Coronavírus mata oito vezes mais na Itália do que na Coreia do Sul
A quantidade de idosos em cada país está entre os fatores que explicam a diferença na letalidade do coronavírus
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de março de 2020 às 13h09.
Dois dos países com mais casos de coronavírus depois da China apresentam taxas de mortalidade discrepantes. A letalidade da doença na Itália é mais de 8 vezes a observada na Coreia do Sul . Enquanto no país europeu já morreram 6,21% das pessoas confirmadas com a covid-19, no asiático a porcentagem de óbitos foi de 0,7%, segundo dados divulgados pelos departamentos de saúde dos dois países.
Fatores como a quantidade de idosos no país - a Itália tem uma população mais envelhecida do que a Coreia - e a estrutura dos sistemas de identificação de novos casos e assistência aos doentes ajudam a explicar a diferença entre os dois países. A disparidade indica que a taxa real de mortalidade pelo novo coronavírus pode ser menor do que a que vem sendo observada até o momento, de 3,5%. Desde os primeiros relatos, em dezembro, a covid-19 contaminou 117.356 pessoas em 107 países, com 4.252 mortes.
Na Coreia, o governo fez testagem em massa da população, identificando e somando casos assintomáticos. Após o país identificar o crescimento de casos relacionados a um culto religioso, pelo menos 200 mil pessoas foram testadas. "A vantagem de um teste em massa é que ele identifica tanto os casos graves quanto os brandos e até os assintomáticos. Isso aumenta muito o número de identificações. Mas se é feito somente o teste em quem busca o atendimento médico, o dado pode ficar enviesado, porque provavelmente só vai identificar os casos médios e graves, justamente onde a chance de evoluir a óbito é maior", explica Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fiocruz. Estima-se que isso é que tenha ocorrido na Itália.
A Coreia começou a ter registros pouco depois do início da epidemia na China. O primeiro relato de um caso foi feito em 20 de janeiro. O pico de casos novos em 24 horas ocorreu em 29 de fevereiro - com 909 registros - e nesta terça-feira, 10, foi de apenas 131. Assim como ocorre com a China, os novos casos vêm caindo e a epidemia começa a se estabilizar. Até terça, eram 7.513 casos confirmados e 54 mortes.
Na Itália, o surto teve início no carnaval e o número de casos subiu rapidamente - e continua em alta. Até terça eram 10.149 casos com 631 mortes. "O perfil etário da população é importante porque a letalidade é significativamente mais alta na população idosa", explica Gomes.
"Uma hipótese é que só tenhamos o diagnóstico das pessoas que vão procurar o hospital e que já estão mal, o que diminui o denominador de quantos casos de fato existem. A taxa de mortalidade fica alta, porque o número de casos é só dos mais severos", afirma a pesquisadora brasileira Rafaela da Rosa Ribeiro, que está colaborando com o grupo de Elisa Vicenzi, especialista em vírus do Ospedale San Raffaele, hospital universitário de Milão.
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre chineses infectados acima de 80 anos, a mortalidade pela doença chegou a 21,9%. Na Itália, 22% da população tem mais de 65 anos - o país tem a população mais velha da União Europeia. Na Coreia a faixa etária responde por 14%.
A estimativa é que quando a situação se estabilizar no mundo, talvez a taxa de mortalidade fique mais parecida com a apresentada na Coreia - próxima de 1%. "Em novos surtos, é normal começar detectando os casos mais graves, então no início a taxa de letalidade é mais alta. Mas os dados indicam que a covid-19 vai acabar se mostrando uma gripe forte, com mortalidade maior que a da H1N1, que foi de 0,5%", diz Gomes.
Como na Itália o número de casos cresceu muito rapidamente, houve sobrecarga do sistema, o que também pode estar afetando a taxa de letalidade. Nos casos mais graves, o tempo de internação pode ser de quatro a seis semanas, de modo que não há vaga para todos que chegam doentes. Relatos da imprensa local apontam para a falta de respiradores.
Lições para o Brasil
"A impressão que se tem é de que a vigilância da Coreia talvez estivesse mais bem preparada. E se tem um bom atendimento para as pessoas infectadas, a mortalidade é menor. Na Itália, como já nos primeiros casos identificados houve mortes, isso sugere que a vigilância tem baixa sensibilidade", diz o epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Para ele, o sistema de saúde italiano entrou em colapso, e parte dessa alta mortalidade pode se dever às condições adversas no atendimento.
Os pesquisadores opinam ainda que os dois quadros trazem algumas pistas sobre o que precisa ser feito. Uma vigilância atenta, que monitore o vírus desde o início, pode ajudar a impedir a transmissão, mas é recomendável adotar medidas que diminuam aglomerações. "Mesmo que não se consiga completamente bloquear a transmissão ou impedir a invasão no Brasil, é fundamental que se consiga diminuir a velocidade de transmissão. Isso tem impacto na habilidade do sistema de saúde de tratar de forma adequada os pacientes e evitar os óbitos", complementa Gomes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.