionar o desenvolvimento econômico da ilha, segundo especialistas locais.
Outrora primeiro produtor mundial de açúcar, a ilha teve que importá-lo recentemente da França. E no final do ano os cubanos enfrentaram a escassez de farinha e ovos.
"A cada ano o governo importa cerca de dois bilhões em alimentos, e estes gastos não resolvem a segurança alimentar no país", destaca Marlene Azor, ex-professora da Universidade de Havana, em um relatório do Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina (Cadal).
Para Azor, "o 'modelo de bem-estar' que foi exportado durante décadas pelo governo de Cuba como paradigma de desenvolvimento (...) demonstrou a sua estagnação e regressão a partir da perda dos subsídios soviéticos e do resto dos países" do bloco comunista da Europa Oriental.
Nova Constituição
Para "atualizar" o modelo econômico, Cuba submeterá a referendo em 24 de fevereiro uma nova Constituição, que reconhece o papel do mercado, da propriedade privada e do investimento estrangeiro em sua economia.
Contudo, a nova Carta Magna assegura que Cuba "jamais" retornará ao capitalismo e ratifica o destino "comunista" de sua sociedade, além do sistema de partido "único".
Enfrentando a política hostil de Donald Trump e o agravamento do embargo que Washington aplica contra a ilha desde 1962, o panorama dos aliados de Havana não é nada bom: uma Venezuela em crise que luta para assegurar suas entregas de petróleo à ilha.
E embora o presidente russo, Vladimir Putin, tenha qualificado Cuba, no domingo, como um "sócio estratégico e aliado de confiança", em mensagens enviadas a Raúl Castro e a Díaz-Canel, não está disposto a subsidiá-la como a União Soviética fez. Tampouco o fará a China.
Finalmente, a Coreia do Norte, país que Díaz-Canel visitou em novembro, planeja assinar em janeiro um acordo de comércio e colaboração em Havana, segundo a agência oficial Prensa Latina.